sábado, 11 de maio de 2013

CAPÍTULO 43 MARATONA




Nem um único cliente entrou no antiquário, como de costume. As horas se passavam e nada acontecia. Comecei a me sentir entediada. Sentei no sofá e alcancei uma revista velha. De repente, o tédio ameaçou me vencer. Larguei a revista e repassei mentalmente cada cena, cada conversa com Joe, desde que tínhamos nos conhecido, tentando entender em que ponto dessa história eu passara a amá-lo.
- Você não contou nada a ele - disse vô Marcus, vindo do nada, me fazendo pular do sofá no qual acabara de me refestelar. Quase derrubei o vaso de cristal na mesa ao lado.
- Caramba! - gritei, colocando a mão sobre o coração, que teimava em querer sair pela boca. - Você quase me matou de susto! Não dá pra fazer barulho ou algo assim antes de aparecer do nada?
Ele sorriu
- Desculpa. Vou me lembrar da próxima vez. - Mas voltou a ficar sério quando disse: - Você não contou nada para o Joe.
Virei-me de costas, fingindo apreciar o vaso de cristal.
- Ah, eu... Hã... Não tive oportunidade ainda...
- Não minta, Demetria - ele suspirou.
Gemi baixinho, me virando e abaixando os olhos para meus pés.
- Não contei porque não queria... Que o Joe me odiasse.
O silencio absoluto me fez erguer a cabeça para ter certeza de que vô Marcus não havia sumido. Seus olhos me examinavam atentamente.
- Senta aqui, querida - ele pediu, sentando-se na ponta do sofá em que eu estava menos de dois minutos antes. - Eu conheço você melhor do que qualquer pessoa. Sei quando está mentindo. O que está acontecendo?
- Eu... Gosto dele, vovô. Não quero que o Joe me odeie. E ele vai me odiar se souber que o Clóvis escolheu o Jeferson só pra se vingar. Que ele perdera tão sonhada promoção porque tentou me proteger da tirania do Clóvis. Não estou mentindo. É sério.
- O Joe nunca odiaria você - ele disse numa voz mais alegre
- Você não sabe como ele queria essa promoção. - Ou talvez soubesse. Ele estava morto, talvez tivesse acesso a esse tipo de informação. - Até se casou comigo para aumentar as chances de promoção. E olha que ele me detestava! Por culpa minha, ele não teve a chance que merecia. O Clóvis estragou tudo.
- Querida, eu sei que dizer a verdade pode ser difícil, mas é preciso, se você realmente espera criar laços mais profundos com seu marido. Talvez ele fique zangado, talvez não. Mas ele tem o direito de saber a verdade. E não lhe dar a chance de saber a verdade... Isso certamente vai fazer com que ele fique furioso.
Pensa bem, Demetria. Vocês dois têm um longo caminho pela frente. Depende de você como as coisas vão se desenrolar.
- Vovô, o problema é que... Bem... Digamos que eu... Sem querer... Meio que... hã...
- Sim, eu sei. Você ama o Joe - ele disse simplesmente.
Assenti, com o rosto em chamas. Acontecia toda vez que vovô tentava arrancar de mim algo sobre assuntos do coração. Até eu tinha alguns limites.
- Eu sei que você o ama. Provavelmente sabia até antes de você se dar conta. Estou muito feliz com isso. Você não podia ter escolhido um homem mais digno que o Joe.
- Mas esse é o problema. O Joe nunca vai me ver como uma possível... Namorada. Temos um acordo e ele vai fazer exatamente o que combinamos. - Nada de intimidades.
- E você não o admira por isso? - suas grossas sobrancelhas se arquearam.
- Bom, seria mais fácil se ele fosse mais maleável. Por isso vou tirar o Joe da cabeça. Eu preciso fazer isso. Ele nunca vai me ver como eu gostaria.
Vô Marcus assentiu e sorriu.
- Não é preciso ter olhos abertos para ver o sol, nem é preciso ter ouvidos afiados para ouvir o trovão. Para ser vitorioso, você precisa ver o que não está visível.
- O quê?
- Sun Tzu - ele sorriu.
Suspirei, sorrindo um pouco.
- Sinto tanta saudade, vovô.
- Eu sei. Eu vejo - ele pousou a mão sobre a minha. Eu não sentia o calor de suas mãos, sempre tão macias. Sentia apenas uma leve dormência nas costas das mãos, onde ele tocava. Era bom. - Eu sei que você está se sentindo sozinha, mas juro que você não esta. Você tem amigos que te amam de verdade. E eu estou aqui. Você nunca estará sozinha.
- Demetria! - alguém berrou.
Sacudi a cabeça, piscando. Deparei-me com Nicholas me olhando de cima, muito irritado. Sel estava um pouco atrás, mordendo o lábio inferior. Meu avô não estava em parte alguma.
- Não vai dormir na loja, não é? - ele acusou.
