Num vestido azul de mangas
curtas com o comprimento até o meio da coxa e calçando malditos saltos altos,
me senti nua quando todos os rostos se voltaram para me analisar. Fiquei
gelada. Juro que quase vomitei quando subi dois degraus que levavam ao pequeno
palco num canto da sala – com Joe ao meu lado – e me deparei com o microfone à
minha frente. Eu não podia fazer aquilo.
Não consigo.
- Chuta a bunda desses
malas – Joe cochichou em meu ouvido, antes de beijar minha testa e descer do
palco improvisado.
E, de repente, consegui.
Pensei em vô Marcus – que desaparecera dos meus sonhos – e em quanto eu o
amava, quanto queria ter me despedido direito dele. Eis que a chance estava
diante de mim.
Clareei a garganta e
comecei:
- Boa noite. Eu sou
Demetria Devonne Lovato, neta de Marcus Lovato. Muitos de vocês devem me
conhecer desde que eu tinha cinco anos. Eu era aquela pirralha de quem o vô
Marcus corria atrás, pedindo que não jogasse bolo na cara de ninguém. Eu não
sei se todos vocês estão achando essa festa tão estranha quanto eu. Talvez
estejam. Uma festa que reúne tanta gente do Conglomerado Lovato sem o vô Marcus
é como... como se faltasse o aniversariante, ou o noivo não aparecesse no
casamento... – sorri, nervosa.
Recebi muitos sorrisos
complacentes. Encontrei Sel exibindo uma careta divertida, me encorajando,
Nicholas ao seu lado assentiu. Hector, Suzana, Janine – Espanador, Inês com
seus óculos de tartaruga, até Joyce, aquele doce de pessoa, sorriam me
incentivando. Miley, num canto do salão, levantou o polegar e piscou um olho.
Liam me observava com uma expressão debochada e para minha surpresa, os pais de
Joe estavam ali e, a julgar pelo buraco entre eles, Justin também.
Isso tudo ajudou, mas foi o
dono de um certo par de olhos verdes, parado ao lado da janela francesa, com as
mãos enfiadas nos bolsos da calça, usando apenas paletó e camisa, sem gravata,
os cabelos ligeiramente desgrenhados, que me encheu de certezas. Joe me lançou
um pequeno sorriso, meio torto, cúmplice, que me inundou de coragem e
determinação. Sorri de volta.
- O vovô adorava festas –
continuei, encarando-o. Era mais fácil fingir que eu falava apenas com ele que
com toda aquela gente. – Dizia que eram as noites mais especiais do ano, em que
podia reencontrar velhos amigos e fingir que tinha trinta anos outra vez. Se
estivesse aqui hoje, ele estaria rindo, falando com todos,
saindo
sorrateiramente para fumar seu charuto as escondidas. “Eu não fumo, Demetria!”,
ele diria com o rosto corado quando eu o flagrasse. E mais tarde, no fim da
festa, depois que todos os convidados tivessem partido, ficaríamos os dois
aqui, ele pediria um pouco de bolo e comeríamos sentados no chão, e ele me perguntaria
o que achei do seu discurso. – Então eu vi a cena toda. Uma lembrança tão
vívida que mais parecia um filme. Vi a mim mesma, pequena em um vestido cheio
de laços e rendas, sentada no chão com a cara suja de glacê. Vovô, ao meu lado,
sorria satisfeito, com a cara tão suja quanto a minha. – Às vezes ele me tirava
pra dançar – e lá estávamos nós dois, eu sobre seus pés, me sentindo importante
e muito adulta aos oito anos. Depois, aos quinze, desengonçada e descoordenada,
rodopiando nos braços gentis de vovô. – E outras vezes ficávamos apenas ouvindo
a orquestra tocar, um apoiado no outro, exaustos – e me veio a imagem da última
festa, em que vovô, já sentindo o peso da idade, se manteve sentado numa
cadeira, um braço em meus ombros, minha cabeça em seu peito, como se
estivéssemos assistindo a um concerto. Minha garganta se fechou com as
lembranças felizes. – Foi isso que fizemos todos esses anos. Estou contando
essas coisas porque queria que todo mundo aqui conhecesse o vô Marcus como eu
conheci. O homem simples, decente e honrado, que jamais usou ninguém para
alcançar o sucesso, que adorava se deitar ao meu lado pra ver desenho animado
nos momentos de folga, que fazia questão de me levar para escola todas as
manhãs, mesmo se tivesse que adiar alguma reunião importante. Um homem correto,
que me dava bronca por falar palavrão, mas que às vezes deixava escapar alguns
quando dava uma topada... e o vovô dava muitas topadas. Um avô que me fez
entender que é preciso respeitar as regras e dizer a verdade sempre... –
suspirei, ainda presa aos olhos iridescentes de Joe – mesmo que doa. Um avô que
foi pai, mãe, amigo, que enfrentou a perda do filho e da nora sem jamais
desmoronar, para que eu pudesse ter um porto seguro. Imagino quanto isso deve
ter custado a ele, mas esse era o meu avô, sempre se colocando em segundo plano
para que eu pudesse ser feliz. E eu fui muito feliz – sorri, piscando, tentando
desobstruir a visão embaçada pelas lágrimas.
