sábado, 11 de maio de 2013

CAPÍTULO 42 MARATONA


- Sel, aconteceu uma catástrofe! - chorei ao telefone.
- Ah, não! O que foi? Você está bem? Claro que não está bem, que pergunta imbecil! Você está ferida? O que aconteceu? Fala, criatura! - cuspiu ela, sem parar para respirar.
- Me apaixonei por meu marido! - gemi.
- Ah, isso... - ela exclamou, pouco surpresa. - Onde você está?
- Em casa. Acho que o Joe foi correr. Ainda não vi ele hoje.
- Estou indo pra aí - ela desligou.
Enquanto Selena não chegava, preparei um queijo frio - eu não aguentava mais queijo quente, a única refeição que era capaz de preparar sozinha - e um cappuccino daqueles de sachê, com gosto de meia suja. Repassei na cabeça a noite anterior, do momento em que fui para cama após Joe e eu brindarmos à sua não promoção até o instante em que sonhei com meu avô. Joe aceitara tudo muito bem, o que me fazia pensar que talvez ele reagisse da mesma forma quando soubesse o real motivo de Jeferson ter ficado com a vaga no Comex. Mas então uma vozinha irritante gritava em minha cabeça: Ah, tá! Até parece!, de modo que deixei tudo como estava.
Sel apareceu com sacolas cheias de chocolate, sorvete e uma revista de moda ainda no plástico.
- Eu sei, muitas calorias. Mas achei que fosse uma emergência - explicou, derrubando tudo sobre a pequena mesa de centro da sala e me abraçando com ternura.
-E é uma emergência - resmunguei em seu ombro. - Como fui deixar isso acontecer, Sel? Como pude ser tão burra? Me apaixonar pelo Joe? Isso é ridículo! Vai além do ridículo. Vão ter que inventar uma palavra nova para definir alguém tão estúpida quanto eu.
Ela se afastou, mas manteve os dedos fincados em meu ombro.
- Você ama o Joe, tipo ama mesmo, ou só acha que ama? - perguntou.
- Selena!
- Tô falando sério, Demi. Muita gente acha que ama alguém, mas não ama de verdade. É apenas carinho, ou às vezes só tesão mesmo. Me conta o que você sente por ele. De verdade dessa vez - apenas uma sobrancelha se arqueou.
Suspirei, me jogando no sofá. Ela se sentou ao meu lado e me entregou uma barra de chocolate.
- Eu não sei o que sinto. É como se eu sentisse tudo ao mesmo tempo. - Abri a embalagem e dei uma dentada. - Eu quero tocar o Joe, quero que ele me toque, adoro ouvir o que ele tem a dizer, amo a forma como a boca dele se enverga num sorriso tímido. Adoro como ele formula as frases, todo sério, mas dá pra ver uma pontinha de escárnio ali. Ele é tão gentil e cortês, e me defende quando acha que eu preciso...
- Pensei que você detestasse ser protegida - ela pegou um pedaço do chocolate e mastigou.
- E detesto! Mas com ele é diferente. Eu me sinto... Indefesa perto dele, e adoro isso. Ele acaba com todas as barreiras que eu crio.
- Humm... Me responde uma coisa. - Ela lambeu os dedos sujos de chocolate. - O que mais te irrita no Joe?
Suspirei.
- Quase tudo.
- Mas você acabou de dizer que adora um monte de coisas nele.
Afundei a cabeça no encosto do sofá.
- Eu sei! Eu odeio muitas coisas no Joe, mas até essas eu amo. Eu sou ridícula!
- Uau! - ela sorriu enormemente, com um brilho extasiado nos olhos amendoados. - Isso é mais sério do que eu pensava. O que você vai fazer agora?
- Como assim, o que vou fazer? - levantei a cabeça.
- Vai contar pra ele?
- Tá maluca? De jeito nenhum! Vou arrumar uma forma de me desapaixonar, isso sim. Eu não posso amar meu marido. Além de ser ridículo, vai complicar tudo quando o nosso acordo terminar e ele sair da minha vida.
