quarta-feira, 24 de abril de 2013

CAPÍTULO 16



Sel ainda não tinha voltado para casa quando retornei do meu primeiro encontro. O consultório estava lotado - de clientes de planos de saúde, claro -, devido à onda de calor que se instalara na cidade. 
Aparentemente, todo mundo queria exibir o corpo em forma nos próximos meses. Mandy estava preparando algo com um cheiro muito bom para o jantar quando me viu de banho tomado e remexendo em minha bolsa. 
- Demetria, vai sair? Você acabou de chegar - ela apontou. 
- Tenho uma entrevista. 
- De emprego? - sua testa vincou. 
- Pode-se dizer que sim - e rezei para que tivesse mais sorte dessa vez. Numa delicatéssen ali perto, encontrei David, um rapaz até que bonito, apesar da baixa estatura. Suas roupas eram bem normais. Suspirei aliviada. 
- Aqui tá a parada - ele disse, deslizando o atestado de antecedentes criminais pela pequena mesa de madeira cor de mel. 
Eu não estava preparada para aquilo. 
- Hã... Você foi preso por porte ilegal de armas - constatei, um pouco desconfortável. 
- Eu devia ter jogado o bagulho no rio. Dei bobeira - ele comentou, desinteressado. 
- Por três vezes? 
- É - deu de ombros. - Falta de sorte. 
- Hummm... - corri os olhos pelo documento de três páginas e o devolvi rapidamente. - Por que você respondeu ao anúncio? 
- Você diz que paga bem. 
- Sim, mas aí diz - apontei para o papel - que você tentou agredir sua esposa. Você já é casado. 
- Na verdade, sou viúvo. Um acidente, coitada. Ela acabou caindo em cima de uma faca - ele disse, indiferente. 
Meu Deus! 
- Ok. Eu preciso ir ao banheiro. 
Ele tirou um cigarro - de maconha - do bolso da camisa. 
- Sem pressa - disse e sorriu. 
- Árrã - foi tudo que consegui responder antes de dar no pé. 
Eu ainda estava tremendo quando contei o ocorrido a Sel. 
- Eu avisei, não foi? Mas você me ouviu? Claro que não! - ela andava de um lado para o outro no quarto entulhado, abrindo e fechando gavetas e portas e atirando uma quantidade imensa de roupas sobre a cama de casal, que dividimos desde a noite anterior. 
- Foi falta de sorte. O Chris era inofensivo. Meio sujinho, mas não faria mal a uma mosca. Esse David foi só um golpe de azar. Só isso. - Se continuasse repetindo isso, talvez eu mesma acreditasse. 
- Ou talvez tenha sido um sinal pra você esquecer essa besteira! - apontou ela. - O que acha desse? - me mostrou um vestido preto simples, com alças finas. 
- sexy! 
- Perfeito! - ela começou a vesti-lo. - No mínimo você tinha que ter perguntado mais coisas antes de encontrar pessoalmente qualquer um deles. 
- Ah, não, Sel. Sem sermão. Tudo que eu quero é cair na cama e descansar. Meus dedos estão latejando. Aquela copiadora está acabando comigo. Acho que nunca mais vou poder tocar piano. 
- Você não toca piano. Nunca suportou as aulas. 
- Sim, mas se eu soubesse não poderia... - mostrei minhas mãos em frangalhos. - Minhas unhas estão detonadas. Preciso me livrar da Joyce. 
- Acho difícil. Ela está na L&L desde quando? Do Big Bang? 
- Por aí - eu ri. 
- E aquele cara? O que você detesta? Ele parou de te perturbar? - ela começou a aplicar camadas de máscara nos cílios. 
- O Joe? Nem me fale - me joguei na cama e abracei o travesseiro contra o peito. - Hoje ele me viu toda enrolada com a copiadora e riu! Juro que só não joguei um sapato naquela cara debochada porque fiquei com medo de acertar o vidro atrás dele e descontarem o prejuízo do meu salário. Eu detesto aquele cara! 
- Mas você disse que ele foi legal ontem. - Ela aplicou uma camada generosa de gloss vermelho nos lábios cheios. - Pagou a sua gasolina e te convidou para um café. Não pode ser tão ruim quanto você diz. 
