domingo, 5 de maio de 2013

CAPÍTULO 28 MARATONA



Na volta para casa, eu tinha muitas perguntas para Joe. Entretanto, sua armadura havia retornado, e não tive ânimo para perguntar o que aquele monte de coisas escritas no MSN significava. Se é que tinha algum significado. Eu achava que sim, já que seu olhar naquele momento parecia me dizer muito.
Sel me esperava na portaria do prédio, com os braços cheios de sacolas.
– Você esqueceu algumas coisas lá em casa. Não que isso seja surpresa – ela riu, depois olhou para Joe um pouco encabulada. – Oi, Joe.
– Oi, Selena. Deixa eu te ajudar com isso – ele tomou as sacolas das mãos de minha amiga, deixando-a paralisada feito um poste. – Vai ficar para jantar?
Ela me encarou, a boca aberta como a de um peixe agonizante.
– Eu posso? – me perguntou num sussurro.
Joe riu, e foi ele quem respondeu:
– Não só pode como deve. Vai ser um prazer. Essa é a casa da Demetria agora, ela pode receber quem quiser. Vamos subir? – e indicou o elevador.
– Tá bom – ela disse sorrindo. Abraçou minha cintura e sussurrou: – Me diz que você já tirou uma casquinha, por favor!
Não tive certeza se Joe ouviu. Rezei para que não tivesse escutado nada.
Sel adorou o apartamento e aprovou a decoração despojada. Assim como eu, acho meu quarto um pouco sem personalidade, mas viu potencial e começou a ter milhares de idéias de decoração de baixo custo. Ela adorava mudar ambientes aproveitando o que já tinha e gastando pouco. Eu sempre opinava a respeito de tudo, afinal cinco anos de faculdade me serviam de alguma coisa.
Joe pediu comida chinesa e se negou a aceitar que eu pagasse minha parte.
– Nunca imaginei que seria assim – Sel soltou, enquanto comíamos na pequena mesa de jantar. – Quer dizer, a vida de casada. Não é tão ruim, Demi.
– Ãrrã – murmurei distraída.
Joe largou os hashis.
– Tem algo te incomodando? – me perguntou. Não estava bravo nem parecia triste. Apenas curioso.
– Não. Mas isso aqui não é bem um casamento. É mais como um alojamento. Imagino que casamento seja diferente.
– Diferente como? – ele quis saber, voltando a comer.
– Pra começar, as pessoas normalmente estão apaixonadas e dormem na mesma cama – apontei.
Ele refletiu por um momento, engoliu a comida e acrescentou:
– E com certeza o marido não ficaria surpreso se flagrasse a esposa nua na cozinha.
– Provavelmente não – concordei.
– Você ficou pelada na cozinha? – Sel sussurrou, mesmo estando sentada a dois palmos de Joe.
– Antes que sua imaginação viaje e não volte mais, não foi bem assim. Eu pensei que o Joe já tivesse saído e não fosse mais voltar. – Voltei-me para ele. – E eu já disse que isso não vai mais acontecer.
– Não acredito que você não me contou, Demi. Você sabe como estou ansiosa por detalhes – resmungou ela, sem notar a surpresa estampada no rosto de Joe.
– Detalhes de quê? – ele quis saber.
Ela corou ao notar seu lapso.
Suspirei exasperada.
– Não é nada, Joe. A Sel adora viver no mundo do faz de conta. Ela está esperando que a gente se apaixone perdidamente um pelo outro. Ela lê horóscopo todo dia e acredita que borboletas são sinais de alguma coisa – revirei os olhos. – É só ignorar que ela acaba cansando.
Ele me lançou um olhar inquisitivo, e havia um pequeno sorriso em seus lábios quando disse:
– Vou tentar.
– Ah, Demi, eu só queria que você fosse feliz. Nos últimos meses você ficou órfã, pobre, virou assalariada e está sem carro. E ainda teve aquela confusão em Amsterdã um pouco antes. É errado querer que a sua melhor amiga tenha uma vida feliz?
– O que aconteceu em Amsterdã? – Joe perguntou a ela.
– Nada! – gritei, ao mesmo tempo em que Sel dizia:
– Ela foi presa injustamente.
Ele me fitou, intrigado.
– Presa? Parece que eu devia ter dado uma olhada no seu atestado de antecedentes criminais – e uma de suas sobrancelhas se arqueou.
– Muito obrigada, Selena! – resmunguei.
