quinta-feira, 9 de maio de 2013

CAPÍTULO 39


Joe estava tenso enquanto dirigia pela cidade, ainda mais calado que o habitual. Quando estacionamos em frente ao restaurante francês elegante e esnobe – eu odiava o Le Jacques desde que fora convidada a me retirar após um bate-boca com o chef Jean-Jacques, que insistira em colocar chantili na minha mousse de chocolate, quando sabia que eu odiava chantili (rezei para que ninguém se lembrasse do ocorrido) -, Joe se adiantou ao manobrista e correu para abrir minha porta. Ficou ao meu lado, passou novamente a mão pelos cabelos, arrumou o nó da gravata pela enésima vez e expirou com força. Absurdamente tenso. Alcancei sua mão e entrelacei meus dedos aos seus, tentando acalma-lo.
Ele me olhou surpreso.
- Vai dar tudo certo, Joe – assegurei. – Ninguém é mais chato ou mais responsável que você naquela empresa.
Sorrindo gentilmente, ele apertou meus dedos com delicadeza.
- Obrigado, Demetria – e começou a me guiar, sem soltar minha mão, pelo salão decorado com muito ouro, flores e rendas delicadas.
Vô Marcus se reunia frequentemente com a diretoria de suas empresas. Logo de cara, reconheci todos os rostos que fariam parte da reunião. William Jhonson, um chato de galochas com olhar superior, Zachary Michael, um senhor de meia-idade com cara de prisão de ventre, e Heloisa Shutz, a única mulher da diretoria, bem-vestida num terninho profissional, com olhos rápidos e astutos que mascaravam seus quase cinquenta anos.
Cumprimentei a todos com a mão livre. Quando Joe precisou fazer o mesmo, apenas trocou uma mão pela outras em nunca me soltar. Outros três funcionários também estavam à mesa: Jeferson, o gago, e a esposa grávida, e mais dois homens – também com as esposas – que nunca se deram ao trabalho de me dizer bom dia.
Alguém tocou meu ombro. Hector Simione, o atual presidente da L&L Cosméticos.
- Você não sabe como fico feliz em revê-la, Demetria – disse ele, com o olhar inquisitivo que eu conhecia desde a infância. Ele fora, por muito tempo, vice-presidente da L&L e amigo da família. Depois da morte de vovô, assumira a cadeira deixada por ele. Sua pele azeitonada contrastava com os cabelos grisalhos, quase prateados, nas laterais da cabeça. Tive a impressão de que assumir a L&L contribuíra para o aumento dos fios brancos.
- Não tenho tanta certeza disso – resmunguei, me lembrando da ameaça implícita que ele fizera ao me ver na L&L em meu primeiro dia de trabalho.
Joe me cutucou, reprovando meu comentário, e me afastou dali.
- Me perdoem pelo atraso – se desculpou Clóvis, irrompendo no salão ostensivo do Le Jacques. – O transito estava péssimo. Boa noite, senhores, senhoras.
Enrijeci quando seus olhos pousaram sobre a minha mão entrelaçada à de Joe.
- Demetria – ele disse com um sorriso.
- Clóvis – tentei parecer confiante.
- Parece que decidiu não ouvir meu conselho – ele comentou sorrindo. – Você não ligou.
- Eu nunca fui muito boa em seguir conselhos, você sabe.
- Isso é verdade – ele sorriu, mas parecia preocupado.
- Joe! – chamou Hector. – Poderia explicar para a Heloisa sobre novos contratos com os árabes?
Joe me olhou por um segundo antes de soltar minha mão e se juntar aos diretores da L&L.
Clóvis ficou parado ao meu lado.
- Tenho a impressão de que você não entendeu o que eu disse – murmurou.
- Entendi, Clóvis. Você foi bem claro.
- Talvez não tanto quanto eu esperava. Você ainda insiste com essa farsa.
- Não é uma farsa – retruquei imediatamente.
- Demetria, estou realmente espantado com a sua obstinação. Esse seu capricho pode ser prejudicial, eu já lhe disse isso. Você devia aceitar o meu conselho, ou serei obrigado a...
- O quê, Clóvis? Você vai me mandar para o colégio na Suíça? Já passei da idade faz certo tempo... – zombei.
Ele suspirou exasperado, sacudindo a cabeça.
- Você é impossível. Seu avô teve certa razão ao ouvir os conselhos do Hector.
- Que conselhos?
- Sobre o testamento. Eu não contei que foi ele que sugeriu lhe nomear um tutor até que você estivesse casada? – suas sobrancelhas se arquearam.
- Não, não contou, mas vai contar agora – me virei, ficando de frente para ele.
- Poxa, me desculpe, Demetria – ele retirou os óculos, esfregou os olhos e exalou irritado. – Estou sob muita pressão.
- Tá certo. Agora fala.
- Quando você ligou de Amsterdã contando que estava na cadeia, mais uma vez, sr. Marcus ficou possesso – ele recolocou os óculos sobre o nariz. – Estávamos num jantar neste mesmo restaurante, seu avô, o Hector e eu. Depois de me pedir para acionar os advogados para tirar você da prisão, ele reclamou que precisava fazer alguma coisa a respeito da sua imaturidade.
