– Vamos deixar o seu quarto
com cara de menina! – anunciou Sel, erguendo algumas sacolas logo que abri a
porta.
– Já era hora. – Mas eu não
me sentia muito animada.
– Que foi? – Ela perguntou,
fechando a porta atrás de si enquanto eu a ajudava com os sacos pesados.
– Nada, Sel – respondi,
evitando o seu olhar.
– Cadê o Joe?
– Não sei – dei de ombros,
deixando as sacolas sobre a mesa de jantar. – Ele me deixou em casa depois do
trabalho e disse que tinha que resolver uns assuntos. Nem desceu do carro.
– E por que você tá com
essa cara?
– Não faço ideia – gemi
desamparada, me jogando no sofá e afundando a cabeça nas almofadas. – Eu não
consigo parar de pensar em... bom... no Joe.
– Eu sabia! Você está
apaixonada por ele! – Ela se sentou ao meu lado, beliscando minha coxa. – Eu
sabia que isso ia acontecer. Na verdade, desconfiei desde que você me contou
que odiava o Joe.
– Espera aí, Sel – me
sentei imediatamente. – Ninguém aqui falou em paixão. Eu só... sei lá... estou
surpresa com algumas coisas. O Joe é bem diferente do que tinha imaginado. – Porque, quando ele era grosseiro (se
bem que, pensando melhor, na maioria das vezes ele apenas reagia às minhas
provocações), era fácil ignorar aquele sorriso ou o brilho em seus olhos. Mas
agora que ele estava sendo todo gentil, educado, comprando toneladas de iogurte
e chocolate pra mim, as coisas haviam mudado. Já era bem difícil refrear minha
imaginação e manter longe da cabeça as imagens dele sem camisa, gotas de água
escorrendo por seu abdome liso – ou coberto de pelos, eu não sabia ainda –, sem
que ele demonstrasse nenhum tipo de atenção.
Joe não deveria ser educado comigo. Nem
gentil. E, sobretudo, não deveria segurar meu rosto da forma como havia segurado no escritório, e seus olhos não deveriam,
jamais, em hipótese alguma, brilhar como dois sóis quando olhavam pra mim. Era
tão injusto!
– Você já disse isso – Sel
comentou. – Aconteceu algo de especial?
– Ah, nada de especial.
Fora o fato de que ele quase me beijou em pleno expediente, não aconteceu nada.
– Ele o quê?! – ela
arregalou os olhos escuros.
– Eu disse quase. Mas sabe
o que está me matando?
– Ele não ter te beijado? –
Suas sobrancelhas se arquearam.
– Não. Bom, sim, isso
também. Mas não é só isso, Sel. O que me mata é que ele não falou comigo depois
disso. Nadinha. Ficou calado o resto da tarde, e não trocamos uma única palavra
enquanto voltávamos pra casa.
– Humm... – ela colocou o
indicador na ponta do queixo. – O que você acha que aconteceu?
– Tenho certeza que ele se
deu conta do erro que quase cometeu e não quer esse tipo de intimidade comigo.
Eu também não quero. Ia complicar tudo, sabe?
– Não, não sei. Ele é seu
marido – ela apontou.
– Em teoria, é só por mais
alguns meses.
Ela revirou os olhos.
– Acorda, Demi! O Joe só
vai cair fora se você deixar. Você acha que eu não saquei o que está
acontecendo? Tá na cara que ele sente alguma coisa por você. Não sei dizer o
quê, ainda, mas ele sente, pode acreditar. O que eu quero saber é o que você
sente por ele. É só atração ou algo a mais?
– Ah, Sel, sei lá. Ele é
legal, e me sinto protegida perto dele. Ele compra pilhas de iogurte e
chocolate pra mim e sorri de um jeito que parece iluminar a sala toda, e eu...
gosto de conversar com ele. É muito estranho.
– Demi, acho que você está
encrencada – ela sorriu carinhosamente. – Muito encrencada.
Eu sabia o que aquele
sorriso e aquele brilho nos olhos de minha amiga significavam. Sel acreditava
em finais felizes. Já eu não tinha motivos para acreditar. Como poderia?
– Tudo bem, pode parar por
aí – me levantei do sofá apressada. – Não é amor. Não mesmo! O Joe é lindo,
claro. E é gentil, e o perfume dele me faz ficar imaginando coisas que não
deveria, mas é só isso. Vamos arrumar o meu quarto? – perguntei um pouco afoita
demais, o que não disfarçou minha tentativa de mudar de assunto.
– Eu trouxe tinta e um
decalque. Acho que vai ficar bacana... – ela se levantou, me seguindo até o
quarto. – Mas sabe, Demi, eu sei que você é especialista em inventar histórias,
só que dessa vez você não vai conseguir mentir pra si mesma por muito tempo.
– Não estou mentindo.
– Está sim. E o pior é que
já sabe disso, não sabe? – ela falou com doçura.