– Eu não sabia que ele não sabia – ela se encolhe na cadeira. O rosto anguloso estava rubro como sangue. – O seu avô ficou tão irado na época que pensei que todo mundo soubesse. Saiu nos jornais e tudo, poxa!
– O que aconteceu para você ser presa em Amsterdã? – Joe inquiriu.
Suspirei.
– Ninguém nunca vai esquecer essa história?
Ele apenas me observou com o rosto impassível, brilhando de obstinação, esperando por um esclarecimento. Joe tinha que me ensinar como fazer aquilo. Era muito eficiente. Talvez eu pudesse usar com Clóvis e fazer com que ele ficasse do meu lado...
– Tudo bem – bufei. – Conheci um cara em Dublin, um australiano. Acabamos viajando juntos para vários lugares da Europa. Quando chegamos em Amsterdã, não sei se foi pelo clima liberal ou pela quantidade de chás exóticos que tomamos, mas o fato é que acabei... ficando com ele onde não devia. Baixou polícia e fomos presos. O vovô mandou três advogados pra me livrar da confusão. Fim da história.
– Quando você diz ficou... quer dizer... – disse ele, cruzando os braços sobre o peito.
– Quero dizer que estávamos quase nas estrelas, Joe.
Ele recuou um pouco, sobressaltado. Arrependi-me instantaneamente do comentário, mas era tarde para voltar atrás. Nós nos encaramos por um segundo interminável, seu olhos me fazendo perguntas, os meus tentando entendê-las.
Sel sentiu a tensão.
– Gente, eu... vou nessa.
– Espera – Joe se recompôs rapidamente, desviando os olhos para ela. – Preciso revisar uns contratos importantes. Vocês podem ficar mais à vontade sem a minha presença. Eu já terminei de comer mesmo. Aparece mais vezes, Selena. Essa casa agora também é da Demetria. E, diferente da cadeia, aqui ela tem direito a visitas a hora que quiser – ele me lançou um olhar reprovador.
Fiquei observando-o se levantar com a elegância costumeira, apesar de todo aquele tamanho. Era como observar um leão, poderoso e perigoso, que se movia com agilidade e força descomunal. Seu rosto ainda estava duro quando ele se trancou no quarto.
– Desculpa! – Sel começou assim que a porta se fechou. – Eu juro que escapou sem querer!
– Não esquenta. O Joe ia acabar sabendo de uma forma ou de outra. Melhor que tenha sido por mim. Não que faça alguma diferença, já que ele me considera uma garota mimada e irresponsável. Não entendi por que ele ficou tão surpreso ao saber dessa história. Ele devia imaginar que eu era capaz disso... – dei de ombros.
Ela me estudou por um momento.
– É impressão minha ou tá mesmo rolando alguma coisa? – e sorriu.
– O Joe tem sido gentil e simpático na maior parte do tempo, mas nada além disso. Ele parece estar se esforçando para que a nossa convivência seja a melhor possível, dentro das possibilidades. E eu estou tentando fazer o mesmo, mas você me conhece. As coisas sempre dão errado quando eu tenho boas intenções.
– E é só isso? – ela questionou, os olhos castanhos ligeiramente contraídos.
– Ah, eu fui promovida, sabia? – mudei de assunto rapidamente. Eu não queria me aprofundar nas especulações sobre o que realmente estava acontecendo entre mim e Joe. Não naquele momento.
– Não acredito! Me conta tudo! – ela pediu, entusiasmada.
Ficamos conversando até tarde. Sel quis saber todos os detalhes sobre minha promoção e gargalhou quando constatou, assim como eu, que não havia promoção alguma. Depois foi minha vez de exigir atualizações do romance dela com Nick, que avançava a passos largos. Ela ainda não admitia que estava apaixonada, mas não era necessário. Seu entusiasmo ao falar dele demonstrava isso, e ela não parecia capaz de se conter quando tocava nesse assunto. E continuou falando, falando, falando, inclusive enquanto ela me contava que, no último encontro, Nicholas a levara para o litoral, onde fizeram amor – isso mesmo, nada de sexo; fizeram amor, foi o que ela disse sorrindo – na areia da praia, e seu traseiro terminou todo esfolado.
