terça-feira, 14 de maio de 2013

CAPÍTULO 60


Com um suspiro, eu o libertei, me afastando. Levei um minuto inteiro para conseguir voltar a respirar. Joe parecia sofrer do mesmo mal que eu.
- Errrr... O que foi... hã... o que acabou de acontecer aqui? — ele indagou, um pouco sem ar.
- Você não me deixou falar. Decidi te fazer calar a boca com um pouco de persuasão.
- Um pouco de persuasão... - ele balbuciou, os olhos escuros e famintos.
Engoli em seco.
- Eu adorei o carro, Joe. É lindo! A cor é perfeita, mas não posto aceitar - murmurei, aumentando a distância entre nós.
- Por que não? - ele me encarava, ainda aturdido. O rosto e os olhos ainda continham aquela ponta de ferocidade
- Porque não é certo. -Desde quando eu tinha começado a agir como uma idiota? Joe estava me transformando numa garota certinha e íntegra, que inferno! - Isso é muito diferente de um vestido.
- Mas eu comprei pra você! Comprei pensando em você, Demetria - disse ele com a voz intensa, dando dois passos para se aproximar - Não preciso de outro carro. Quero que você aceite. É importante que aceite. Não gosto de te ver dependendo da bondade de seus amigos e tendo que implorar ajuda. Nem mesmo a minha.
- Essa foi a coisa mais gentil que alguém já me disse, Joe. Agradeço sua preocupação, mas ainda não posso aceitar. Seu salário não é tão alto assim para sair comprando carros por aí.
Pela mudança em seu rosto, percebi que eu dissera a coisa errada.
- Ganho o suficiente para comprar um carro para a minha mulher - ele respondeu com os dentes trincados, ofendido.
Um arrepio delicioso percorreu minha coluna. Era a primeira vez que ele se referia a mim como sua mulher, querendo dizer exatamente isso. Por isso doeu tanto dizer:
- Eu não sou sua mulher. Não de verdade.
Ele ergueu a mão, tocou meus cabelos, deslizou os dedos por meu pescoço e os prendeu em minha nuca. Sua testa estava levemente franzida. Ele parecia muito concentrado em algo.
- Não é - murmurou. - Mas, por favor, aceite.
- Não posso - sacudi a cabeça e fechei os olhos. - Você poderia usar a grana que gastou no carro para comprar qualquer outra coisa que quisesse.
- Sim, e o que eu quero é te dar esse carro. Sei o que estou fazendo - sua outra mão se prendeu em minha cintura. Abri os olhos imediatamente - Aceita, Demetria! Me deixa cuidar de você.
Oh, Deus! Como eu poderia dizer não, quando ele me pedia daquele jeito tão doce? Mas eu não podia aceitar que ele gastasse tanto dinheiro comigo quando já tinha responsabilidade demais em suas costas. Eu não queria ser um peso em sua vida, porém não queria magoá-lo...
Eu ainda deliberava quando ele sacudiu a cabeça. Algo em seus olhos mudou.
- Que tal um acordo? - sugeriu.
- Outro? - O primeiro já me causava uma dor de cabeça do caramba!
- Aceite esse carro como um empréstimo. Quando o nosso casamento terminar, você pode me devolver.
- Só um empréstimo? - Isso mudava tudo.
- Sim, apenas um empréstimo. Quando tudo acabar... - ele sacudiu a cabeça outra vez. - Um empréstimo.
- Acho que posso aceitar um empréstimo - toquei seu pulso, aquele ainda segurava minha nuca. - Eu não ia me sentir bem de outra forma, Joe. Se a gente fosse mesmo casado, seria diferente. Mas diante dessa situação toda... não quero que você tenha a impressão de que estou me aproveitando de você.
- Eu jamais pensaria isso - ele respondeu, solene.
