segunda-feira, 15 de abril de 2013

CAPÍTULO 1

A balada não foi das melhores naquela noite. Não compensou todo o trabalho que tive para sair às escondidas de Vô Marcus, que me proibiu mais uma vez de sair durante a semana. Cheguei em casa mais cedo que de costume, por volta das quatro da manhã, louca para cair na cama. Nuvens pesadas cobriam a lua, deixando a casa muito sombria. Sempre achei a mansão meio assustadora ao cair da noite, mais vovô adorava – tinha boas recordações incrustadas nas paredes cor de creme.
Para não atrair atenção, subi sorrateiramente os degraus da escada dos fundos que ligava a cozinha ao andar de cima, mas que obrigatoriamente me fazia passar pelo corredor do quarto de meu avô. Prendi a respiração, tentando fazer o mínimo de ruído possível ao passar pela porta branca com entalhes delicados. Meu esforço foi inútil, claro.
- Demetria! – chamou vovô, numa voz baixa, porém firme.
Suspirei pesadamente, soltando os ombros antes de abrir a porta e enfiar a cabeça por uma fresta no quarto iluminado apenas pela luz do abajur.
Vovô estava sentado na enorme cama, um livro nas mãos, o rosto desapontado.
- Você achou mesmo que eu não notaria sua escapadinha? Não acha que é um pouco tarde para estar indo para a cama? – quis saber vô Marcus, me observando por sobre os óculos.
- Tecnicamente é cedo, já que tá quase amanhecendo...
- Entre, Demetria – ele ordenou.
Grunhi, tudo que eu queria era ir para minha cama, de preferência sem levar bronca. Contudo, eu sabia que vovô correria trás de mim até soltar todos os cachorros. Era inútil tentar escapar.
Arrastando-me bravamente, como um condenado à cadeira elétrica, me sentei no pé da cama.
- Onde você estava? – ele indagou, a testa enrugada, os cabelos grisalhos ligeiramente desarrumados.
- Com a Sel. Era aniversário dela. – Sel era minha melhor amiga desde... bom, desde que eu me lembrava. Nós nos conhecemos no maternal e, depois que ela me salvou de um monstro horrível no parquinho do colégio, nunca mais nos afastamos. Éramos inseparáveis.
- Claro. Ela está com quantos anos agora? Cento e três? Porque nos últimos dois meses você foi a pelo menos oito festas de aniversário da sua melhor amiga.
Droga!
- Eu disse aniversário? Eu quis dizer despedida de solteira.
Vovô suspirou.
- Demetria, eu já sou velho o bastante para saber quando estão querendo me enganar – ele fechou o livro com um movimento brusco e tirou os óculos de leitura. – Eu não entendo. Sempre dei tudo a você, nunca lhe faltou nada. Acho que o problema foi exatamente esse, não é? Acabei mimando você demais. Você é uma mulher adulta há algum tempo. Tem vinte e quatro anos, mas ainda age como uma adolescente irresponsável. Quando vai criar juízo, querida?
-Vovô, eu...
- Isso não é hora de voltar pra casa, ainda mais numa terça-feira. Já se deu conta de que você passa todas as noites e madrugadas na rua, só Deus sabe fazendo o quê?
- Eu não estava fazendo nada errado. Eu nunca faço nada errado – me defendi.
Seus olhos castanhos, exatamente da cor dos meus, se estreitaram, as rugas ao redor tornaram tudo mais ameaçador.
- Precisei enviar três advogados a Amsterdã para livrar você da cadeia. Amsterdã, Demetria! – ele frisou, o rosto duro. – Onde tudo é permitido! Evidentemente, você teve que encontrar uma forma de mudar isso...
- Foi um mal entendido, eu já expliquei! – Ninguém nunca me deixaria esquecer aquela história? Caramba! Uma garota não podia cometer um errinho de nada?
- Tunísia. Bulgária – ele continuou a apontar meus erros. – Aquela noite em que você foi parar no hospital por causa de um coma alcoólico... Tudo não passou de um mal entendido?
- A prisão na Tunísia eu já expliquei, foi abuso de autoridade. A da Bulgária... – suspirei, tentando lembrar o que havia me levado a participar daquela passeata. Na época, protestar nua com outras oitocentas pessoas pareceu tão bacana... – Ok, não tenho desculpa pra essa. E eu me excedi um pouco na formatura da Sel, o que é normal pra alguém da minha idade - baixei os olhos para o lençol branco.
- Nada disso aconteceu comigo nem com o seu pai ou qualquer amigo dele. Não creio que seja normal – ele suspirou pesadamente. – Demetria, nem sempre estarei por perto para salvar você das encrencas em que se
mete. Estou velho e não agüento mais ver você brincando com a sua vida. Às vezes, me arrependo de não ter ouvido o Clóvis. Devia ter mandado você para um colégio na Suíça. Seu pai e sua mãe, que Deus os tenha, devem estar se remoendo de preocupação. Eu temo que, quando eu me for e deixar tudo por sua conta, você vai acabar sem nada, passando fome e ...
– blá, blá, blá. Eu já conhecia bem aquele sermão. Fiquei esperando que ele chegasse à parte em que seria enterrada como indigente e nem teria direito a um enterro cristão, o que me impediria de ir para o céu encontrar meus pais e viver feliz para sempre na chatice do Paraíso. – ... você vai passar a eternidade vagando por aí. Uma alma condenada. É isso que você quer?