Mordi o lábio. Eu não queria discutir
com Sel, mas ela estava enganada. Completamente enganada! Claro que eu não
estava apaixonada por Joe. Era ridículo pensar que eu pudesse ser tão tola a
ponto de cair de quatro por meu marido de aluguel. Talvez eu estivesse apenas
me sentindo carente com a perda de vô Marcus e toda aquela situação nova. Eu
estava frágil. Com certeza era isso.
Sel e eu afastamos os móveis e
começamos a pintar as paredes do quarto, com cuidado para não manchar o piso.
Eu me atrapalhei um pouco com o cabo do rolo e acabei pintando um canto da
janela de alumínio de lilás. Sel aplicou delicadas rosas brancas na nova parede
cor de lavanda.
– Como está o Nick? –
perguntei, quando paramos para tomar as cervejas de Joe. Ele não havia dito
nada sobre elas, apenas sobre os hidrotônicos.
Ela suspirou.
– Bem, eu acho. Em algum
lugar por aí.
– Como é? – franzi o cenho.
– Vocês terminaram?
– O Nicholas é cheio de
regras – ela bufou. – Chega a ser irritante. Pra ver um filme no cinema, ele
tem um ritual ridículo. Fica trocando de lugar até encontrar o lugar perfeito.
Acabei perdendo o início do filme por causa disso – ela deu de ombros, mas
estava triste. – Não ia dar certo mesmo.
– Você terminou com ele
porque perdeu o início de uma porcaria de filme?
– Não. Eu terminei porque
ele é muito imaturo. Ainda mora com a irmã.
– Eu sei, mas...
– Estou cansada dessa coisa
de clandestinos. Parece que ele tem vergonha de me apresentar como namorada
para os amigos dele ou para a família.
– Foi você que pediu pra ele
não contar pra ninguém – contrapus.
– Sim, mas ele devia ter
percebido que as coisas mudaram entre a gente. É disso que estou falando. Não
tenho saco para aturar meninos de vinte e cinco anos. Não posso ficar ensinando
tudo pra ele.
– Mas vocês combinam. E
você disse que o sexo é fantástico.
– E é, mas só isso não
basta.
– Você gosta dele, Sel. Pra
caramba! – apontei o óbvio. – Não lembro de te ver tão envolvida assim antes.
Vocês se gostam!
– Mas vou deixar de gostar
– ela rebateu, teimosa. – E quem sabe eu não acabo encontrando um Joe por aí.
Um moreno lindo de olhos penetrantes para casar comigo e me levar até as
estrelas. Ai, ai...
– Selena, não começa! –
resmunguei. – Você devia ligar pra ele. Você sabe que vai acabar ligando mais
cedo ou mais tarde. Você não tá com cara de quem colocou um ponto-final nessa
história.
Ela apenas me lançou um
Hunf! debochado e mudou de assunto.
Duas horas foi o tempo que
demoramos para terminar a decoração. O lavanda suave era aconchegante, e a
faixa de rosas brancas no roda-teto deixou o quarto muito mais habitável. Um
pouco delicado demais para o meu gosto, mas eu não podia dizer à minha melhor
amiga que não queria um quarto de princesa. Ela trouxera as latas pesadas de
tinta, pagara por elas e se prontificara a me ajudar. O mínimo que eu podia
fazer era agradecer.
– Acho que falta uma
cortina – Sel, disse, enquanto admirava as novas paredes. – Pra esconder aquele
borrão que você fez.
– Quer sair amanhã depois
do trabalho pra me ajudar a escolher?
– Fechado.
Tomamos o resto da cerveja
enquanto assistíamos a uma série na TV em que um vampiro muito gostoso matava
uma garota inocente na banheira.
– Vaca de sorte – resmungou
Sel, olhando para tela.
– De muita sorte, quer
dormir aqui hoje? Você pode me ajudar a suportar aquele cheiro horroroso de
tinta.
– Não vai dar. Meu pai está
lá em casa. Ele quer falar com a minha mãe sobre a casa da praia. Ele quer
vender, ela não – Sel sacudiu a cabeça. – Preciso estar lá para que não acabe
em sangue.
Depois que ela foi embora,
decidi tomar um banho para me livrar do suor e das manchas de tinta lilás que
coloriam meus braços. Joe ainda não tinha voltado para casa. Vestida com meu
pijama de nuvenzinha e minhas pantufas, decidi ler alguma coisa na cama antes
de dormir, mas o cheiro de tinta fresca começou a me dar dor de cabeça. Fui
para sala, tentando me acomodar no sofá extremamente desconfortável. O couro
barulhento esquentava meu corpo, me fazendo grudar nele.
Sentindo-me uma intrusa,
arrisquei – já que Joe não estava ali para me impedir – conhecer o único cômodo
a que eu ainda não havia sido apresentada. Entrei sorrateiramente em seu
quarto, totalmente ciente do que estava fazendo. Surpreendi-me ao perceber que
era muito diferente do meu. Sério e bem decorado, com pilhas de CDs sobre a
cômoda e lençóis brancos e arrumados, me convidando para experimentar sua
maciez. Não havia absolutamente nada fora do lugar, e tudo era marrom,
masculino e intimidador. Parei meu tour por alguns instantes para analisar uma
fotografia na mesa de cabeceira. Uma foto de família: Joe vestindo uma beca
azul, um garoto muito parecido com ele, mas com cabelos claros, e um casal mais
velho – seu irmão e seus pais, provavelmente. Ele exibia um sorriso enorme, a
mãe olhava para ele, orgulhosa, e o pai tinha o punho erguido no gesto
universal da vitória. O irmão sorria para a câmera, exibindo aparelho nos
dentes. Todos espremidos uns nos outros. Uma família feliz. Sorri enquanto
deixava o quarto.