- Nick! - saltei do sofá. Eu dormi? Oh, merda! - Não sei o que aconteceu. Eu juro que estava acordada. - Eu estava acordada! Tinha certeza disso. Até meu avô aparecer. - eu... Hã... Dormi mal essa noite, acordei toda torta e acho que... Me desculpa! Não vai se repetir. De verdade. Vou trazer café pra me manter desperta. Uma jarra bem grande!
Sel veio em meu auxílio.
- Nick, a Demi anda passando por muitos problemas. A pobrezinha não tem dormido direito. Ela está tentando se adaptar à nova vida, mas é difícil. Tenta se colocar no lugar dela. Ter tudo e, de uma hora pra outra, não ter mais nada. Estranhos morarem na sua casa, se metendo na sua vida. Depender da carona dos amigos. - Seus olhos se tornaram muito grandes, expressivos e brilhantes. - Já pensou perder todo mundo que você ama, Nick? Já pensou como seria solitário? Não seria bacana se um amigo lhe estendesse a mão numa hora dessas?
Ele a observava atentamente, e ficou claro como a atuação da minha amiga o balançou. Por um segundo, cheguei a pensar que ele cairia no choro. Sel era muito persuasiva!
- Posso ficar com a vaga? - perguntei, ansiosa.
- Tudo bem - ele suspirou, sacudindo a cabeça. - A vaga é sua. Comece no próximo sábado. Mas eu te juro que, se você pisar na bola outra vez, te demito na mesma hora - ele disse, tentando usar seu tom mais ameaçador e não obtendo sucesso. - Não faça eu me arrepender.
- Prometo - lhe dei um abraço. Ele retribui, meio sem jeito.
- Tem alguma flor natural aqui? - Sel quis saber, fungando o nariz, procurando em volta. - Não que eu saiba - Nicholas respondeu e me encarou. - Tem?
Sacudi a cabeça. Mas Sel tinha razão. Havia algo meio doce no ar. O mesmo cheiro que permeava meus sonhos na noite anterior. O que me fez pensar na conversa que estivera com meu avô ainda há pouco. Não importava que fosse um sonho, um delírio, aquele seria exatamente o tipo de conselho que meu avô me daria.
- Que estranho. - Ela deu de ombros. - Acho que foi só impressão.
- Então, como foi o café?- perguntei. - Se acertaram?
Nicholas corou.
- A gente só conversou, Demetria - murmurou na defensiva.
- Ah Nick- Sel disse com um sorriso. - A Demi é minha melhor amiga. Não tem a menor chance de eu não contar tudo pra ela. - E se voltou pra mim. - Na verdade, foi ótimo. A gente conversou bastante e não estava funcionando. Daí, quando eu achei que tudo ia ficar como estava, que ele não ia ceder, o Nicholas me beijou, e foi um daqueles beijos que...
- Olha só, isso é constrangedor demais - ele a cortou, completamente sem jeito. - Será que vocês podem falar disso quando eu estiver longe?
Tipo, bem longe?
Sel riu.
- Tudo bem. Posso esperar um pouquinho mais - avisou, sedutora. - Se você me der um bom motivo pra isso.
Entendendo a deixa, eu disse:
- Bom, vou indo. Preciso ir ao supermercado. Te espero lá fora, Sel. Tchau Nick. E obrigada de novo. - Mas ele já perdera o foco e não conseguia parar de olhar para Selena.
Eu ri e fui esperar na calçada. Não resisti a dar uma espiada lá dentro através da grande vidraça. Eles estavam abraçados, os braços de Sel ao redor do pescoço dele, as mãos de Nicholas na cintura dela, as testas coladas. Ele dizia alguma coisa, ou talvez cantasse, já que eles meio que dançavam, meio que giravam no lugar. Ela sorria de olhos fechados.
Sorri também, desviando o olhar.
Alguns minutos depois ela estava ao meu lado, o rosto brilhante, com um sorriso indescritivelmente feliz. Fiquei olhando pra ela, sorrindo feito uma besta.
- O quê? - ela perguntou.
- Cheio de manias, metódico, criança de vinte e cinco anos. Humm... - comentei, enquanto andávamos em direção ao carro. - Acho que ouvi isso em algum lugar...
- Eu sei. Mas fazer o quê? - ela deu de ombros. - Acho que senti falta disso tudo. Ele... Ele me faz suar frio, Demi... De um jeito bom.
Passei o braço ao redor de seus ombros.
- Quer dizer que eu não sou a única pateta que se apaixonou aqui, sou?
- Não sei se eu diria que é paixão... - Olhei feio para ela. - Tá bom! Você não é a única. Mas o que você vai fazer no supermercado?
- Preciso comprar vinho. Não tenho grana pra comprar um bom vinho na adega. Acho que dá pra encontrar alguma coisa boa no supermercado, não dá? - eu quis saber quando entramos no carro.

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