Graças aos céus Joe estava
disposto a ver um filme comigo. Não que eu tivesse dado chance de ele cair
fora, claro. Caprichei no visual, tentando passar a impressão de que eu usava
sempre aquele vestido justérrimo e sapatos de salto. Como se ele não morasse
comigo no último mês....
Claro que Joe percebeu que
havia algo estranho.
- Vai sair mais tarde? –
perguntou enquanto colocava o DVD no aparelho.
- Não, por que?
- Você está toda arrumada.
O que aconteceu com as suas pantufas? – ele quis saber, se acomodando no sofá.
- Ah, eu ... perdi no meio
da bagunça. Acho que preciso arrumar meu quarto – tentei sorrir.
- Você parece tensa – ele
comentou, analisando a forma rígida como me sentei.
- Quem, eu? Imagina! – e
cruzei as pernas, dando a ele uma boa visão das minhas coxas. Com satisfação,
vi seus olhos se demorarem um segundo ou dois nelas antes de voltarem para a
TV.
Recusei a pipoca e fiquei
só no refrigerante, o que acabou sendo um problema, já que precisei pedir que
ele parasse o filme três vezes para ir ao banheiro. Joe ficou o tempo todo
sentado na ponta, apoiado no braço do sofá, atento ao filme, Eu pouco vi o que
se passava na tela. A cada ida ao banheiro, aproveitava para me sentar um pouco
mais perto, até que fiquei a dois palmos dele. Ele não pareceu notar.
Suspirei frustrada.
Então ele olhou pra mim.
- Não está gostando? –
perguntou com um leve sorriso nos lábios, me oferecendo pipoca.
- Tô adorando – sorri de
volta, pegando um punhadinho e enfiando na boca.
Ele me encarou, em dúvida,
mas deixou passar. Aos poucos fui me aproximando, até quase nos tocarmos.
Cruzei os braços sobre o peito.
- Está com frio? – Joe
indagou.
-
Minhas mãos estão um pouco frias.
- Vem cá. – ele pegou
minhas mãos e as aninhou entre as suas, fazendo com que eu me sentisse ainda
menor. – Já vai esquentar.
Ah, com certeza.
Eu mal respirava. Joe era
uma incógnita para mim. Às vezes, como naquele momento, me tocava sem que eu
precisasse recorrer a subterfúgios. Em outras, dava mais trabalho que cabelo
alisado com chapinha em dia de chuva.
Aos poucos, sempre
observando seu rosto, esperando encontrar algum traço de reprovação, fui
chegando mais perto, mas no rosto dele não havia nada além de concentração no
filme. Acabei me apoiando em seu braço, cautelosamente. Como ele não recuou,
encostei a cabeça em seu ombro. Joe entrelaçou os dedos nos meus, brincando com
a ponta deles sem se dar conta.
Suspirei, contente.
- Que foi? – perguntou ele.
- Nada. Só estou feliz.
- Por quê? – indagou
curioso.
- Nada de especial – dei de
ombros. – Só... feliz por nada.
Ele sorriu.
- Por incrível que pareça,
eu também estou. – E me surpreendeu novamente passando um braço em meus ombros
e me trazendo mais para perto. – Quem diria que isso seria possível? Estar
feliz ao lado dessa garota irritante?
- Quem diria que o Joseph
pudesse ter senso de humor? – zombei.
- Sabe Demetria, esse
acordo não foi de todo ruim. Eu não consegui minha promoção, e às vezes parece
que todo mundo desconfia que o nosso relacionamento é uma farsa, mas eu tenho
gostado demais disso. Dessa amizade.
Lutei para reprimir um
gemido. Eu não queria sua amizade. Queria mais. Muito, muito mais.
- Fico feliz por ter
escolhido você – eu disse.
Estávamos
tão próximos, tão unidos fisicamente, que poderia tê-lo beijado sem precisar me
mover. Mas não beijei. Não cometeria o mesmo erro duas vezes. Não forçaria a
barra de novo. Eu queria Joe em meus braços, na minha cama, mas não por uma
noite apenas. Esperaria até que ele tomasse a iniciativa.
Ficamos ali, abraçados, ele
vendo o filme, eu olhando para o nada, apenas curtindo a proximidade de seu
corpo quente. Era tão bem, tão natural estar envolta em seus braços que desejei
que aquele momento não terminasse nunca. Mas fatalmente o filme chegou ao fim.
- Adorei o programa – ele
falou, desligando a TV e se desvencilhando de meus braços com destreza. Fugindo
de novo. – A gente devia repetir.
-Vou adorar.
- Acho melhor ir dormir. Tá
ficando tarde.
- Tem razão – reprimi um
bocejo. Quando foi que isso aconteceu? Quando foi que comecei a ter sono antes
de o sol raiar? Ah, claro. Quando comecei a acordar com as galinhas! – Quero
adiantar meu trabalho amanhã. Se conseguir, vou dar um pulo numa concessionária
para escolher uma moto.
Seu rosto escureceu tão
repentinamente que me fez retroceder um pouco.
- Nada de moto, Demetria.
Não vou permitir. Esquece isso.