- Ele pode se apaixonar por você - ela cantarolou.
- Não, Sel. Não pode. O Joe gosta de mim, mas como amiga. Eu conheço ele bem agora. Ele jamais amaria uma mulher que não admirasse. E tenho certeza que ele não me admira o bastante para querer se envolver comigo dessa maneira. Ainda mais depois da noite de ontem. Quando ele souber que não foi promovido por causa de uma interferência minha, ainda que indiretamente, vai me odiar. Eu sei que vai. - Fiz um breve relato do que acontecera no jantar da noite anterior. - Entende agora? O Joe nunca vai me perdoar nem se interessar por mim.
- Ah, Demi. Não fala assim, como se não tivesse nada em você que atraísse o Joe. Eu já notei. Aquele dia na pista de dança, eu vi como ele ficou atormentado depois que você deu um agarrão nele. Você também deve ter notado. Usa isso a seu favor.
Meu queixo caiu.
- Você está sugerindo que eu...
- Exatamente - ela sorriu, maliciosa. - Você mora com ele, não é difícil criar o clima certo e encontrar a hora perfeita, a lingerie perfeita...
Imediatamente, imagens de Joe e eu rindo, cúmplices, na cama inundaram minha cabeça. Mas eu não podia me deixar levar pela imaginação. Não dessa vez.
- Não. Não! Nem pensar. Eu não vou jogar tão baixo. Nem a pau! Eu não quero o Joe só por uma noite, Sel. Porque seria só uma noite para ele. Eu quero que ele me ame... - Então pensei melhor. - Não! O que eu quero é deixar de amar o Joe!
- E por que você não tenta fazer com que ele te ame? Talvez sondar o território, ver se ele corresponde de alguma forma ou...
A porta se abriu. Joe apareceu com toda aquela altura, o corpo glorioso molhado de suor, os cabelos ensopados e a camiseta branca com grandes manchas úmidas deliciosamente posicionadas sobre os músculos do peito definido e rígido, encharcando a sala de testosterona.
- Selena! Como vai? - ele cumprimentou com um sorriso, tirando do ouvido os fones do MP3.
- Bem, Joe. A Demi me ligou, espero que não esteja atrapalhando.
- Claro que não. Fique à vontade. Vou tomar uma ducha e ficar apresentável - ele sorriu para ela. No caminho para o banheiro, brincou levemente com meus cabelos. - Bom dia, Demetria.
- Bom dia - murmurei com o rosto quente.
Sel esperou que a porta do banheiro se fechasse para pular no sofá.
- Ele brincou com seu cabelo!
- Ele faria o mesmo com um chihuahua. Você tinha razão. Eu cometi um erro enorme ao colocar aquele anúncio. Foi uma tremenda burrada.
Ela meditou sobre o assunto e subitamente seu humor mudou.
- Quer saber? Você está sob muita pressão - falou. - Vamos sair um pouco. Que tal darmos uma passada no antiquário?
- Pensei que você não quisesse mais nada com o Nicholas- respondi, surpresa.
- E não quero. - Então ela sorriu, envergonhada. - Quer dizer, não muito.
Sorri.
- Vou pegar minha bolsa. - Bati na porta do banheiro. - Joe, vou sair.
- Divirta-se - gritou ele sob o ruído de água caindo.
Fomos no carro de Sel. Eu detestava ficar sem carro e, a julgar por meu salário, ainda teria muito tempo antes de poder sequer pensar em comprar um. Talvez eu devesse dar uma olhada no preço das motos. Não uma Ducati, claro, mas qualquer coisa que me livrasse do transporte público serviria.
A galeria Renoir estava aberta, mas, como de costume, deserta. Nicholas me recebeu com um abraço desajeitado.
- Só porque casou esqueceu que tem amigo?