- Nós nos encaramos por uma eternidade; suas mãos permaneceram imóveis, uma delas em minha nuca, a outra em minha cintura. A tensão entre nós era tão grande que o ar se tornou pesado, denso, quase uma presença física ao nosso redor. A forma como Joe me fitava era inebriante. Ele queria me beijar, eu tinha certeza disso. Podia jurar que meu coração não era o único ali batendo descompassado contra as costelas, mas, assim como eu sabia que ele queria se render, também reconhecia a batalha que travava consigo mesmo, e mais uma vez seu desejo por mim perdera a luta. Ele me soltou, fechando os olhos e exalando um longo suspiro pesaroso.
- Não quer experimentar? - indicou o carro com a cabeça.
- Só se for agora - tentei sorrir, sentindo que acabara de perder algo extraordinário. Recompondo-me, dei a volta e abri a porta do carro, então deslizei os dedos sobre o painel e o volante. Era lindo. - Você não vem? - chamei, já que ele permanecera plantado em frente ao veículo.
Ele assentiu, ainda sério demais.
Dediquei alguns momentos para conhecer o carro, abrindo e fechando cada compartimento e apertando cada botão que pude encontrar. Liguei o som. Joe alcançou um CD com uma fita vermelha no porta-luvas e me entregou.
- Sério? Isso eu não vou devolver! - brinquei.
- Você disse que gostava da música, então... - ele deu de ombros. - Eu adoro! Obrigada, Joe! - e me estiquei um pouquinho, até que meus lábios tocaram sua bochecha.
Ele sorriu, um pouco constrangido, e desviou os olhos.
Demorei horrores para conseguir tirar aquele plástico infernal e abrir caixinha, para poder liberar o incrível e mais novo cd do Eminem.
- Não é tão ruim depois que a gente se acostuma... - comenta Joe, passando o cinto de segurança pelo ombro quando a música preencheu a estrutura metálica.
Dei partida. O motor não era potente, mas rugiu quando exigi com o acelerador. Joe pareceu contente ao me ver atrás do volante.
- Delícia de carro! - exclamei, sinceramente.
- O mais importante é que é muito econômico - ele apontou.
- Muito importante mesmo! - ri.
Entrei na rua lotada de carros com as células vibrando. Eu não dirigia fazia semanas. Meu carro - emprestado - deslizava como uma serpente sobre o asfalto irregular.
- Quando você comprou esse carro? - perguntei curiosa, ligando a seta e fazendo a curva bem fechada. O pneu gritou.
- Não precisa ir tão rápido! - ele segurou a alça presa ao teto. - Comprei o carro ontem, depois que te deixei no café com a Selena.
- Logo depois que você soube do aumento de salário - finalmente entendi, acelerando um pouco mais.
- Agora você me pegou - ele sorriu como quem se desculpa, mas na verdade não senti remorso algum. - Eu disse que sempre consigo o que quero. - Eu me perguntei por que ele não me incluía logo em sua lista de desejos.
Sem querer - bom, mais ou menos -, acabei na estrada que levava ao mirante da cidade, Joe não disse nada enquanto subíamos pela estrada sinuosa, mas parecia preocupado com a velocidade que eu impunha ao carro. Parei um pouco afastado de outro veículo que já estava ali, com os vidros embaçados. Desliguei o farol e as luzes da cidade se derramaram lá embaixo, como uma tela de Monet. - Uau!
- Lindo! - Joe concordou.
- Você fala como se nunca tivesse vindo aqui antes.
As luzes salpicadas sobre a superfície a nossos pés eram tão luminosas quanto estrelas cadentes. Era difícil desgrudar os olhos, mas eu tinha Joe ao meu lado, com o olhar perdido, os cabelos ligeiramente despenteados pelo vento que entrava pela janela, o queixo duro, a mão cerrada em punho sobre a perna, os tendões aparentes sob a pele ligeiramente bronzeada. Era como admirar uma obra de Bernini.
- E nunca vim. Essa é a primeira vez- ele disse sério. Seu rosto, parcialmente escurecido pelas sombras, ficou ainda mais lindo. - Eu soube desse lugar quando estava na faculdade. A galera vinha muito aqui.
