Com um suspiro, eu o
libertei, me afastando. Levei um minuto inteiro para conseguir voltar a
respirar. Joe parecia sofrer do mesmo mal que eu.
- Errrr... O que foi... hã...
o que acabou de acontecer aqui? — ele indagou, um pouco sem ar.
- Você não me deixou falar.
Decidi te fazer calar a boca com um pouco de persuasão.
- Um pouco de persuasão...
- ele balbuciou, os olhos escuros e famintos.
Engoli em seco.
- Eu adorei o carro, Joe. É
lindo! A cor é perfeita, mas não posto aceitar - murmurei, aumentando a
distância entre nós.
- Por
que não? - ele me encarava, ainda aturdido. O rosto e os olhos ainda continham
aquela ponta de ferocidade
- Porque não é certo.
-Desde quando eu tinha começado a agir como uma idiota? Joe estava me
transformando numa garota certinha e íntegra, que inferno! - Isso é muito
diferente de um vestido.
- Mas eu comprei pra você!
Comprei pensando em você, Demetria - disse ele com a voz intensa, dando dois
passos para se aproximar - Não preciso de outro carro. Quero que você aceite. É
importante que aceite. Não gosto de te ver dependendo da bondade de seus amigos
e tendo que implorar ajuda. Nem mesmo a minha.
- Essa foi a coisa mais
gentil que alguém já me disse, Joe. Agradeço sua preocupação, mas ainda não
posso aceitar. Seu salário não é tão alto assim para sair comprando carros por
aí.
Pela mudança em seu rosto,
percebi que eu dissera a coisa errada.
- Ganho o suficiente para
comprar um carro para a minha mulher - ele respondeu com os dentes trincados,
ofendido.
Um arrepio delicioso
percorreu minha coluna. Era a primeira vez que ele se referia a mim como sua
mulher, querendo dizer exatamente isso. Por isso doeu tanto dizer:
- Eu não sou sua mulher.
Não de verdade.
Ele ergueu a mão, tocou
meus cabelos, deslizou os dedos por meu pescoço e os prendeu em minha nuca. Sua
testa estava levemente franzida. Ele parecia muito concentrado em algo.
- Não é - murmurou. - Mas,
por favor, aceite.
- Não posso - sacudi a
cabeça e fechei os olhos. - Você poderia usar a grana que gastou no carro para
comprar qualquer outra coisa que quisesse.
- Sim, e o que eu quero é
te dar esse carro. Sei o que estou fazendo - sua outra mão se prendeu em minha
cintura. Abri os olhos imediatamente - Aceita, Demetria! Me deixa cuidar de
você.
Oh, Deus! Como eu poderia
dizer não, quando ele me pedia daquele jeito tão doce? Mas eu não podia aceitar
que ele gastasse tanto dinheiro comigo quando já tinha responsabilidade demais
em suas costas. Eu não queria ser um peso em sua vida, porém não queria
magoá-lo...
Eu ainda deliberava quando
ele sacudiu a cabeça. Algo em seus olhos mudou.
- Que
tal um acordo? - sugeriu.
- Outro? - O primeiro já me
causava uma dor de cabeça do caramba!
- Aceite esse carro como um
empréstimo. Quando o nosso casamento terminar, você pode me devolver.
- Só um empréstimo? - Isso
mudava tudo.
- Sim, apenas um
empréstimo. Quando tudo acabar... - ele sacudiu a cabeça outra vez. - Um
empréstimo.
- Acho que posso aceitar um
empréstimo - toquei seu pulso, aquele ainda segurava minha nuca. - Eu não ia me
sentir bem de outra forma, Joe. Se a gente fosse mesmo casado, seria diferente.
Mas diante dessa situação toda... não quero que você tenha a impressão de que estou
me aproveitando de você.
- Eu jamais pensaria isso -
ele respondeu, solene.
