Assim que entrei em casa, me lembrei da existência de Clóvis. Era difícil não notar o advogado atarracado carregando um amontoado de documentos escada acima.
-Ah, Demetria! Como foi seu primeiro dia na empresa? - ele quis saber, virando-se para me observar e deixando cair alguns papéis.
- Péssimo! Mas tenho certeza que você já sabia. – subi alguns degraus e o ajudei a recolher as folhas caídas. Lancei um olhar rápido para a papelada; eram antigos documentos de vô Marcus. Entreguei tudo a ele e me afastei um pouco.
- Preciso arquivar tudo isso – ele comentou em voz baixa, como quem se desculpa. – Espero que esteja com fome. A Telma está na cozinha ajudando a Mazé com o jantar.
- Ah- exclamei, sem nada melhor pra dizer. Eu já conhecia Telma dos jantares que ela acompanhava o marido e que o vovô me obrigava a freqüentar. Não era uma mulher desagradável, apenas um pouco sem noção. – Vou... vou dizer oi então.
Comecei a descer a escada, mas Clovis me chamou.
- Fiz algumas mudanças no escritório do seu avô. Espero que você não se importe.
Não respondi. Desci a escadaria apressada, evitando passar pela porta do escritório. Eu não queria ver as mudanças. Não queria que outra pessoa usasse aquela sala. Não queria nada daquilo!
Telma estava dando ordens a Mazé, e, pelo olhar da cozinheira e o modo como cortava a cenoura com um cutelo, entendi que eu não era a única insatisfeita com os novos moradores.
- Demetria, amada! Eu estava ansiosa para ver você- disse Telma, abrindo os braços e me envolvendo num abraço sufocante. – Uma pena que seu avô tenha partido desse jeito. Eu sinto tanto!
-Hãã...obrigada.
-Mas não se preocupe com nada. Vou cuidar de tudo pra você – ela me soltou, dando um tapinha em minha bochecha. – Vamos viver como uma família! Você, o Clóvis e eu seremos muito felizes, pode apostar. Adorei a decoração do seu quarto. Foi você mesmo que escolheu as cortinhas?
- Você entrou no meu quarto? – perguntei horrorizada.
Ela acenou com a mão fina e cheia de anéis.
- Só para conhecer melhor a casa. Aquele seu closet é maravilhoso. Falei com Clóvis sobre ele. O que temos no nosso quarto não é tão espaçoso.
Pisquei, atordoada. Nosso quarto? Desde quando Telma e Clóvis tinham qualquer coisa que fosse deles na casa do meu avô? Na minha casa?
- Partes dos meus sapatos ainda está em caixas- ela prosseguiu. – O Clóvis sugeriu que eu usasse o closet do quarto ao lado, mas prefiro ampliar o nosso quarto e ter todos os meus lindinhos pertos de mim. Você não se importa, não é? Aquele quadro sobre sua cama é um legitimo Renoir?
- Hã...é- resmunguei atordoada.- Telma, se você não se importar, gostaria que não entrasse no meu quarto enquanto eu estiver fora.
- Ah, Amada! Eu não quis ser enxerida! –ela tentou me abraçar, mas me esquivei rapidamente. – Só quero que sejamos amigas. Melhores amigas. Pode me chamar de mamãe se quiser.
- A menina já tem mãe- Mazé resmungou, fincando o cutelo na tabua de carne e abrindo a geladeira à procura de alguma coisa. Lancei-lhe um agradecimento mudo.
- Vou tomar banho- eu disse, desejando escapar de Telma o mais rápido possível.
- Ah, maravilha! O jantar esta quase pronto, não é mesmo, Mazé?
- Sim, senhora- a cozinheira grunhiu, lançando um olhar perigoso para a mulher. Telma precisaria tomar cuidado com Mazé enquanto ela tivesse com o cutelo assim, a mão. – Mas sugiro que me deixe terminar o jantar. Faço isso há anos, não preciso de supervisão.
Telma soltou um risinho estridente.
- Ah, amada, claro. Fiquei tão empolgada que não percebi que estava atrapalhando. Que lapso! – ela alisou com tapinhas gentis a franja empinada e dura de laquê. – Vou ajudar o Clóvis com a mudança no escritório. Me desculpe, Demetria, mas o seu avô não tinha o menor bom gosto. Aquela sala precisa de cor!- ela me deu um beliscão na bochecha antes de sair remexendo os quadris esguios.