Sel se interrompeu e revirou os olhos ao analisar meu pijama, dizendo que Joe nunca se interessaria por mim se eu me vestisse daquele jeito. Então, para que o efeito fosse ainda melhor, calcei minhas pantufas de patas de dinossauro e ela gargalhou. Insisti para que dormisse ali, mas ela recusou, alegando não querer levantar suspeitas dos vizinhos. Passava da meia-noite quando ela foi embora, feliz por ter me ajudado a guardar as roupas que eu havia esquecido em sua casa e por ver Joe de volta à sala, agindo de modo mais casual quando se despediram.
Então sobramos ele e eu. Seu humor realmente havia melhorado, já que ele olhava para minhas pantufas e sorria sem parar.
– Que foi? – perguntei, olhando para baixo.
– Nada. Estou tentando entender que tipo de dinossauro teria patas azuis com unhas multicoloridas – ele riu. Aquele som rico, reconfortante, acariciou minha pele.
– Um dinossauro que curte balada? – sugeri.
– Provavelmente. Você sempre foi assim? – ele quis saber, enquanto eu recolhia as caixas de comida e jogava tudo dentro da pia.
– Assim como? – perguntei cautelosa.
– A lixeira fica bem aqui do lado – ele explicou, pegando as caixas que eu acabara de jogar na pia e as colocando no cesto de lixo, ao lado do fogão. – Com a Sel, eu quis dizer. Vocês sempre foram tão amigas?
– Ah, sim! Desde que me conheço por gente. Eu conheci a Sel no maternal, ela me salvou de uma lagarta que me perseguia pelo parquinho. Estremeço só de pensar naquele bicho gosmento e peludo, que parecia sentir meu cheiro e me caçava por toda parte. Se não fosse a Sel, sei lá, acho que eu teria morrido. Somos inseparáveis desde então.
Ele sorriu.
– Isso explica a cena com a borboleta ontem de manhã. Você tem medo delas também.
– Não é medo – esclareci. – Só acho nojento.
– Eu pensei que você não tivesse medo de nada – ele comentou. – É sempre tão confiante.
– Até parece – eu ri, sem humor algum. – Eu sou normal, Joe. Tenho meus medos, como todo mundo. Certas coisas me apavoram.
– Tipo o quê? – ele inclinou a cabeça, lavou as mãos melecadas de Shoyu, depois as secou num pano de prato e o jogou sobre a pia. Abriu o armário, pegou uma garrafa de vinho e serviu duas taças. Esticou uma delas para mim.
– Obrigada. Tenho medo de perder, por exemplo. Estou cansada de perder as pessoas que amo – respondi sinceramente, sem saber por que fiz aquilo. Algo no rosto dele me instigava a abrir a boca e despejar a primeira coisa que surgisse em minha cabeça.
– Está falando do seu avô?
– Dele também. Eu era pequena demais quando meus pais morreram naquele maldito atentado no Egito, mas não o bastante para não me lembrar deles.
Ele puxou um dos bancos altos para que eu me sentasse, depois se sentou ao meu lado, virando até ficar de frente para mim, e apoiou o cotovelo no balcão.
– Eu sinto muito – murmurou, os olhos repletos de solidariedade.
– Eu também. Sinto falta do que poderia ter sido, sabe? De como teria sido minha vida se eles não estivessem no lugar errado na hora errada.
– Bom... com certeza não estaríamos casados – ele comentou, claramente tentando aliviar o clima.
– Provavelmente. E talvez eles tivessem me internado em um colégio de freiras. O meu avô bem que tentou uma vez, mas pra minha sorte recusaram minha matrícula, alegando que o meu histórico escolar era conflitante com os preceitos de ensino do colégio. – Tomei um gole do vinho Pinot Noir. – Adoro esse vinho.
– Você não pode ter sido tão... – ele parou e deliberou por um momento antes de continuar. Um sorriso enorme se abriu em seu rosto perfeito. – Você deve ter sido impossível! Tem cara de quem já aprontou muito.
Sorri também.
– Digamos que eu soube aproveitar a vida sempre que tive chance. – Tomei outro grande gole da bebida revigorante.