- O Joe é bipolar. Ou louco. Talvez seja os dois. Aonde você vai? 
- Encontrei o Nicholas na saída do trabalho. Ele me convidou para sair. Decidi aceitar dessa vez - ela comentou casualmente. 
Casualmente demais! 
- Sair tipo... 
- Sair tipo - ela abriu um sorriso enorme e girou com os braços abertos. - Como estou? 
Os cabelos negros, que alcançavam o meio das costas, pareciam emitir luz própria. Os olhos castanhos brilhavam de sensualidade e mistério. O vestido preto reto marcava as curvas generosas e, aliado ao sorriso angelical, a deixou sexy, fatal. Pobre Nick... 
- Deslumbrante! 
- Mesmo? Esse vestido não me deixa gorda? 
Sel sempre teve suas neuras com relação ao próprio peso. Ela tinha uma visão distorcida do próprio corpo, mas nunca admitiu. Por isso, quando me contou que planejava cursar nutrição, achei uma ótima ideia. Talvez isso a fizesse entender de uma vez por todas que mulheres com corpo violão não são necessariamente gordas. No entanto, o tiro saiu pela culatra, porque o entra e sai de mulheres anoréxicas de seu consultório acabou fazendo com que sentisse imensa. O mais engraçado era que ela e eu tínhamos praticamente o mesmo peso - mesmo ela sendo uns bons centímetros mais alta -, mas ela sempre me achou magra demais. Vivia calculando meu IMC, preocupada que eu pudesse estar abaixo do peso saudável. Vai entender! 
- Você não é gorda. Que mania! 
- Me deseja sorte. 
- Você não precisa de sorte, já tem todo o resto. Não vai matar o coitado do Nick! Ele é gente boa, bem lá no fundo... 
- Vou tentar - ela me abraçou antes de sair do quarto numa nuvem de euforia. 
Joguei a bagunça de roupas sobre a poltrona e voltei para a cama, esperando ter uma noite revigorante. Mal fechei os olhos e apaguei; segundos depois, eu estava em casa. Não na casa da Sel,  mas em casa. Tudo na mansão estava mais claro, mais branco e brilhante que de costume. Uma figura me observava, imóvel. Os braços estavam cruzados sobre o peito. O rosto, franzido numa careta triste. Atirei-me contra ele imediatamente, abraçando sua cintura, enterrando a cabeça em seu peito. 
- Eu senti tanto a sua falta! - chorei. 
Vovô não respondeu, mas passou a mão delicadamente em meus cabelos. 
- Você está bem? - perguntei. 
Nenhuma resposta. 
Levantei a cabeça para observá-lo. Vô Marcus estava triste. 
- Você está infeliz? 
Dessa vez ele assentiu. 
- Oh, Deus! Você foi pro andar de baixo? - perguntei horrorizada. 
Ele suspirou e sacudiu a cabeça. 
Suspirei também e me soltei dele, recuando, subitamente ciente da confusão em que ele me deixara. 
- Muito bem, sr. Marcus. Tenho algumas coisas para discutir com o senhor. Sabia que você me deixou numa situação bem difícil? Ainda não acredito que deixou aquele testamento. Eu confiava em você. Pensei que me protegeria. Mas não. Você me jogou aos lobos, e isso não foi legal. 
Ele continuou impassível. 
- Tudo bem. Estou dando um jeito de arrumar a bagunça que você deixou - dei de ombros, seguindo com meu monólogo. - No estilo Demetria. 
Lentamente, ele ergueu o braço e colocou a mão sobre meu ombro. Esperei ansiosa quando vi seus lábios se entreabrirem. 
- A vitória está reservada para aqueles que estão dispostos a pagar o preço - ele sussurrou com a voz carinhosa e macia. 
Então eu acordei. 
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E aí está, segundo candidato, parece que Demetria não está tendo muita sorte, ainda tem mais dois candidatos, até a grande escolha...
   

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