Retirei o cutelo da tábua.
- Vamos, Mazé. Você segura e eu faço o resto.
- Não, menina! – ela disse, segurando meu braço e rindo um pouco. - Eu gosto do seu plano, mas acho melhor deixar essa mulher viva. Se você for para cadeia outra vez, duvido que o Clóvis te ajude. Eu não gosto desse homem. – Ela estreitou os olhos em direção a sala, de onde vinha a voz estridente de Telma. – Nem da mulher dele.
-Eu também não, Mazé. Mas não quero o seu dinheiro. Vou me virar sozinha dessa vez e provar que o meu avô estava errado a meu respeito.
- Espero que não se meta com nada ilegal.
Revirei os olhos
- E quando foi que eu fiz isso? - Assim que ela abriu a boca para responder, dei um beijo rápido em sua bochecha e saí correndo antes que ela pudesse me lembrar da bomba no banheiro do colégio que Sel e eu acidentalmente detonamos. A oitava serie não foi tão ruim assim afinal...
Tomei um banho demorado, desejando evitar o confronto com minha nova babá e sua adorável mulher. Por fim, desistir. Aquela coisa de acordar cedo e trabalhar o dia todo, tinha me deixado faminta.
Desci para o térreo um tanto ressentida. Eu me perguntava o que aquela gente estava fazendo ali, usurpando as coisas do meu avô daquela maneira. Eu ainda estava furiosa com o vô Marcus - muito, pra falar a verdade -, mas qual é? Colocar aqueles dois ali para me vigiar? Meu avô realmente achava que eu não seria capaz de enrolar o casalzinho e escapar? Seria mais fácil que entrar sem pagar em um show de rock. Não que eu já tivesse feito isso...
O casal já estava à mesa quando cheguei à sala de jantar. Clóvis, claro, sentado à cabeceira. No lugar do meu avô. Meu estomago retorceu.
Eles não viram quando me aproximei.
- Tem muita coisa para resolver. Diversos contratos não assinados, transações inacabadas, muito trabalho a ser feito- Clóvis lamentou. – Creio que não vou poder levar você aos Andes, Telma.
- Ah, amado! Não diz isso! Estou esperando por essa viagem há meses.
-Desculpa, Telma. Não posso me ausentar agora. Preciso resolver todos os assuntos inacabados do Marcus.
- Isso não está certo, Clóvis! – ela espalmou as mãos sobre a mesa. Planejei nossa viagem durante meses. Porque temos que adiar nossos planos só porque o homem morr...
Cheguei no meu limite.
-Termina- exigi, ficando a vista dos dois, com punhos fechados ao lado do corpo.
Clóvis suspirou exasperado e Telma recuou na cadeira, surpresa, rosto pálido como osso.
- Ah, desculpa, amada. Eu não quis dizer isso, só...
- Não, claro que não – interrompi, furiosa. – Desculpa Telma, se o meu avô morreu e melou seus planos. Pode acreditar que eu ficaria muito feliz se o seu marido estivesse livre para te levar a qualquer parte do planeta.
- Meu bem, eu..
Enrijeci imediatamente e, antes que fizesse alguma besteira, como, digamos... me jogar sobre Telma e fazê-la engolir os talheres na transversal, decidi ir embora.
- Onde você vai a essa hora, Demetria? Já é tarde- Clovis se levantou e veio atrás de mim. – Você ainda não comeu.
- Perdi a fome. E você não é meu avô, Clóvis. Pare de tentar agir como ele – cuspi.
Voei para a casa de Sel e contei a ela todo o ocorrido, do meu dia na L&L ao jantar com a dupla sem noção.
- Pensa, Demi! Tá cheio de advogados na L&L, um andar inteiro deles! Talvez alguém queira ajudar a futura dona. Você só precisa encontrar a pessoa certa- disse ela, enquanto pintava as unhas dos pés de vermelho-rubi, sobre o lençol branco da cama.
- Você não entende! Todo mundo na L&L me ignorou. Não sei por quê, mas é assim que as coisas são. Ninguém vai me ajudar.
- Talvez não agora, por ser tudo muito recente, mas você sabe como fazer amigos- ela rebateu.- Se der abertura, se piscar esses seus olhos castanhos, eles vão ficar caidinhos por você.
- Até parece! – revirei os olhos, me deixando cair no colchão.
- Não mexe a cama! Vou borrar tudo!