- Você realmente precisa sair mais, Joe - zombei.
- E você com certeza já esteve aqui diversas vezes - ele insinuou.
- Não. É a minha primeira vez também. Então foi aqui que você me pediu em casamento?
- Foi - ele murmurou constrangido, desviando os olhos para o cobertor de estrelas à nossa frente. - Não sou muito criativo. Foi o que consegui pensar na hora, com a Blanda te enchendo de perguntas.
- Eu achei bastante criativo. Muito romântico. Teria sido difícil dizer não a um pedido como aquele.
- Teria? - finalmente ele voltou aqueles olhos incrivelmente brilhantes para o meu rosto.
- Praticamente impossível - sussurrei.
Nossos olhares se prenderam por muito tempo, minha respiração acelerou e de repente eu queria desesperadamente que ele me conhecesse. Que me conhecesse de verdade, aquela garota que nem eu mesma conhecia muito bem.
- Quer me contar o que aconteceu hoje na casa do seu avô? - ele perguntou. Sua voz baixa e grave reverberou pelo interior do carro.
- Não quero falar sobre isso. Não aqui, onde há tanta tranquilidade - murmurei. Por que tudo era tão complicado?
- Sua vida tem sido meio turbulenta, não é? - ele perguntou, depois de um instante de silêncio. - Já tive dias melhores. Já tive dias piores. Acho que tá na média.
- Se te anima, comprei inseticida para o seu quarto.
Sorri tristemente. Agora eu teria que suportar o cheiro do inseticida, ou dizer que minha barata imaginária já havia se mudado.
Até que ponto eu iria? Me perguntei. Até onde iria para fazer com que Joe me notasse? Eu não sabia, mas duvidava que fosse desistir tão cedo.
O que eu sentia por ele era algo novo, confuso, e eu sabia que era precioso e delicado. Talvez vovô tivesse razão e eu devesse contar a ele tudo que estava acontecendo. Dizer a temível verdade. Só que a...
- Você já mentiu, Joe?
Sua testa franziu.
- Pra você?
- De um modo geral. Você já mentiu pra alguém que amava e depois ficou com medo de contar a verdade, temendo perder a pessoa?
Ele refletiu por um momento.
- Já- disse por fim.
- E o que você fez para consertar as coisas?
- Eu... - ele se remexeu no assento, pouco à vontade. - Por que você está me perguntando isso? Está com problemas?
- Só responde, por favor - gemi, encostando a cabeça no assento.
- Eu não fiz nada. deixei como estava. Não sei se ela ia entender meus motivos e... Eu nunca quis magoar essa pessoa, mas talvez ela não compreendesse meus motivos. Eu não disse a verdade pra ela - ele baixou a cabeça parecendo mortificado.
- Eu sei como é - deslizei os dedos pelo volante. - Eu também nunca quis magoar ninguém, mas acabei magoando. Vou magoar, se disser a verdade.
Ele levantou os olhos, cristalinos e incandescentes, estudando-me. Seu rosto estava sério e os lábios firmemente pressionados um contra o outro.
- Essa pessoa é importante pra você?
- Muito - eu disse.
Joe levantou a mão, acariciou a lateral de meu rosto, e só então me dei conta de que secava uma lágrima traiçoeira.
- Se isso te machuca tanto, você devia contar tudo - sussurrou. - Essa pessoa vai entender, tenho certeza.
- Mas e se não entender? E se achar que fui desleal e me expulsar de sua vida?
- Então ela não merecia sua afeição - ele sorriu um pouco.
Respirei fundo, tomando coragem.
- Você acha que isso vai terminar bem?
- Isso o q... Ah, nosso acordo? - ele perguntou. Assenti. Ele continuou: - Acho sim.
- Andei pensando... E se... de repente... alguém descobrisse sobre o nosso trato? O que ia acontecer?
- Bom, com certeza você não ia receber a sua herança - ele comentou, sorrindo.