- Nós nos encaramos por uma
eternidade; suas mãos permaneceram imóveis, uma delas em minha nuca, a outra em
minha cintura. A tensão entre nós era tão grande que o ar se tornou pesado,
denso, quase uma presença física ao nosso redor. A forma como Joe me fitava era
inebriante. Ele queria me beijar, eu tinha certeza disso. Podia jurar que meu
coração não era o único ali batendo descompassado contra as costelas, mas,
assim como eu sabia que ele queria se render, também reconhecia a batalha que
travava consigo mesmo, e mais uma vez seu desejo por mim perdera a luta. Ele me
soltou, fechando os olhos e exalando um longo suspiro pesaroso.
- Não quer experimentar? -
indicou o carro com a cabeça.
- Só se for agora - tentei
sorrir, sentindo que acabara de perder algo extraordinário. Recompondo-me, dei
a volta e abri a porta do carro, então deslizei os dedos sobre o painel e o
volante. Era lindo. - Você não vem? - chamei, já que ele permanecera plantado
em frente ao veículo.
Ele assentiu, ainda sério
demais.
Dediquei alguns momentos
para conhecer o carro, abrindo e fechando cada compartimento e apertando cada
botão que pude encontrar. Liguei o som. Joe alcançou um CD com uma fita
vermelha no porta-luvas e me entregou.
- Sério? Isso eu não vou
devolver! - brinquei.
- Você disse que gostava da
música, então... - ele deu de ombros. - Eu adoro! Obrigada, Joe! - e me
estiquei um pouquinho, até que meus lábios tocaram sua bochecha.
Ele
sorriu, um pouco constrangido, e desviou os olhos.
Demorei horrores para
conseguir tirar aquele plástico infernal e abrir caixinha, para poder liberar o
incrível e mais novo cd do Eminem.
- Não é tão ruim depois que
a gente se acostuma... - comenta Joe, passando o cinto de segurança pelo ombro
quando a música preencheu a estrutura metálica.
Dei partida. O motor não
era potente, mas rugiu quando exigi com o acelerador. Joe pareceu contente ao
me ver atrás do volante.
- Delícia de carro! -
exclamei, sinceramente.
- O mais importante é que é
muito econômico - ele apontou.
- Muito importante mesmo! -
ri.
Entrei na rua lotada de
carros com as células vibrando. Eu não dirigia fazia semanas. Meu carro -
emprestado - deslizava como uma serpente sobre o asfalto irregular.
- Quando você comprou esse
carro? - perguntei curiosa, ligando a seta e fazendo a curva bem fechada. O
pneu gritou.
- Não precisa ir tão
rápido! - ele segurou a alça presa ao teto. - Comprei o carro ontem, depois que
te deixei no café com a Selena.
- Logo depois que você
soube do aumento de salário - finalmente entendi, acelerando um pouco mais.
- Agora você me pegou - ele
sorriu como quem se desculpa, mas na verdade não senti remorso algum. - Eu
disse que sempre consigo o que quero. - Eu me perguntei por que ele não me
incluía logo em sua lista de desejos.
Sem querer - bom, mais ou
menos -, acabei na estrada que levava ao mirante da cidade, Joe não disse nada
enquanto subíamos pela estrada sinuosa, mas parecia preocupado com a velocidade
que eu impunha ao carro. Parei um pouco afastado de outro veículo que já estava
ali, com os vidros embaçados. Desliguei o farol e as luzes da cidade se
derramaram lá embaixo, como uma tela de Monet. - Uau!
- Lindo! - Joe concordou.
- Você fala como se nunca
tivesse vindo aqui antes.
As
luzes salpicadas sobre a superfície a nossos pés eram tão luminosas quanto
estrelas cadentes. Era difícil desgrudar os olhos, mas eu tinha Joe ao meu
lado, com o olhar perdido, os cabelos ligeiramente despenteados pelo vento que
entrava pela janela, o queixo duro, a mão cerrada em punho sobre a perna, os
tendões aparentes sob a pele ligeiramente bronzeada. Era como admirar uma obra
de Bernini.
- E nunca vim. Essa é a
primeira vez- ele disse sério. Seu rosto, parcialmente escurecido pelas
sombras, ficou ainda mais lindo. - Eu soube desse lugar quando estava na
faculdade. A galera vinha muito aqui.
- Você realmente precisa
sair mais, Joe - zombei.
- E você com certeza já
esteve aqui diversas vezes - ele insinuou.