- Desculpa.
- Tudo bem, já tô terminado mesmo. E faça o que seu avô pediu. Ele deve ter planejado mais que uma carreira de secretaria para você. Talvez seja apenas um teste e, se você não voltar, vai falhar e nunca vai saber.
Suspirei, cobrindo a cabeça com o travesseiro para abafar o grito. Eu não queria voltar para aquele lugar cheio de andares e pessoas ríspidas, musculosas e mal-educadas, com a barba por fazer e que me deixavam inquieta. Mas talvez vovô tivesse deixado mais cartas...
Com toda a tagarelice de Telma, acabei me esquecendo de perguntar a Clóvis sobre a mensagem.
- Tudo bem. Eu volto para o purgatório.
- Ótimo! Então vamos pintar suas unhas. Que tal trocar esse preto por algo mais colorido? –ela sorriu candidamente, observando minhas mãos.
- O que tem de errado com o preto? – escondi os dedos sob os quadris.
- Nada, mas você usa unhas pretas desde... Meu Deus, Demi! Você nunca usou outra cor! O que custa me deixar passar um rosinha ou..
- Pode parar! Nada de rosinha! Eu gosto de preto.
- Um vermelho, então...
Uma batida na porta me salvou de acabar com unhas rubras com uma pinup.
- Meninas, estou saindo e não tenho hora para voltar – a cabeça de Mandy apareceu no vão da porta. Ela estava maquiada, com os cabelos negros, iguaizinhos aos da minha amiga, perfeitamente escovados. Estava linda, como sempre.
- Outros encontro, mãe? - Sel choramingou sem desviar os olhos dos próprios pés.
- Selena, eu sou divorciada e maior de idade. Posso ter quantos encontros eu quiser. Se decidirem sair, não voltem muito tarde. Amanhã é dia de trabalho.
- Tá bom, mãe.
Mandy estava fechando a porta, mas se deteve.
- Está tudo bem, Demetria? _ perguntou. – Você parece triste.
- Só estou cansada- sorri um pouco. – Dia ruim no trabalho.
Ela assentiu, complacente.
- Pobrezinha. Vai melhorar, você vai ver. No começo é difícil, mas depois você pega o jeito e nem percebe mais o que está fazendo, entra no piloto automático.
Estremeci. Mandy era dentista, não deveria trabalhar no piloto automático. Não enquanto tinha nas mãos seringas com agulhas gigantescas e brocas barulhentas.
- Tomara.- respondi
Com uma piscadela graciosa, ela fechou a porta.
Sel soltou um longo suspiro.
- Honestamente, minha mãe já passou da idade de sair por aí com caras que mal conhece.
- Não concordo. Ela é jovem e linda. Não tem que passar o resto da vida sozinha só porque o primeiro não deu certo – resmunguei, pegando uma revista de moda folheando-a de trás para frente.
- Eu sei. Acho que só estou com um pouco de inveja por não ter um encontro, ou pelo menos a perspectiva de um – ela confessou.
- Podemos dar um jeito nisso. Quer sair?
- Não. Você passou por muita coisa hoje. Vamos ficar em casa, ver um filme antigo e nos entupir com chocolate que eu trouxe – ela fechou o vidrinho de esmalte e admirou seu trabalho.
lindo demaaais, digo e repito tadinha da Demi, só eu que estou achando que esse clovis é do mal e que vai tentar fazer alguma coisa ruim??
ResponderExcluirPoosta looogo, pleeease, xoxo
e te digo que só está começando...
ExcluirPooosta outro hoje pleeease, ta lindo deemais, beeijos <3 C. Shay
ResponderExcluirpoosta logo, to amando essa história, beeeijos
ResponderExcluirEsse Clóvis cheira a sacanagem não sei porquê? E a casa ainda é da Demi eles só são tutores e querem
ResponderExcluirMudar já assim as coisas a Thelma parece que o sonho dela se realizou
Estou com tanto ódio como a Demi ta
Adorei o capitulo!
ResponderExcluirDesculpa não estar comentando.
Não sei se posso pedir um favor. Fernanda, você tem Facebook e gostou do meu blog? Eu criei uma página para ele. É essa: http://www.facebook.com/DSP.Historias
Se quiser curta.
Obrigada desde já.
Posta logo.
Bjs :)
já estou curtindo, e tudo vc não estar comentando, até pq não estou podendo comentar também mais assim que possível comento no seu blog também.
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