- Na verdade, é o trabalho que está me matando, Nicholas- reclamei. - Olha só meus dedos!
Ele examinou minhas unhas estragadas pela copiadora e sorriu.
- Eis a prova do crime. Demetria finalmente é uma trabalhadora - zombou e se voltou com o rosto apreensivo para minha amiga. - Oi, Selena. Tudo bem?
- Oi - ela sorriu timidamente - Você não me ligou mais.
- Você pediu que eu não ligasse - ele respondeu, confuso.
- Eu sei, mas... Sei lá... - ela desviou os olhos, brincando com o babado da blusa - Você podia ter tentado me fazer mudar de ideia. Sobre muitas coisas.
Os olhos de Nicholas se arregalaram.
- Podia? - ele perguntou surpreso, a voz levemente estrangulada.
- Podia - ela deu de ombros e sorriu timidamente.
Revirei os olhos e me afastei para lhes dar mais espaço. Sel era ótima para dar palpites sobre a vida amorosa dos outros. Uma pena que, quando se tratava da sua, ela não soubesse o que fazer.
Corri os dedos sobre a superfície de uma mesa de estilo Luís XV enquanto seguia até a seção de prataria. Parei perto da porta, examinando o legitimo candelabro de prata francês da Renascença, a peça mais bonita da loja, quando notei o cartaz colado na vitrine.
- Nick, vocês estão contratando?
- Só para os fins de semana. Vou ter que fechar a loja se não encontrar alguém. Tenho que acabar meu curso de mergulho - ele explicou.
- Qual é o horário?
- Sábado em horário comercial e domingo até meio-dia.
- Salário? - eu quis saber
- Como tem adicional de hora extra, acaba sendo até razoável.
Aquilo seria perfeito. Grana extra e menos tempo com Joe. Tudo de que eu precisava!
- Tudo bem, eu aceiro - sorri para ele.
Nicholas pareceu confuso.
- Eu quero o emprego - expliquei.
- Você... Quer? - Sel me examinou cuidadosamente.
- Um pouco mais de grana viria bem a calhar, Sel. Talvez eu consiga guardar um pouco para comprar uma moto, e além disso eu ficaria fora o fim de semana todo. Evitaria certo problema - arqueei as sobrancelhas sugestivamente.
Ela cruzou os braços sobre o peito. Seu rosto era a máscara da reprovação.
- Não acredito que você vai fugir. Você não é disso!
- Não vou fugir. Só vou resolver essa confusão. E eu gosto daqui. Gosto dos malucos que às vezes aparecem por aqui.
- Ei! - resmungou Nick.
- Ah, Nick, qual é? Só entra doido aqui, admita - brinquei.
- Escuta, Demetria - começou ele, cauteloso. - Eu gostaria de te dar o emprego, mas preciso de alguém... Responsável, que abra o antiquário e não durma nas poltronas que estão à venda.
- Eu mudei. - Ele fez uma careta. Apressei-me a persuadi-lo. - É sério! Eu não vou dormir nas poltronas nem vou me atrasar. Prometo dar o melhor de mim. Eu já conheço a loja, sei como tudo funciona. Você não vai precisar perder tempo explicando nada pra mim.
- Dá uma chance pra ela, Nicholas- Sel pediu com a voz melosa. - Você mesmo admitiu que vendia muito mais quando Demi estava aqui.
- Porque ela inventava histórias malucas e enganava os clientes - apontou ele.
- Mas não é isso que um empregador espera? Que o funcionário dê o melhor de si e consiga conquistar os clientes? - ela questionou.
- Bom... É, mas...
- Por que você não faz um teste? - sugeriu Sel. Vamos deixar a Demi aqui por um tempo e ver como ela se sai. A gente podia tomar um café ali na esquina enquanto isso ou...
- Tudo bem! - ele a interrompeu apressadamente e a arrastou pela mão. Ela se virou com o polegar erguido e piscou um dos olhos antes de passar pela porta.
- Obrigada! - sibilei. 
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