domingo, 12 de maio de 2013

CAPÍTULO 53 MARATONA



Assim que cheguei à L&L naquela manhã, notei olhares diferentes. Não havia mais hostilidade neles, e até vi alguns sorrisos tímidos e acenos de cabeça. Estranho, já que ninguém nunca falava, sorria ou acenava para mim sem que fosse estritamente necessário.
- Joe, tem alguma coisa na minha cara? – perguntei enquanto seguíamos pelo corredor em direção ao nosso setor.
Ele examinou meu rosto atentamente.
- Não.
- Humm...
Ele não pareceu notar a diferença no ambiente. Na verdade, não notava muita coisa em mim desde a noite anterior. Como eu esperava, ele estava mais distante do que nunca. Pela manha, agira como todos os dias, prestativo e educado, como se nada tivesse acontecido entre mim e ele no sofá. Nem sombra do homem apaixonado que me beijara com tanto arrebatamento menos de dez horas antes. Eu teria que cavar fundo se quisesse trazê-lo à tona outra vez.
- Oi, Demetria. Eu estava pensando se você... quer almoçar comigo – uma loira alta de olhos azuis, que nunca tinha falado comigo antes, convidou, parecendo nervosa. Era uma das secretárias do segundo andar.
- Hã... Eu... Como é mesmo seu nome? – perguntei.
- Miley – ele sorriu, sem graça. – Desculpa não ter me apresentado antes.
- Relaxa. Humm... Tá bom. Vamos almoçar, sim.
- Ótimo! – ela sorriu e seguiu em frente.
Olhei para Joe, que finalmente notou a diferença.
- Estranho, não acha? – indiquei a garota com a cabeça.
- Talvez – ele disse, pensativo. – Parece que você conseguiu furar a geleira.
- Mas como? Eu não fiz nada de diferente nos últimos dias.
- Quem sabe finalmente viram quem você é de verdade – ele deu de ombros.
- Duvido muito.
Diversas pessoas me convidaram para sentar com elas na hora do almoço, para nos conhecermos melhor, para saberem mais sobre mim, para me darem dicas de como passar ilesa pelo RH caso eu me atrasasse outra vez. Era como se, do nada, todos tivessem esquecido a repulsa gratuita que sentiam por mim.
Fiquei desconfiada quando entrei no refeitório para almoçar, mas Miley estava sorrindo, ansiosa, a uma mesa perto da janela. Joe se juntou ao pessoal do Comex e fui me sentar com ela.
- Pensei que você não fosse querer falar comigo, depois da forma como te tratei – começou ela, sem graça.
- Você fez alguma coisa que eu devesse me lembrar? – comi um pedaço de frango frito.
- Bom... não – ela disse constrangida, olhando para a bandeja. – Mas exatamente por isso você devia estar chateada. Ninguém aqui fez o mínimo esforço para te conhecer.
- Nem notei, Miley – menti, sorrindo. Estava intrigada com a súbita mudança e queria saber o que ela pretendia.
No entanto, acabei não descobrindo nada. Miley deu início a uma sessão interminável de perguntas – o que eu estava achando do emprego, como era minha vida antes de vovô morrer, com o era meu relacionamento com ele, de que tipo de filme eu gostava, o que estava lendo, o que eu preferia, Louboutin ou Jimmy Choo. E ficou bastante surpresa quando eu disse que na verdade gostava mais de sapatos nacionais, de preferencia sem salto.
- Ah, meu Deus! Eu também! – ela exclamou, como se tivesse acabado de descobrir o Santo Graal. – Eu pensei que você fosse metida a besta e só usasse grifes internacionais! Caramba! A Zoe tem que ouvir isso – e gritou por Zoe, uma garota bonita e tímida que se escondia atrás de grandes óculos de grau.
Nossa mesa de repente se tornou pequena para o grande número de mulheres ao meu redor, me metralhando de perguntas. Tentei guardar os nomes, mas varias vezes tive que pedir que repetissem. Era muita informação.
Olhei para Joe do outro lado do grande salão, a muitas mesas de distancia, me observando com algo diferente nos olhos e um sorriso nos lábios. Lancei-lhe um olhar interrogativo, mas ele apenas continuou sorrindo.
Assim que me livrei das minhas mais novas amigas de infância e voltei ao quinto andar , encontrei-o encostado em minha mesa.