- Ok. Eu juro que amanhã vou ficar em casa e fazer algo bem entediante – prometi, desejando escapar o mais rápido possível para minha cama, a duas portas de distância.
- Não quero que fique em casa – ele apontou. – Quero que crie juízo e entenda que a vida é muito mais que festas e rapazes.
Eu duvidava muito.
- Você precisa é de um bom homem ao seu lado. Alguém que lhe mostre o verdadeiro sentido da vida, precisa de um marido. – Lá vamos nós outra vez, pensei desanimada. – Se você se apaixonasse de verdade por um homem bom, um homem digno, de caráter, e conseguisse manter esse relacionamento a ponto de leve-lo ao altar, isso significaria que finalmente amadureceu.
- Tá bom, vovô. Vou tomar jeito, prometo, mas sem marido nessa história, ok? Agora descanse um pouco. Já está tarde, você acorda muito cedo. Teve aquela dor de cabeça de novo? – perguntei, tentando mudar o foco da conversa.
Ele sacudiu a cabeça.
- Não tive. Mas você me tira o sono, Demetria..
- Desculpa – eu disse sinceramente. Não gostava de causar aborrecimentos a vovô. Ele era tudo que eu tinha; minha família inteira se resumia àquele homem de setenta e dois anos, dono de um bom humor ímpar e do sorriso mais carismático que eu conhecia. – Não precisava ter me esperado acordado.
- Não consegui dormir. Aproveitei para ler um pouco. – Ele voltou a abrir o livro e colocou os óculos sobre o nariz reto.
Respirei aliviada. O pior já tinha passado.
- Ainda não decorou esse livro?- brinquei. – Você o lê três vezes por ano!
- Há muito que aprender com Sun Tzu, querida. Você devia ler. Esse livro contém estratégias que podem ser aplicadas em todos os aspectos da vida. Pode ajudar num momento de dificuldade.
- Certo. Quando estiver em guerra com alguém, eu leio. Mas, vovô, andei pensando sobre essas suas dores de cabeça. Você andou tendo muitas ultimamente. E posso apostar que escondeu outras tantas de mim. Elas estão cada vez mais freqüentes, não estão? Não acha melhor irmos à clínica para fazer alguns exames?
- Eu já fui, não se preocupe. É apenas uma enxaqueca. Quer adivinhar a causa? – ele ergueu uma sobrancelha, mas estava sorrindo.
Fechei a cara, cruzando os braços sobre o peito.
Vovô riu. Eu adorava sua risada. Era tão rica e forte quanto um abraço e me desarmou completamente.
- Boa noite, vovô – me levantei e beijei sua testa.
- Boa noite, querida. Por favor, tente me ouvir, pelo menos desta vez...
Assenti e rapidamente alcancei a porta, mas, quando meus dedos tocaram a maçaneta, um raio rasgou o céu, anunciando a tempestade que se aproximava. Congelei.
- Hã... acho que vou dormir aqui com você, vovô. Vai que você precisa de alguma coisa no meio da noite.
- Por que eu precisaria de alguma coisa? – ele me perguntou zombeteiro, olhando pelo vidro da janela.
Um estrondoso relâmpago clareou todo o quarto. Corri para a cama e me enfiei debaixo do lençol.
- Vai saber! Vou ficar aqui só pra garantir – eu disse, me encolhendo como uma bola.
- É, tem razão. Eu posso precisar de alguma coisa. – Ele colocou o livro sobre a mesa de cabeceira, guardou os óculos e me estendeu a mão. Agarrei-a sem pestanejar. – Parece que vai cair o mundo. Eu posso sentir medo.
- Arrã – murmurei, me contraindo e apertando os olhos quando mais um estrondo ribombou pelas paredes do quarto.
- Vai ficar tudo bem, querida – ele disse, passando o braço ao meu redor. - Vovô está aqui.
- Eu não estou com medo, você sabe – esclareci.
- Eu sei que não – ele abriu seu sorriso cheio de rugas, que aquecia meu coração e me fazia sentir segura e protegida. – Mas sabe... sinto falta disso. Quando você era menor, eu tinha que praticamente expulsar você da minha cama toda noite.
- Eu lembro. Mas não era medo. Era... Seu colchão sempre foi mais macio que o meu.
Ele riu, abafando um pouco do murmúrio furioso da tormenta que agora caía pesada lá fora.
- Ah, Demetria, minha pequena princesa. O que teria sido desse velho sem você e suas historinhas malucas durante todos esses anos?
- Você não é velho! É experiente! E sua vida seria... – me encolhi quando um raio pareceu cortar o quarto ao meio – mais calma se eu fosse uma neta mais ajuizada.
- Sim, mas não seria mais você. Eu te amo do jeito que você é. Só gostaria que fosse mais prudente e responsável. – Ele beijou o topo da minha cabeça. – Tire os sapatos ou amanhã vai ficar dolorida.
Obedeci. Vovô permaneceu ao meu lado, com o braço protetoramente ao meu redor, até que os barulhos se tornaram mais brandos. Comecei a relaxar. Apaguei logo em seguida.
Pouco depois – ao menos foi o que pareceu - , meu celular tocou, me despertando. Ainda estava no bolso do meu jeans.
- Seja lá quem for, é uma pessoa morta – resmunguei.

4 comentários:

  1. Gosteii, de verdade. Porque os avos Sao bem melhores que os pais? Va lá saber! Ta giro

    ResponderExcluir
  2. Liindo demais, aff o avo de demi é legal, nao devia morrer, poosta logo por favor, ta lindo
    C. Shay

    ResponderExcluir
  3. Essa fic parece ser ótima.
    To louca pra jemi entrar en cena
    Será que to pronta pra ler una fic com a ... do joe? Vou ter que ter estomago viu...

    Postaaa maissss pleaseee

    ResponderExcluir