- Prometo fazer tudo que
estiver ao meu alcance para me tornar a mulher que ele sonhou – continuei. –
Vou dar o melhor de mim para que vocês, acionistas e funcionários, se sintam
felizes por trabalharem comigo. Vou me esforçar para um dia ocupar o lugar de
vô Marcus honradamente. Até lá, Hector Simione, que todos já conhecem de longa
data, permanecerá nesse posto. Então, como essa é a primeira vez que o vô
Marcus não está aqui... de corpo presente... – porque eu sabia que, de alguma
forma, ele podia me ouvir – eu gostaria de concluir dizendo o que ele não se
cansou de repetir no final de seus discursos. Bebam, comam, se divirtam esta
noite, porque amanhã, meus amigos, a batalha continua e todos voltamos para o
mundo real.
Fui
aplaudida enquanto engolia as lágrimas. Ouvi Nicholas assobiar alto ao lado de
Sel, abafando seu “Uhuuuu!”, e não pude evitar o sorriso. Joe assentiu, sério,
parecendo a ponto de explodir de orgulho. Fui abordada por muitas pessoas ao
descer do pequeno palco. Jornalistas enfiaram microfones na minha cara e eu mal
conseguia respirar.
- Quando você percebeu que
o advogado estava tramando contra você?
- É verdade que o Sr.
Clóvis Hernandez está louco devido à pancada que levou na cabeça?
- Você vai exigir uma
auditoria no conglomerado todo para saber se há outros envolvidos no esquema de
desvio de dinheiro?
- Você foi mesmo convidada
para posar nua numa revista masculina?
- Por que decidiu se casar
com seu ex-marido?
Quando finalmente fiquei
livre – graças a Miley e seus cotovelos formidáveis , tentei chegar até onde
Joe estava, mas não pude. Dezenas de diretores e acionistas me cercaram, me
parabenizando e me enchendo de perguntas que eu ainda não sabia como responder.
Quase tropecei em Denise e Paul quando me livrei deles. Os pais de Joe me
cumprimentaram com abraços e sorrisos, já Justin...
- Quer dizer que além de
linda você também é podre de rica. Meu irmão tirou a sorte grande – ele me
lançou um sorriso sedutor.
Paul lhe deu um tapa na
cabeça.
- Por favor, Justin. Você
me prometeu – implorou.
- Desculpa, eu só estava
dizendo que não entendo como Joe conseguiu arrumar uma gata dessas, mas tudo
bem. E prometi que não vou voltar ao assunto do primeiro casamento deles, para
o qual nós não fomos convidados. Eu não voltei ao assunto, voltei? Alguém aqui
me ouviu falar sobre como fomos excluídos do casamento?
- Justin, para – ordenou
Denise, visivelmente constrangida. – Nós entendemos tudo, Demetria, não dê
ouvidos ao Justin. Nós compreendemos e não ficamos magoados – ela me assegurou.
- Uma ova que não! – o
garoto reclamou.
Paul suspirou.
- O importante é que tudo
acabou dando certo pra vocês – ele disse.
- Que estão felizes. Nunca
vi o Joseph tão feliz assim. Você faz bem pra ele, querida – e sorriu.
- É,
ele também me faz bem. Muito bem, na verdade. Hã... Cadê ele? – me estiquei,
procurando, desesperada para encontrá-lo.
- Bem ali – apontou Denise.
Lá estava ele, lindo como
sempre, rodeado de homens engravatados, com Hector ao seu lado gesticulando sem
parar. Hector andava muito empolgado e sempre que tinha chance narrava como
“vira a morte de perto”. Pela cara entediada de Joe, ele repetia a história
toda mais uma vez.
Joe me flagrou observando-o
– ou talvez eu o estivesse comendo com os olhos, o que era bem mais provável –
e sorriu sedutor, vindo em minha direção, mas poucos passos depois foi detido
por um dos diretores árabes. Aquele que o ajudara a provar as falcatruas de
Clóvis. Quase pude ouvir seu suspiro de frustração, mesmo estando vários metros
de distância.
Voltei para Justin.
- Mas me conta, Justin,
como tá seu pé? Seu irmão me disse que você anda sentindo umas pontadas.
O garoto abriu um sorriso
enorme.
- Ta doendo pra cacete! A
Dra. Olenka pediu alguns exames, mas ela acha que o inchaço entre as vértebras
diminuiu e que os nervos estão se religando. Talvez em dois ou três anos eu já
esteja andando por aí, então se quiser adiar o casamento pra ter mais opções...
– e deu uma piscadela.
- Cara, você é um pé no
saco! – ri.
- Eu sei – ele ajeitou a
gola da camisa. – Todas dizem a mesma coisa.
- Demetria, o pessoal de
Abu Dhabi quer falar com você – anunciou Miley, se desculpando com um sorriso
com a família de Joe pela interrupção.