- E...?
- O Hector mencionou um amigo com um caso parecido. Sr. Marcus ponderou e me pediu para fazer o testamento ali mesmo, na mesa. Eu tentei argumentar, juro por minha honra. Mas seu avô estava muito decepcionado com você. E, além disso, o Hector achou o arranjo muito apropriado e começou a ressaltar os benefícios que isso ia trazer a você...
- Ou a ele – completei surpresa, finalmente começando a entender algumas coisas. – Afinal, ele assumiu o posto do vô Marcus.
Clóvis franziu a testa, atônito.
- O que você está querendo dizer? – perguntou.
- Nada. Só estou tentando entender. Esse testamento não é coisa do meu avô. Por mais que ele estivesse furioso comigo, não acredito que faria isso sozinho.
- Demetria, ele fez. Eu estava lá. Fez por vontade própria.
Assenti, por hábito. Que vantagens aquele testamento traria a Hector além de assumir o comando do Conglomerado Lovato e ter oceanos de dinheiro sob seu controle?
Tudo bem, eu nunca morrera de amores por Clóvis nem ele por mim, mas eu não tinha por que desconfiar do que ele me dizia. Vovô confiava nele, e isso era motivo bastante para que eu também confiasse.
- Tudo que quero é que você seja feliz – ele falou. – eu devo isso ao seu avô. Por isso, pare já com essa besteira e aja como adulta. Era o que o seu avô esperava de você – e se afastou, juntando-se ao pequeno grupo de homens engravatados.
Levei algum tempo tentando assimilar o que Clóvis queria dizer com tudo aquilo, mas então todos começaram a se acomodar em seus lugares e Joe voltou a se postar ao meu lado e a segurar minha mão. Imediatamente deixei assuntos desagradáveis para depois. Ele apertou meus dedos diversas vezes, nervoso, agitado, entretanto essas emoções estavam muito bem escondidas sob sua expressão séria e profissional.
- Vamos acabar com o suspense de uma vez – anunciou Hector quando as bebidas chegaram. – Acho que vocês quatro já estão tensos o bastante. A diretoria da L&L analisou a carreira de cada um de vocês, e ficou claro que todos tem capacidade para chefiar o departamento de comercio exterior. Infelizmente, apenas um pode assumir o cargo. O que não significa que não possam ter um futuro brilhante na empresa. Como vocês sabem, empreendimentos diversificados fazem parte do Conglomerado Lovato, e no devido tempo precisaremos de pessoas capazes para dirigi-las. Com uma votação apertada, acabamos num
impasse – ele continuou. – Dois de vocês receberam a mesma quantidade de votos. Decidimos que Joseph Jonas e Jeferson Heart são igualmente capazes de assumir o posto de diretor do Comex. Por isso, o sr. Clóvis Hernandez, representante legal do fundador da empresa, tem a palavra final – ele apontou para o advogado. – Clóvis, está em suas mãos.
Joe ficou tenso ao meu lado, esperando o veredito, mas eu relaxei. Ele era o melhor dos indicados ao cargo, e Clóvis sabia disso.
- Dois jovens talentosos e bem-sucedidos. Ambos tão capazes e dedicados à empresa. É extremamente difícil escolher. Contudo... – Joe apertou minha mão ligeiramente – o Jeferson tem um pouco mais de experiência e acho que merece dirigir o departamento.
A decepção surgiu no rosto de Joe com a mesma rapidez com que desapareceu. Encarei Clóvis completamente perplexa, mas ele evitou meu olhar.
- Jeferson, você é o novo diretor do Comex.
Todos na mesa aplaudiram o novo diretor. Até mesmo Joe.
- Eu protesto! – me ouvi dizendo.
Escutei algumas risadas.
- Demetria, o que você está fazendo? – murmurou Joe.
- Demetria, querida – Hector sorriu. – Isso não é um julgamento. É uma reunião entre amigos.
- Não é o que parece – teimei, encarando-o. – Sinceramente, Hector, duvido muito que o meu avô agiria da mesma forma que o Clóvis ou que qualquer pessoa aqui. Se tem alguém que sabe como ele pensava, esse alguém sou eu. Acho que tenho o direito de expressar minha opinião. Vô Marcus gostaria de ouvir o que eu tenho a dizer. Ele sempre queria ouvir minhas opiniões.
- Claro que ele gostaria, Demetria – Hector explicou, um pouco relutante. – Nós também. Mas não numa reunião de diretoria. Depois de reaver seu direito de herdeira, ficaremos felicíssimos em ouvir suas ideias. No presente momento, a decisão foi tomada e deve ser acatada.
