quarta-feira, 17 de abril de 2013

CAPÍTULO 4


- Me deixa ver isso! – pedi, arrancando o papel das mãos do homem de estatura média em formato de barril. Estava mesmo tudo ali, assinado e registrado. – mas... por quê? 
- Seu avô temia que, se toda a fortuna ficasse em suas mãos incapazes, você acabaria numa... 
- Vala como indigente – completei de maneira automática. – Ele cansou de me dizer isso. 
- Então, de certo não é nenhuma grande surpresa, não é? – ele arqueou uma sobrancelha grossa. – Demetria, o sr. Marcus sempre se preocupou com você. Esse testamento foi redigido no dia em que você foi presa na Holanda. 
- Ah, pelo amor de Deus! Holanda outra vez, não! 
- Sim, Demetria. Holanda outra vez. Aquele incidente deixou seu avô apavorado. Não é segredo que você sempre fez o que bem quis. E, apesar de fechar os olhos algumas vezes, sr. Marcus sempre soube tudo que se passava com você. Assim, quando você telefonou de Amsterdã pedindo ajuda, ele compreendeu que seria necessária uma mudança drástica para fazer com que você entendesse os tipos de riscos a que se submete. Eu tentei argumentar com ele sobre essa cláusula do casamento, mas, acredite, ele estava irredutível. Você conhece seu avô. 
Ah, sim, eu conhecia. Exatamente por isso estava tão chocada com o conteúdo do documento. 
-Meu avô não faria isso. Ele nunca me obrigaria a casar. 
- E não está obrigando agora – disse ele calmamente. – é uma imposição sem data. Você é quem decide quando, como e com quem. 
- Quanta consideração – murmurou minha amiga. 
- Isso não está certo! – exclamei. – Por que tenho que me casar? Eu só tenho vinte e quatro anos. Quem se casa nessa idade? Eu não quero me casar. Não vou me casar nunca. 
- Você conheceu os princípios de seu avô. Ele achava que um marido talvez fizesse você adquiri um pouco de maturidade, de sensatez. E, caso você nunca venha a contrair matrimônio, eu serei para sempre o curador, o tutor de sua herança. Infelizmente, você não terá acesso ao dinheiro ou aos lucros. Deverá se manter apenas com seu trabalho. 
- Eu não vou me casar – repeti teimosamente 
- Não agora, mas um dia, quem sabe... – ele deu de ombros. – Até lá, continuarei fazendo o que fiz nos últimos anos. Cuidarei de seu patrimônio. 
- E vou viver do quê, Clóvis? Como vou pagar as despesas dessa mansão? 
Ele contornou a mesa e se sentou lentamente na beirada. Não gostei daquilo. Tive de me controlar para não voar em seu pescoço. Aquela era a mesa do vô Marcus. Ninguém encostava a bunda na mesa do vô Marcus! 
- Demetria, essa casa é parte da herança – ele disse num muxoxo. 
- E...? 
- E quer dizer que você foi despejada – concluiu Sel, que assistia a tudo com os olhos muito abertos. 
Olhei para Clóvis horrorizada. 
- É isso? Estou sendo expulsa da minha própria casa? 
Aquilo não podia estar acontecendo. Não depois de tudo que eu tinha passado nos últimos dias. 
- Não, claro que não – ele respondeu, ainda muito calmo. – Mas como seu tutor, eu vou cuidar de tudo, das despesas, dos empregados, já que vamos viver sob o mesmo teto. 
- O quê?! – exclamei mortificada. 
Não que eu não gostasse de Clóvis,  tudo bem, eu não morria de amores por ele desde que o sujeito sugerira a meu avô que me mandasse para um colégio interno, e, com a quantidade de cômodos naquela casa, talvez eu nem notasse sua presença. Mas não era isso que me incomodava. Eu sabia o que aquilo significava. Meu avô havia me deixado uma babá. 
- Isso é um absurdo! Eu não preciso de babá coisa nenhuma. 
- Tutor, Demetria. 
- Dá no mesmo, Clóvis! 
- Eu sinto muito. Seu avô deu as ordens, eu apenas executo – ele respondeu sucinto. 
- Oh, Deus! Isso não pode estar acontecendo. Quer dizer que eu não vou herdar nada? 
- Não até se casar. 
- Mas como... Onde... E as minhas despesas? Eu preciso de dinheiro pra abastecer o carro, comprar minhas coisas. 
- Por isso seu avô lhe deixou um cargo vitalício em uma das empresas do grupo. Para que você tenha dinheiro para se sustentar. Ele jamais te deixaria a míngua – ele sorriu. 
Ah, não. Só me forçava a trabalhar! Mas, pensando bem, não parecia tão mal assim. Provavelmente um cargo de chefia ou gerência seria razoavelmente bem remunerado. Daria para me virar por um tempo, até que eu conseguisse contestar aquele testamento absurdo. 
- Devo alertar que, se você tentar contestar o testamento, perderá o direito legal à herança. Seu avô imaginou que você faria algo do tipo – Clóvis disse reunindo a papelada, como se tivesse lido meus pensamentos. 
- Ah, ele pensou em tudo – Sel respondeu, ecoando o que se passava na minha cabeça. 
