domingo, 12 de maio de 2013

CAPÍTULO 54 MARATONA



Graças aos céus Joe estava disposto a ver um filme comigo. Não que eu tivesse dado chance de ele cair fora, claro. Caprichei no visual, tentando passar a impressão de que eu usava sempre aquele vestido justérrimo e sapatos de salto. Como se ele não morasse comigo no último mês....
Claro que Joe percebeu que havia algo estranho.
- Vai sair mais tarde? – perguntou enquanto colocava o DVD no aparelho.
- Não, por que?
- Você está toda arrumada. O que aconteceu com as suas pantufas? – ele quis saber, se acomodando no sofá.
- Ah, eu ... perdi no meio da bagunça. Acho que preciso arrumar meu quarto – tentei sorrir.
- Você parece tensa – ele comentou, analisando a forma rígida como me sentei.
- Quem, eu? Imagina! – e cruzei as pernas, dando a ele uma boa visão das minhas coxas. Com satisfação, vi seus olhos se demorarem um segundo ou dois nelas antes de voltarem para a TV.
Recusei a pipoca e fiquei só no refrigerante, o que acabou sendo um problema, já que precisei pedir que ele parasse o filme três vezes para ir ao banheiro. Joe ficou o tempo todo sentado na ponta, apoiado no braço do sofá, atento ao filme, Eu pouco vi o que se passava na tela. A cada ida ao banheiro, aproveitava para me sentar um pouco mais perto, até que fiquei a dois palmos dele. Ele não pareceu notar.
Suspirei frustrada.
Então ele olhou pra mim.
- Não está gostando? – perguntou com um leve sorriso nos lábios, me oferecendo pipoca.
- Tô adorando – sorri de volta, pegando um punhadinho e enfiando na boca.
Ele me encarou, em dúvida, mas deixou passar. Aos poucos fui me aproximando, até quase nos tocarmos. Cruzei os braços sobre o peito.
- Está com frio? – Joe indagou.
- Minhas mãos estão um pouco frias.
- Vem cá. – ele pegou minhas mãos e as aninhou entre as suas, fazendo com que eu me sentisse ainda menor. – Já vai esquentar.
Ah, com certeza.
Eu mal respirava. Joe era uma incógnita para mim. Às vezes, como naquele momento, me tocava sem que eu precisasse recorrer a subterfúgios. Em outras, dava mais trabalho que cabelo alisado com chapinha em dia de chuva.
Aos poucos, sempre observando seu rosto, esperando encontrar algum traço de reprovação, fui chegando mais perto, mas no rosto dele não havia nada além de concentração no filme. Acabei me apoiando em seu braço, cautelosamente. Como ele não recuou, encostei a cabeça em seu ombro. Joe entrelaçou os dedos nos meus, brincando com a ponta deles sem se dar conta.
Suspirei, contente.
- Que foi? – perguntou ele.
- Nada. Só estou feliz.
- Por quê? – indagou curioso.
- Nada de especial – dei de ombros. – Só... feliz por nada.
Ele sorriu.
- Por incrível que pareça, eu também estou. – E me surpreendeu novamente passando um braço em meus ombros e me trazendo mais para perto. – Quem diria que isso seria possível? Estar feliz ao lado dessa garota irritante?
- Quem diria que o Joseph pudesse ter senso de humor? – zombei.
- Sabe Demetria, esse acordo não foi de todo ruim. Eu não consegui minha promoção, e às vezes parece que todo mundo desconfia que o nosso relacionamento é uma farsa, mas eu tenho gostado demais disso. Dessa amizade.
Lutei para reprimir um gemido. Eu não queria sua amizade. Queria mais. Muito, muito mais.
- Fico feliz por ter escolhido você – eu disse.
Estávamos tão próximos, tão unidos fisicamente, que poderia tê-lo beijado sem precisar me mover. Mas não beijei. Não cometeria o mesmo erro duas vezes. Não forçaria a barra de novo. Eu queria Joe em meus braços, na minha cama, mas não por uma noite apenas. Esperaria até que ele tomasse a iniciativa.
Ficamos ali, abraçados, ele vendo o filme, eu olhando para o nada, apenas curtindo a proximidade de seu corpo quente. Era tão bem, tão natural estar envolta em seus braços que desejei que aquele momento não terminasse nunca. Mas fatalmente o filme chegou ao fim.
- Adorei o programa – ele falou, desligando a TV e se desvencilhando de meus braços com destreza. Fugindo de novo. – A gente devia repetir.
-Vou adorar.
- Acho melhor ir dormir. Tá ficando tarde.
- Tem razão – reprimi um bocejo. Quando foi que isso aconteceu? Quando foi que comecei a ter sono antes de o sol raiar? Ah, claro. Quando comecei a acordar com as galinhas! – Quero adiantar meu trabalho amanhã. Se conseguir, vou dar um pulo numa concessionária para escolher uma moto.
Seu rosto escureceu tão repentinamente que me fez retroceder um pouco.
- Nada de moto, Demetria. Não vou permitir. Esquece isso.
- Não pedi sua opinião – apontei.
Ele sacudiu a cabeça.