Voltei para o sofá da sala
e, tempos depois, acho que acabei dormindo, pois quando dei por mim a luz do
sol atravessava o tecido grosso da cortina. Joe estava parado em frente ao
espelho sobre a cômoda, ajustando a gravata.
– Já não era sem tempo –
disse ele, ainda encarando o espelho ao lado do mancebo. – Bom dia.
– Bom dia – murmurei,
atordoada de sono.
– Estamos com o tempo
contado – ele explicou, a voz sem entonação alguma. – Então, se você puder se
apressar...
– Tudo bem. – Ainda em
estado catatônico, levantei da cama e tropecei em alguma coisa, quase
derrubando o porta-retratos da mesa de cabeceira.
Voei para o banheiro para
tomar uma chuveirada. Eu já havia terminado o banho e escovado os dentes quando
finalmente acordei. Corri para o quarto de Joe.
– Como foi que eu acabei na
sua cama?
Ele estava de costas,
terminando de guardar papéis em sua pasta de couro preta.
– Eu te trouxe. Você
parecia desconfortável no sofá – disse vestindo o casaco. Um blues suave tocava
ao fundo. – Imaginei que o cheiro de tinta fresca no seu quarto te deixou enjoada.
Mas não se preocupa, eu não dormi aqui. – Ele parou de falar quando se virou e
me viu. Seus olhos percorreram o meu corpo, dos cabelos empapados até os pés
descalços.
– Que foi? – olhei para
baixo tentando entender o que o espantara tanto e me deparei com a toalha negra
e nada mais. – Ah, droga Joe! – Corri para meu quarto, com o rosto pegando
fogo. – Desculpa! – gritei, encostada na porta.
Merda.
Meu celular tocou, era
Clóvis.
Merda dupla!
– Demetria, eu gostaria de
falar com você hoje à tarde. Seria possível? – ele perguntou com a voz
indiferente, como sempre.
– Não posso. Eu trabalho,
esqueceu? – comecei a me vestir, equilibrando o celular enquanto passava a
camiseta pela cabeça.
– Não, Demetria, eu não
esqueci. Vou avisar a Janine sobre a sua meia-folga. Esteja na mansão depois do
almoço...
– Não! Na mansão, não! – eu
não suportaria entrar ali outra vez e ver o vazio deixado por meu avô.
– Então que tal almoçarmos
naquele seu restaurante tailandês preferido?
– Acho que... – Quando eu
poderia comer naquele lugar outra vez? Com o meu salário, não tão cedo. – Tudo
bem, Clóvis. Mas talvez eu me atrase um pouco. Ônibus nessa cidade é uma
loucura.
– Eu espero você. Bom dia.
Terminei
de me vestir em segundos, calçando os sapatos quando já estava no corredor. Joe
não comentou nada sobre minha “aparição” em seu quarto. Também não disse nada
além de “Dia quente hoje” enquanto dirigia para L&L. Eu queria dizer a ele
que não tive a intenção de constrangê-lo, mas trazer o assunto à tona só nos deixaria
ainda mais incomodados. Além disso, eu não tinha certeza se não queria, de
fato, deixá-lo constrangido.
-------------------------------------------------------------------------------------------
Bom meninas, nos meus planos esse seria o ultimo capítulo da maratona de hoje, mas eu tô achando tão legal vocês comentando, estou sozinha em casa sem nada pra fazer, meu namorado me trocou hoje pelo futebol e ainda levou meu bebê(filho dele).... então fica nas mãos de vocês se continuo ou não a maratona.
Continua sim.
ResponderExcluirta muito perfeita a historia, tudo.
O Joe passou a noite com alguem? ~curiosa~
posta logo!
POSTA MAIS
ResponderExcluirMeu deus meu comentário sumiu :(
ResponderExcluirDesmoralizei agora :(
ResponderExcluirPosta sim, por favor. Queremos te fazer companhia de um jeito e matar a nossa curiosidade de outro.
O Joe foi descarregar sua frustração nalguma mulher. Tbm Demi ta mexendo com tudo da vida do menino e além do mais não consegue cumprir a promessa de manter-se decentemente diante dele. Clovisbta fazendo algo de errado né, só pode não consigo imaginar o que pode ele querer
Se esse tbm.sumir faço greve :(
ResponderExcluirOque sera que o joe fez estou curiosa, pobre demi ela ta apaixonada. Continua sim com a maratona please quero saber se o beijo ainda vai rolar
ResponderExcluirTo adorando a fic, eu apoio vc continuar a maratona
ResponderExcluirPostaaaaa
ResponderExcluir