- Não. É a minha primeira
vez também. Então foi aqui que você me pediu em casamento?
- Foi - ele murmurou
constrangido, desviando os olhos para o cobertor de estrelas à nossa frente. -
Não sou muito criativo. Foi o que consegui pensar na hora, com a Blanda te
enchendo de perguntas.
- Eu achei bastante
criativo. Muito romântico. Teria sido difícil dizer não a um pedido como
aquele.
- Teria? - finalmente ele
voltou aqueles olhos incrivelmente brilhantes para o meu rosto.
- Praticamente impossível -
sussurrei.
Nossos olhares se prenderam
por muito tempo, minha respiração acelerou e de repente eu queria
desesperadamente que ele me conhecesse. Que me conhecesse de verdade, aquela
garota que nem eu mesma conhecia muito bem.
- Quer me contar o que
aconteceu hoje na casa do seu avô? - ele perguntou. Sua voz baixa e grave
reverberou pelo interior do carro.
- Não quero falar sobre
isso. Não aqui, onde há tanta tranquilidade - murmurei. Por que tudo era tão
complicado?
- Sua vida tem sido meio
turbulenta, não é? - ele perguntou, depois de um instante de silêncio. - Já
tive dias melhores. Já tive dias piores. Acho que tá na média.
- Se te anima, comprei
inseticida para o seu quarto.
Sorri tristemente. Agora eu
teria que suportar o cheiro do inseticida, ou dizer que minha barata imaginária
já havia se mudado.
Até
que ponto eu iria? Me perguntei. Até onde iria para fazer com que Joe me
notasse? Eu não sabia, mas duvidava que fosse desistir tão cedo.
O que eu sentia por ele era
algo novo, confuso, e eu sabia que era precioso e delicado. Talvez vovô tivesse
razão e eu devesse contar a ele tudo que estava acontecendo. Dizer a temível
verdade. Só que a...
- Você já mentiu, Joe?
Sua testa franziu.
- Pra você?
- De um modo geral. Você já
mentiu pra alguém que amava e depois ficou com medo de contar a verdade,
temendo perder a pessoa?
Ele refletiu por um
momento.
- Já- disse por fim.
- E o que você fez para
consertar as coisas?
- Eu... - ele se remexeu no
assento, pouco à vontade. - Por que você está me perguntando isso? Está com
problemas?
- Só responde, por favor -
gemi, encostando a cabeça no assento.
- Eu não fiz nada. deixei
como estava. Não sei se ela ia entender meus motivos e... Eu nunca quis magoar
essa pessoa, mas talvez ela não compreendesse meus motivos. Eu não disse a
verdade pra ela - ele baixou a cabeça parecendo mortificado.
- Eu sei como é - deslizei
os dedos pelo volante. - Eu também nunca quis magoar ninguém, mas acabei
magoando. Vou magoar, se disser a verdade.
Ele levantou os olhos,
cristalinos e incandescentes, estudando-me. Seu rosto estava sério e os lábios
firmemente pressionados um contra o outro.
- Essa pessoa é importante
pra você?
- Muito - eu disse.
Joe levantou a mão,
acariciou a lateral de meu rosto, e só então me dei conta de que secava uma
lágrima traiçoeira.
- Se
isso te machuca tanto, você devia contar tudo - sussurrou. - Essa pessoa vai
entender, tenho certeza.
- Mas e se não entender? E
se achar que fui desleal e me expulsar de sua vida?
- Então ela não merecia sua
afeição - ele sorriu um pouco.
Respirei fundo, tomando
coragem.
- Você acha que isso vai
terminar bem?
- Isso o q... Ah, nosso
acordo? - ele perguntou. Assenti. Ele continuou: - Acho sim.
- Andei pensando... E se...
de repente... alguém descobrisse sobre o nosso trato? O que ia acontecer?
- Bom, com certeza você não
ia receber a sua herança - ele comentou, sorrindo.
- Estou falando sério, Joe.
E quanto a você? O que ia acontecer com a sua carreira se soubessem que você
casou comigo para me ajudar a burlar o testamento? Ele suspirou.