- Isso não está em discussão. Você não vai subir numa coisa daquelas e está acabado.
- Você parece o meu avô falando desse jeito. E, se ele estivesse aqui agora, te diria que essa é a pior maneira de lidar comigo – me levantei, cruzando os braços sobre o peito. – Não gosto que me digam o que fazer.
Ele correu a mão pelos cabelos sedosos e bufou.
- Meu Deus! Não acredito que estou tendo essa discussão de novo.
- Ah, não! A gente nunca discutiu sobre isso – rebati.
- Não eu e você – ele cuspiu furioso, passando a mão na testa lisa, parecendo... bom, apavorado. – Você não entende, não é? Não estou dizendo o que você deve fazer – e começou a andar de um lado para o outro.
– Estou explicando que, enquanto eu estiver por perto, você não vai se aproximar de uma moto. Não vou deixar que ela acabe com a sua vida como fez... – ele não continuou. Nem precisava.
Engoli em seco ao compreender quanto aquela situação o atormentava. O fluxo de raiva em mim se extinguiu.
- Como fez com o Justin – completei. – Foi isso que aconteceu, não foi? O acidente dele... foi de moto – afirmei.
Ele assentiu, a mandíbula trincada parecia pulsar.
- O Justin fez dezoito anos e era louco por motos desde que consigo me lembrar. Ele me perturbou por meses porque o meu pai se negou a comprar uma pra ele. Discutimos tantas vezes que perdi as contas. Então pensei: que mal faria dar ao moleque o que ele tanto queria? – Seus olhos ficaram sombrios, como eu jamais havia visto. – Eu comprei a maldita moto. O Justin adorava aquilo, vivia pra baixo e pra cima naquela coisa. Estava feliz como eu nunca havia visto. Só que numa tarde de domingo, enquanto ele ia pra casa de uma garota, o pneu traseiro estourou, a moto derrapou e o Justin caiu, batendo a cabeça na calçada com tanta força que rachou o capacete. Mas a violência da pancada feriu duas vértebras, quebrou vários ossos, arrancou parte da pele dele. O Justin passou três meses no hospital, enfrentando cirurgia após cirurgia, colocando pinos em todo o corpo, e hoje vive com a esperança remota de um dia voltar a andar. – Ele parou em frente à janela, de costas para mim. Sua voz estava fria, mas de algum modo, dilacerada. – Será que dá pra entender, Demetria? Eu não posso deixar você correr o mesmo risco.
Dei dois passos, me aproximando dele, e, sem o menor pudor, abracei-me a suas costas.
- Eu sinto muito, Joe. Eu não sabia.
- Claro que não. Não costumo sair por aí dizendo que acabei com a vida do meu irmão – ele comentou, imóvel. Nem se deu ao trabalho de tentar esconder o remorso.
- Mas você não teve culpa! – me apressei – Ninguém teve. Foi uma fatalidade! Muita gente anda de moto todo santo dia e nunca se machucou. Você não pode se responsabilizar, e isso não vai acontecer comigo.
Ele virou de frente para mim, pegando meus braços e prendendo meus punhos contra o peito. Seus olhos estavam furiosos, loucos, apavorados.
- Promete que não vai comprar a moto. Promete! – pediu, num tom desesperado.
- Prometo – sussurrei.
Ele fechou os olhos e suspirou. Encostou a testa na minha, as mãos ainda prendendo meus pulsos contra o peito.
- Não consigo nem pensar em te ver ferida, Demetria – murmurou torturado, a voz repleta de emoção. – Não posso permitir.
- Eu não vou comprar a moto. Não precisa ficar aflito – assegurei baixinho, fascinada com sua preocupação comigo.
Ele abriu os olhos e havia dor neles, culpa, arrependimento. Eu podia imaginar como ele se martirizava, nos meses que se arrastaram após o acidente, pelo que havia acontecido. Joe era esse tipo de pessoa, que chamava a responsabilidade para si.
- Talvez eu compre um patinete – tentei empregar humor em minha voz, louca para que aquela agonia deixasse seus olhos. – Patinete é barato e não tem como andar mais de dez quilômetros por hora.
Deu certo, ele sorriu um pouco.
- É tão ruim assim pegar carona comigo? – seu hálito quente sapecou meu rosto, me deixando um pouco zonza.
- Não. É ruim quando você não vai para o mesmo lugar que eu, e sou obrigada a enfrentar o ônibus.
Deslumbrada, vi seus lábios se esticarem e se curvarem num sorriso sobre os dentes perfeitos, os olhos brilhando feito caleidoscópios, fazendo meu pulso acelerar.
- Então não vá para longe de mim, Demetria. 

3 comentários:

  1. posta loogo please, amando demais essa maratona <33

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  2. Que triste o acidente do justin, mas amando mesmo assim a história, posta logo o proximo.
    C. Shay

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