- Tudo vai continuar como sempre foi – o advogado explicou, paciente. – Você só vai ter que se adaptar à sua nova situação financeira. Você tem um teto e um emprego. O resto é por sua conta. 
- Se vou ter que me casar pra ter direito à herança do meu avô, pode esquecer. A União pode ficar com tudo. Não tenho namorado, não acredito na instituição do casamento, não vou me casar só porque meu avô quer. Se ele quisesse me ensinar alguma coisa, que ficasse vivo pra isso! 
Levantei-me às pressas e saí correndo da biblioteca, subindo a escada de dois em dois degraus. 
- Demi! – chamou Sel, mas eu já estava trancada em meu quarto, jogada na cama, amaldiçoando meu avô por ter morrido. 
- Eu não te perdoo nem nunca vou te perdoar! Está me ouvindo, vovô? Como você pôde fazer isso comigo? Eu te odeio! – chorei. Não sabia ao certo o que doía mais, a falta de confiança em mim ou ser tratada como uma criança birrenta. O que, pensando bem, dava no mesmo. 
Sel entrou no quarto e se deitou ao meu lado. 
- Vai dar tudo certo, Demi. Vai ficar tudo bem – sua mão acariciava meus cabelos. 
- Como? O que eu vou fazer agora, Sel? Estou sozinha, tenho uma babá, que, aliás, nunca fui muito com a cara, estou sem dinheiro e vou ter que trabalhar! – voltei a chorar. 
- Você não está sozinha. Eu estou aqui. Vamos dar um jeito nisso. 
Sentei-me e sequei os olhos. 
- Vamos? – perguntei com a voz fraca. – Como? 
- Não tive tempo de pensar nessa parte ainda... – seu rosto anguloso se tornou pensativo, os olhos castanhos amendoados brilharam. – Mas o Clóvis disse que nada vai mudar de verdade. Você precisa acreditar nisso. 
- Você acredita? – questionei, secando as lágrimas. 
Ela hesitou, mordendo o lábio. 
- Não – respondeu por fim. – Mas, se as coisas ficarem ruins, você sabe que pode contar comigo, não sabe? A gente resolve isso juntas. – Ela pegou minha mão e entrelaçou os dedos aos meus. 
Naquele instante, olhando para o rosto delicado de Sel, me arrependi de todos os pensamentos que tive a respeito de estar sozinha. Sel estava ali. sempre esteve. Sempre estaria. Amigas ficam ao seu lado nos momentos bons, mas apenas as melhores seguram sua mão nos momentos ruins. 
- Quer que eu fique aqui hoje? 
Assenti, ainda choramingando. 
Ela ligou para a mãe avisando que passaria o dia comigo e dormiria na mansão naquela noite. Em seguida, se esforçou para me distrair com assuntos banais. Contou em detalhes como quase teve seu carro pisoteado quando tentou chegar à igreja. O caminhão tombado esparramou latas e garrafas de cerveja por toda a avenida, e a mercadoria atraiu centenas de pessoas, que se estapeavam tentando pegar alguma coisa. Mas nem seu relato divertido adiantou. Em desespero de causa, ela apelou para a TV, para o seriado sobrenatural que adorávamos. Também não resolveu. 
Descemos para comer e fiquei paralisada quando vi Clóvis entrando pela porta da sala, seguido por Ataíde, com os braços cheios de malas. 
Ao pé da escada, o advogado parou e retirou um calhamaço de papéis do bolso do casaco. Parecia muito constrangido. 
- Desculpe por tudo isso, Demetria. Essas são suas cópias do testamento – e me entregou o bolo de documentos. – E essa... – tirou um envelope do bolso do paletó  e estendeu para mim – é sua carta de admissão. Você começa a trabalhar amanhã. Não se atrase, por favor. 
Peguei o envelope com raiva. 
- isso não vai durar muito, Clóvis – alertei, embora não tivesse ideia de como mudar minha situação. 
Deserdada. Como eu tinha conseguido ser deserdada? 
- Se precisar de qualquer coisa, estou à disposição – ele ofereceu solícito. – Anotei o número de meu celular nos documentos. 
- Vamos, Demi. Você precisa comer – Sel me puxou em direção à cozinha, claramente na intenção de me afastar do mensageiro da desgraça. Deixei-me ser arrastada, para não cair na tentação de descontar minha ira no nariz de Clóvis. 
Assim que me sentei, ela pegou o envelope referente ao meu emprego. 
- Ah, Demi! Você vai para a L&L Cosméticos! Que máximo! Vai poder descolar muitas amostras grátis. Acho que pode até gostar do seu novo emprego. O que será que o seu avô que que você faça por lá? 
- Que eu entre nos eixos, Sel. – Dei de ombros. – E é isso que me assusta...

4 comentários:

  1. Respostas
    1. lindo como sempre haha' poooosta looogo, pleeease, beeijos

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  2. Posa logo, ta lina essa história, muito mesmo haha' Poosta, xoxo
    C. Shay

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  3. Demi tbm é muito insatisfeitA. Casa comida e roupa lavada do tem qe trabalhar um pouco, mas entende-se qe é algo qe não esta habituada

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