- Mas... mas... – olhei ao redor da mesa. Eu estava fazendo papel de boba. – Ok. Tudo bem. Eu vou retomar minha herança. Em breve – fitei Hector com obstinação. Ele nem sequer piscou. – E então muitas coisas vão ser diferentes por aqui. Meu avô dava muito poder á quem não merecia. Aposto que ele não conhecia as cobras peçonhentas que mantinha ao seu lado.
- Você está se referindo a quem, especificamente? – Hector quis saber.
- A ninguém.
Clóvis sorriu.
- Ela lembra muito o avô – comentou. – Demetria realmente tem o sangue dos Lovato.
- De fato. Marcus também tinha uma opinião forte sobre todo e qualquer assunto... – Hector sorriu saudoso, e então ambos desataram a relembrar animadamente as “memórias de velhos amigos”, ignorando-me totalmente.
Entornei minha taça de vinho. E mais outra. E mais algumas. Eu não estava feliz. Estava furiosa. Mais que furiosa, estava em chamas! Como Clóvis tivera coragem? Eu sabia o que estava acontecendo ali. Ele tinha ficado fulo da vida quando Joe o enfrentara no refeitório da L&L. Deu pra ver em seus olhos e punhos cerrados. E ainda insinuara que Joe estava exigindo favores sexuais para manter nosso casamento, o que era um total absurdo. Clóvis tinha uma impressão errada de Joe, completamente equivocada. Mas se vingar dele daquela maneira? Quantos anos ele tinha? Oito?
Eis o que eu deveria fazer: me levantar, olhar para cada um dos rostos à mesa e dizer, numa voz calma e contida, que Clóvis escolhera Jeferson apenas para punir Joe por tê-lo afrontado. Era o que eu deveria ter feito. Mas então Joe saberia que sua promoção naufragara graças a mim, ainda que indiretamente. Ele me odiaria. Pior ainda, se decepcionaria comigo.
O jantar prosseguiu com conversas soltas e descontraídas, das quais Joe participava animado, mas eu podia imaginar quanto aquilo lhe custava. Clóvis me olhava furtivamente vez ou outra e sorria com pesas. Não toquei na comida. Pensar em Justin, em como a promoção de Joe ajudaria a melhorar seu tratamento, ou ao menos seu conforto, e em como Clóvis fora mesquinho me revirava o estomago. Eu entornava uma taça de vinho atrás da outra e olhava fixamente para o advogado cabeçudo e atarracado, esperando que minha raiva o fritasse.
- Por que você fez isso? – perguntei a ele, num sussurro.
- Sinto muito se o resultado não lhe agradou. Fiz o que considerei correto – ele murmurou, constrangido.
- Não, não fez. Você escolheu o Jeferson porque o Joe não vai com a sua cara.
- Não, Demetria – ele sacudiu a cabeça, extenuado. – Escolhi o Jeferson por ser mais adequado ao cargo. Minha discordância com Joseph não teve nenhum peso na minha decisão.
Como se eu acreditasse naquilo.
- Vá se ferrar! – me ouvi dizendo mais alto do que pretendia e, apesar da conversa fluida que rondava a mesa, acabei atraindo alguns olhares.
- Está tudo bem? – Joe perguntou delicadamente.
Não dava para ver a decepção em seus olhos, ele a mantinha bem trancada.
- Não – murmurei de volta. – Não estou bem. Nada está bem!
Ele me olhou interrogativamente, mas Hector lhe perguntou alguma coisa que o fez desviar os olhos. Eu mal conseguia respirar. Precisava de ar precisava de ajuda.
Corri para o toalete, esbarrando em algumas mesas no caminho e não me importando com isso. Fechei a porta do banheiro decorado em mais tons de dourado e branco, e me apoiei na grande bancada em frente ao espelho.
Tudo pra nada! Todo o trabalho, o esforço e a dedicação de Joe nos últimos anos não valeram de nada. Seu sacrifício ao se casar comigo não valera de nada. Tudo que ele havia almejado acabara de ruir diante de todos. Se eu não tivesse me medido em sua vida, ele e Clóvis jamais teriam se estranhado e tudo estaria bem.
- Tudo culpa minha. Droga! – encostei a testa no espelho e fechei os olhos, desamparada.
Então senti a coisa mais estranha do mundo. Senti como se alguém – não qualquer pessoa, mas alguém específico, alguém que eu sabia que jamais voltaria a fazer aquilo – acariciasse meus cabelos. Foi tão real, tão familiar, que abri os olhos instantaneamente, apenas para me deparar com próprio reflexo.
Eu estava absolutamente sozinha.
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Presentinho para vocês!

Um comentário:

  1. anwww, meentira véi, clóvis é um idiota como ele pode não dar a promoção a Joe idiotas, arrrg, sabe o que eu acho? que nem clóvis e nem hector prestam, não sei porque isso, mas eu acho u_u se não for os dois pelo menos um deles é do mal.
    Poosta looogo, pleeease, xo

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