- Imagino que eu ia ficar
marcado. Por um tempo, pelo menos. Com certeza seria demitido - disse
casualmente, como se não soubesse que o risco era real. E não sabia mesmo. Eu
ainda não tinha contado nada a ele. - Não iam querer alguém que tentou quebrar
as regras negociando os contratos internacionais da empresa. E... acho que só
isso. O que mais poderiam fazer? - ele deu de ombros. Quase não pude respirar.
- Ah, Joe. Eu queria ter
conhecido você assim antes de termos feito o que fizemos - lamentei. Se eu
tivesse conhecido aquele Joe, gentil, carinhoso, generoso, jamais teria seguido
adiante com meu plano. Pelo menos eu gostava de pensar que não.
- Se arrependeu de casar
comigo? - ele indagou, com a voz baixa e levemente rouca.
- Muito - respondi
sinceramente.
Ele tentou esconder a
decepção, mas foi incapaz.
- Eu sempre fui meio
inconsequente - me apressei. Odiava ver aquela expressão obscura em sua face. -
Mas nunca prejudiquei ninguém. Eu aprontei muito, fiz um bocado de coisa
errada, o vovô ficava furioso comigo, mas a única prejudicada pelos meus atos
sempre era eu. Essa é a primeira vez que vou prejudicar uma vida que não é
minha.
Entendendo meu argumento,
seu rosto relaxou um pouco.
- Era
isso que você estava querendo dizer? Está preocupada com o que pode acontecer
comigo?
Assenti e um soluço escapou
de minha garganta.
- Ah, Demetria - ele passou
os braços ao me redor, afundando meu rosto em seu peito, os dedos presos em
meus cabelos, descendo por minhas costas. - Você não vai estragar nada. Eu me
coloquei nessa situação. Foi minha escolha. E tenha um pouco de fé em nós dois.
Vai dar tudo certo.
- Vai? - perguntei,
erguendo o rosto, encarando-o.
- Claro que vai. - Ele
beijou minha testa, em seguida afastou o cabelo que teimava em cair em meus
olhos. - Você e eu... Não sei como dizer isso sem soar piegas, e espero que
você não me interprete mal, mas eu sinto mais forte quando estou com você - e me
deu um meio sorriso constrangido.
- Eu disse a mesma coisa
para o meu avô - sequei os olhos com as costas das mãos. - Que me sinto
protegida ao seu lado. Me sinto segura.
- Seu avô? - suas
sobrancelhas se uniram, a mão que subia por minhas costas congelou. - Ele
morreu antes de nos conhecermos.
- Ah, foi num sonho -
desviei os olhos, fingindo estar absorta nos botões de sua camisa.
- Você fala com ele em
sonhos? - ele quis saber.
Assenti.
- E fala sobre mim? - ele
insistiu, e a surpresa em sua voz me fez sorrir.
- Você se tornou uma parte
bem grande da minha vida - admiti.
Joe riu, me obrigando a
olhar para ele.
- Que foi?
- Nada - ele disse,
acariciando meus cabelos. - Você é um poço de mistérios pra mim. Eu nunca sei o
que esperar. Às vezes você é tão doce e delicada quanto agora, em outras tantas
esmurra advogados e dá uma chave de braço numa colega de trabalho. Quem é você?
- Não sei bem. Acho que não
descobri ainda.
- Você
não é igual a ninguém que eu conheço. - Seu polegar deslizou pela lateral de
meu rosto, até alcançar meu queixo. - É como se cada pouco que descubro sobre
você me fizesse querer saber mais, ver mais, entender mais. É enlouquecedor! -
ele sacudiu a cabeça.
- Não sei se isso foi um
elogio...
- Estou falando sério,
Demetria. Eu... eu estou encantado com a mulher que descobri em você.
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Vocês foram rápidas, então ta aí mais um, se comentarem mais posto outro, vamos fazer assim tenho 5 capítulos dependendo do numero de comentários vou postando esses capítulos pra vocês, que tal é como uma mini maratona.
Chorando rios aqui, eles meio q se declarando um pelo outro ahhh lindo posta logo
ResponderExcluirposta logo
ResponderExcluirPosta logo... Amando isso preciso de mais capitulos
ResponderExcluirnossaaaaaaaaaa, posta!
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