- Você faz ideia de como estou orgulhoso de você? – disse ele sorrindo, os braços cruzados sobre o peito.
 - Está?
- Muito!– O sorriso se alargou, iluminando toda a sala. – Não se fala em outra coisa na empresa. Parece que o Hector exigiu que a diretoria revisasse os pisos salariais e que, a partir do fechamento desse mês, todos os funcionários tenham participação nos lucros. Estão todos em estado de graça. E sabe quem é a responsável por isso?
- Sério? O Hector fez isso? – perguntei, atônita. A diretoria tinha ouvido meus apelos? Hector me dera crédito? Ele, que havia convencido meu avô de que eu não era capaz de cuidar nem de mim mesma, aceitara uma sugestão minha?
- Sim, ele fez. Os diretores não tiveram a menor chance diante dos argumentos apresentados pelo Hector. Argumentos de uma certa funcionaria que teve o atrevimento de dizer na cara do presidente que achava seu salário uma miséria.
Então compreendi a mudança.
- Foi por isso que de repente todo mundo ficou simpático comigo. Por que vão receber aumento – constatei, desanimada.
- Não, Demetria. Não foi isso – ele se apressou, descruzando os braços e se endireitando. – Você intercedeu por eles, defendeu os funcionários, foi a voz de todos na diretoria e conseguiu ser ouvida. Você não se acovardou. O pessoal achou que você fosse apenas uma garotinha mimada, e ficaram todos abismados com a mulher determinada que descobriram em você – ele terminou com um sorriso enorme, o orgulho brilhando intensamente em seus olhos.
- Joe, eu não fiz isso por eles. Fiz por mim – murmurei, constrangida.
- Não foi isso que a Inês contou por aí. Ela disse que você discursou calorosamente em prol dos menos favorecidos – ele contrapôs.
- Só porque agora eu sou uma das menos favorecidas – apontei.
- Tanto melhor – ele deu de ombros. – Desculpa pelo que eu vou dizer, Demetria, mas o seu avô tinha razão quando te obrigou a trabalhar aqui. Ele conhecia o seu potencial de liderança. Quando você estiver sentada na cadeira da presidência, vai saber como os funcionários se sentem, como dão duro. Eles não vão ser apenas um amontoado de números pra você, vão ver pessoas.
- P-presidência? – gaguejei. Eu na presidência? Joe era maluco? Eu provavelmente explodiria a empresa antes do fim do ano. – Peraí, Joe, eu não quero presidir nada!
Ele meneou a cabeça.
- Era o cargo do seu avô. Pensei que você quisesse assumi-lo – explicou, confuso.
- Não. Não mesmo. Nada de presidência.
Ele sorriu um pouco, tocando meu rosto com a ponta dos dedos.
- Você vai ter tempo para se acostumar com a ideia. Não precisa ter medo. Estou aqui para te ajudar – e seu polegar acariciou minha bochecha. – Conheço sua capacidade. Vou ser o primeiro a sugerir sua candidatura.
Com Joe me tocando daquela maneira carinhosa, me olhando daquele jeito íntimo e abrasador, como na noite anterior, ele podia ter dito que enormes verrugas verdes cresciam na ponta do meu nariz e a resposta seria a mesma que lhe dei:
- Seria ótimo!
Ele riu antes de me soltar e seguir para sua mesa.
Liguei para Sel para contar as novidades sobre o aumento salarial, minha súbita popularidade e o mais importante – os beijos de Joe e sua teimosia em fingir que não me desejava.
- Você precisa de ajuda – disse ela, empolgada. – Atacar com armas pesadas.
- Tipo o quê?
- Qualquer coisa minúscula com renda preta.
Suspirei.
- Pensei em começar de forma mais sutil. Se o Joe perceber o que estou tramando, vai fugir, tenho certeza. Pensei em um filminho em casa.
- Pode ser que dê certo. O Joe é todo certinho – disse ela. – Mas nada de pipoca, Demi. Aquelas casquinhas ficam presas nos dentes e não é nada atraente.
- Certo.
- Tenta suspirar. Os homens adoram quando as mulheres suspiram ao lado deles. E, por favor, nada de pantufas de dinossauro. Elas são lindinhas, Demi, mas nada sexy.
- Eu nem tinha cogitado essa hipótese... – menti.
- Boa sorte, amiga! Vou torcer pra dar tudo certo.
E eu para que Joe facilite minha vida. 

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