- Estou falando sério, Joe. E quanto a você? O que ia acontecer com a sua carreira se soubessem que você casou comigo para me ajudar a burlar o testamento? Ele suspirou.
- Imagino que eu ia ficar marcado. Por um tempo, pelo menos. Com certeza seria demitido - disse casualmente, como se não soubesse que o risco era real. E não sabia mesmo. Eu ainda não tinha contado nada a ele. - Não iam querer alguém que tentou quebrar as regras negociando os contratos internacionais da empresa. E... acho que só isso. O que mais poderiam fazer? - ele deu de ombros. Quase não pude respirar.
- Ah, Joe. Eu queria ter conhecido você assim antes de termos feito o que fizemos - lamentei. Se eu tivesse conhecido aquele Joe, gentil, carinhoso, generoso, jamais teria seguido adiante com meu plano. Pelo menos eu gostava de pensar que não.
- Se arrependeu de casar comigo? - ele indagou, com a voz baixa e levemente rouca.
- Muito - respondi sinceramente.
Ele tentou esconder a decepção, mas foi incapaz.
- Eu sempre fui meio inconsequente - me apressei. Odiava ver aquela expressão obscura em sua face. - Mas nunca prejudiquei ninguém. Eu aprontei muito, fiz um bocado de coisa errada, o vovô ficava furioso comigo, mas a única prejudicada pelos meus atos sempre era eu. Essa é a primeira vez que vou prejudicar uma vida que não é minha.
Entendendo meu argumento, seu rosto relaxou um pouco.
- Era isso que você estava querendo dizer? Está preocupada com o que pode acontecer comigo?
Assenti e um soluço escapou de minha garganta.
- Ah, Demetria - ele passou os braços ao me redor, afundando meu rosto em seu peito, os dedos presos em meus cabelos, descendo por minhas costas. - Você não vai estragar nada. Eu me coloquei nessa situação. Foi minha escolha. E tenha um pouco de fé em nós dois. Vai dar tudo certo.
- Vai? - perguntei, erguendo o rosto, encarando-o.
- Claro que vai. - Ele beijou minha testa, em seguida afastou o cabelo que teimava em cair em meus olhos. - Você e eu... Não sei como dizer isso sem soar piegas, e espero que você não me interprete mal, mas eu sinto mais forte quando estou com você - e me deu um meio sorriso constrangido.
- Eu disse a mesma coisa para o meu avô - sequei os olhos com as costas das mãos. - Que me sinto protegida ao seu lado. Me sinto segura.
- Seu avô? - suas sobrancelhas se uniram, a mão que subia por minhas costas congelou. - Ele morreu antes de nos conhecermos.
- Ah, foi num sonho - desviei os olhos, fingindo estar absorta nos botões de sua camisa.
- Você fala com ele em sonhos? - ele quis saber.
Assenti.
- E fala sobre mim? - ele insistiu, e a surpresa em sua voz me fez sorrir.
- Você se tornou uma parte bem grande da minha vida - admiti.
Joe riu, me obrigando a olhar para ele.
- Que foi?
- Nada - ele disse, acariciando meus cabelos. - Você é um poço de mistérios pra mim. Eu nunca sei o que esperar. Às vezes você é tão doce e delicada quanto agora, em outras tantas esmurra advogados e dá uma chave de braço numa colega de trabalho. Quem é você?
- Não sei bem. Acho que não descobri ainda.
- Você não é igual a ninguém que eu conheço. - Seu polegar deslizou pela lateral de meu rosto, até alcançar meu queixo. - É como se cada pouco que descubro sobre você me fizesse querer saber mais, ver mais, entender mais. É enlouquecedor! - ele sacudiu a cabeça.
- Não sei se isso foi um elogio...
- Estou falando sério, Demetria. Eu... eu estou encantado com a mulher que descobri em você.
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Vocês foram rápidas, então ta aí mais um, se comentarem mais posto outro, vamos fazer assim tenho 5 capítulos dependendo do numero de comentários vou postando esses capítulos pra vocês, que tal é como uma mini maratona.      

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