– Eu nunca soube – ele soltou um pesado suspiro. – Sempre fiquei com a cara enfiada nos livros, nos projetos, nos contratos... Mal tive tempo de pensar em me divertir.
– Por que isso não me surpreende?
– Eu bem que queria ter sido um adolescente normal, irresponsável, que pula de festa em festa. Meus pais até reclamavam. Chegaram a me obrigar a ir em algumas festas. Mas eu não curtia. Parecia errado. Eu tinha que dar o melhor de mim, ser o melhor que pudesse – ele sorriu com amargura.
Fiquei esperando que ele continuasse, mas, claro, ele não continuou, como sempre. Dessa vez, porém, não me atrevi a perguntar por que lhe parecia errado se divertir aos dezoito anos.
Joe sacudiu a cabeça levemente, esvaziou sua taça e perguntou:
– Como era seu relacionamento com seus pais?
– Não me lembro de muita coisa. Eu tinha cinco anos quando eles morreram, mas lembro que a minha mãe sempre brincava comigo, principalmente brincadeiras com maquiagem. E o meu pai lia histórias quando me colocava na cama. Eu detestava as histórias que ele contava. Normalmente ele gostava de ler Dostoiévski ou Tolstói – eu ri. – Que criança gosta desse tipo de literatura? Mesmo assim, nunca falei nada. Meu pai era ocupado, passava pouco tempo em casa. O vovô é quem sempre esteve por perto. Até dois meses atrás – suspirei.
– Sinto muito, Demetria – ele disse, tocando minha mão e deixando a sua ali. Era quente, macia e tão grande que engoliu a minha. – Não consigo imaginar como isso tudo te machucou.
Fiquei imóvel. Seu toque abriu as comportas do meu autocontrole, e de repente eu queria contar toda a minha vida, para que ele me conhecesse de verdade.
– Eu era pequena demais e não entendia bem o significado da morte, que nunca mais veria meus pais. O vovô me levou pra morar com ele na mansão e fez tudo que pôde para que eu fosse feliz. Ele já era viúvo na
época. Tivemos dias bem ruins, como nas datas comemorativas, meu aniversário, Natal... Na semana do Dia das Mães, eu inventava uma história pra não ir para o colégio. Fazia o mesmo drama no Dia dos Pais. É claro que o vovô sabia que eu estava mentindo quando dizia que tinha pegado um tipo de malária sueca que impossibilitava meu cérebro de aprender coisas novas, e a única forma de me curar era ficar em casa e tomar muito sorvete, mas ele nunca disse nada. Sempre trazia potes e mais potes de sorvete e comia comigo, dizendo que era pra se prevenir da doença.
– Ele foi um ótimo avô. Você teve muita sorte – sua mão continuava sobre a minha.
– Sem contar essa questão do testamento... – tentei sorrir. – A gente era muito ligado, Joe. O vovô sempre esteve comigo. Acho que eu não quis pensar que um dia ele poderia... não estar mais – dei de ombros. – Sei que não ando me saindo muito bem sem ele por perto, mas, acredite, estou tentando fazer o melhor que posso.
Ele me lançou um olhar quente, carinhoso e cheio de promessas. Promessas que não pude compreender.
– Eu sei disso. 
-------------------------------------------------------------------------------------------
Eriimiilsa não sei se vai ser comentado na história o nome da esposa de Marcus mais se aparecer vai ser seu nome.
pausa para o almoço!

5 comentários:

  1. Até quero chorar... Mais Por causa da Frase de encerramento. meu amado, viu quando eu disse que ele é o
    Melhor avô. O capitulo esta muito fofo, mas deprimente no final. A Demi sofreu muito, ainda bem que ela agora tem um cara que a adora mas ainda nao sabe. tô amando a confusão de sentimentos que esses dois estão tendo, o Joe mostra qndo fica sério, como se fosse errado ser adoravél cm ela. Como se estivesse com medo. Amo isso aqui, mais o Marcus sabe

    ResponderExcluir
  2. Mal educada que eu sou nem agradeci. Obrigada por me deixar ser mulher deste amor de Homem que vc criou

    ResponderExcluir
  3. Ai eu amei este capitulo acho que joe ja esta apaixonado por ela faz algum tempo

    ResponderExcluir