- Não pedi sua opinião –
apontei.
Ele sacudiu a cabeça.
- Isso não está em
discussão. Você não vai subir numa coisa daquelas e está acabado.
- Você parece o meu avô
falando desse jeito. E, se ele estivesse aqui agora, te diria que essa é a pior
maneira de lidar comigo – me levantei, cruzando os braços sobre o peito. – Não
gosto que me digam o que fazer.
Ele correu a mão pelos
cabelos sedosos e bufou.
- Meu Deus! Não acredito
que estou tendo essa discussão de novo.
- Ah, não! A gente nunca
discutiu sobre isso – rebati.
- Não eu e você – ele
cuspiu furioso, passando a mão na testa lisa, parecendo... bom, apavorado. –
Você não entende, não é? Não estou dizendo o que você deve fazer – e começou a
andar de um lado para o outro.
–
Estou explicando que, enquanto eu estiver por perto, você não vai se aproximar
de uma moto. Não vou deixar que ela acabe com a sua vida como fez... – ele não
continuou. Nem precisava.
Engoli em seco ao
compreender quanto aquela situação o atormentava. O fluxo de raiva em mim se
extinguiu.
- Como fez com o Justin –
completei. – Foi isso que aconteceu, não foi? O acidente dele... foi de moto –
afirmei.
Ele assentiu, a mandíbula
trincada parecia pulsar.
- O Justin fez dezoito anos
e era louco por motos desde que consigo me lembrar. Ele me perturbou por meses
porque o meu pai se negou a comprar uma pra ele. Discutimos tantas vezes que
perdi as contas. Então pensei: que mal faria dar ao moleque o que ele tanto
queria? – Seus olhos ficaram sombrios, como eu jamais havia visto. – Eu comprei
a maldita moto. O Justin adorava aquilo, vivia pra baixo e pra cima naquela
coisa. Estava feliz como eu nunca havia visto. Só que numa tarde de domingo,
enquanto ele ia pra casa de uma garota, o pneu traseiro estourou, a moto
derrapou e o Justin caiu, batendo a cabeça na calçada com tanta força que rachou
o capacete. Mas a violência da pancada feriu duas vértebras, quebrou vários
ossos, arrancou parte da pele dele. O Justin passou três meses no hospital,
enfrentando cirurgia após cirurgia, colocando pinos em todo o corpo, e hoje
vive com a esperança remota de um dia voltar a andar. – Ele parou em frente à
janela, de costas para mim. Sua voz estava fria, mas de algum modo, dilacerada.
– Será que dá pra entender, Demetria? Eu não posso deixar você correr o mesmo
risco.
Dei dois passos, me
aproximando dele, e, sem o menor pudor, abracei-me a suas costas.
- Eu sinto muito, Joe. Eu
não sabia.
- Claro que não. Não
costumo sair por aí dizendo que acabei com a vida do meu irmão – ele comentou,
imóvel. Nem se deu ao trabalho de tentar esconder o remorso.
- Mas você não teve culpa!
– me apressei – Ninguém teve. Foi uma fatalidade! Muita gente anda de moto todo
santo dia e nunca se machucou. Você não pode se responsabilizar, e isso não vai
acontecer comigo.
Ele virou de frente para
mim, pegando meus braços e prendendo meus punhos contra o peito. Seus olhos
estavam furiosos, loucos, apavorados.
- Promete que não vai
comprar a moto. Promete! – pediu, num tom desesperado.
- Prometo – sussurrei.
Ele
fechou os olhos e suspirou. Encostou a testa na minha, as mãos ainda prendendo
meus pulsos contra o peito.
- Não consigo nem pensar em
te ver ferida, Demetria – murmurou torturado, a voz repleta de emoção. – Não
posso permitir.
- Eu não vou comprar a
moto. Não precisa ficar aflito – assegurei baixinho, fascinada com sua
preocupação comigo.
Ele abriu os olhos e havia
dor neles, culpa, arrependimento. Eu podia imaginar como ele se martirizava,
nos meses que se arrastaram após o acidente, pelo que havia acontecido. Joe era
esse tipo de pessoa, que chamava a responsabilidade para si.
- Talvez eu compre um
patinete – tentei empregar humor em minha voz, louca para que aquela agonia
deixasse seus olhos. – Patinete é barato e não tem como andar mais de dez
quilômetros por hora.
Deu certo, ele sorriu um
pouco.
- É tão ruim assim pegar
carona comigo? – seu hálito quente sapecou meu rosto, me deixando um pouco
zonza.
- Não. É ruim quando você
não vai para o mesmo lugar que eu, e sou obrigada a enfrentar o ônibus.
Deslumbrada, vi seus lábios
se esticarem e se curvarem num sorriso sobre os dentes perfeitos, os olhos
brilhando feito caleidoscópios, fazendo meu pulso acelerar.
- Então não vá para longe de mim,
Demetria.
poosta poosta amaando haha' beijos
ResponderExcluirposta loogo please, amando demais essa maratona <33
ResponderExcluirQue triste o acidente do justin, mas amando mesmo assim a história, posta logo o proximo.
ResponderExcluirC. Shay