Os olhos de Justin a
estudaram de cima a baixo. Duas vezes.
- Nem pense nisso – o
alertei.
Despedi-me da família de...
da minha nova família e segui Miley, tentando chegar até Joe. Mas, antes que eu
pudesse encontrá-lo, para em seguida falar com os diretores árabes, minha
melhor amiga no mundo apareceu bem na minha frente.
- Ah, Demi! – Sel passou os
braços em minha cintura. – Você estava tão linda! Estou tão orgulhosa de você!
Nem uma gota de vômito na plateia. Arrasou, garota! – e riu.
- Foi
bacana? De verdade?
Ela ficou séria
abruptamente.
- Foi lindo, Demi. Você não
faz ideia de como estou orgulhosa. Acho que você... – seus olhos amendoados
brilharam, úmidos – você cresceu.
- Já era hora, não era?
- Era sim – ela me abraçou
com tanta força que quase não pude respirar.
Eu também estava orgulhosa
de mim e de tudo que havia conseguido, porém não conseguiria sozinha. Joe
enviara à polícia uma série de relatórios que comprovavam que muito dinheiro
havia sido desviado para um banco na Suíça em nome de Telma Hernandez, esposa
de Clóvis, que aparentemente não tinha conhecimento dos negócios escusos do
marido. Ela fora convidada pela polícia a dar algumas explicações, mas Joe
achava que ela não teria complicações graves, já que era apenas a laranja.
Blanda também ficara
bastante encrencada com a colaboração que dera ao plano de Clóvis. Ela também
teria que dar explicações à polícia e, principalmente, à diretoria da L&L,
que estava descontente com o ocorrido e considerava demiti-la. Não me opus.
Qual é? Eu ainda tinha que acertar contas com aquela garota. Foi por isso que
sugeri – sem maldade alguma – que ela fosse remanejada para o sexto andar, sala
treze, até que os diretores decidissem o que seria feito dela. O horror
estampado em seu rosto enquanto deixava a sala da diretoria e se encaminhava ao
sexto andar quase me deu pena. Quase.
Já Clóvis estava bastante
enrascado. Além de ameaça, desvio de dinheiro e supressão de documentos, havia
agora a tentativa de homicídio para completar as acusações. Hector decidiu
visitá-lo – grande homem, o Hector – e ficou um pouco triste ao ver o antigo
amigo se comportando de maneira atípica. Clóvis exigira um padre para confessar
seus pecados, balbuciava sem parar “O fim está próximo” e pediu perdão a Hector
uma dúzia de vezes. Louco, foi a palavra que Hector usou para descrevê-lo, mas
eu tinha minhas dúvidas. Talvez Clóvis tivesse mesmo enlouquecido, mas eu
desconfiava de que tudo não passava de encenação, de um golpe muito inteligente
para não ir para a cadeia. Sabe como é, não dá para confiar em advogado...
Após tomar posse legal do
que era de vô Marcus e eu não sabia o que fazer com aquilo tudo , convidei
Hector para comandar as empresas, permanecendo no posto que fora de vovô, à
frente do Conglomerado Lovato, até que eu pudesse aprender tudo, o que levaria
décadas. Ele relutou um pouco, mas acabou cedendo diante da minha persistência
e da de Joe e aceitou o cargo. Entretanto, me tornei membro da diretoria após
Joe apresentar um projeto de fidelização de cliente baseado nas minhas ideias
de troca de embalagens. Claro que fora ele quem fizera praticamente tudo,
especialmente os gráficos e as planilhas, mas ele não quis por crédito pelo
trabalho e apresentou como se fosse um projeto meu. O projeto foi aprovado, em
material promocional com a nova campanha de fidelização estaria nas ruas.
Miley se tornou meu braço
direito na empresa. Ela estava radiante, e muito disso se devia a Liam, que
finalmente tomara coragem e a convidara para um cineminha. Ela não soube me
dizer sobre o que era o filme a que assistiram juntos.
Finalmente foi aprovado o
aumento salarial que eu tanto queria, mesmo que agora não precisasse mais dele.
Fiquei contente ao ver muitas caras alegres pelos corredores L&L.
Era um bocado de coisas
boas. Eu estava feliz com tudo que havia feito, por ter conseguido retomar as
rédeas de minha vida. Por ter conquistado Joe de maneira irremediável.
Tornei a procurá-lo na
grande sala abarrotada de gente, mas, sempre que eu tentava me aproximar dele,
algo me levava na direção oposta, até que o perdi de vista. Fiquei presa com os
árabes por muito tempo, tanto que, se não agisse rápido, teria que amputar os
dois pés, que já começavam a gangrenar naqueles saltos. Na primeira
oportunidade, dei uma fugidinha, ainda procurando por Joe, mas ele não estava
em parte alguma.
Saí pela porta lateral da
sala e fui para o jardim, tirei os sapatos e afundei os pés na grama fresca, me
sentindo aliviada. Olhei a mansão iluminada e movimentada, cheia de vida
novamente. Em poucas semanas, aquela casa seria redecorada e haveria centenas
de crianças correndo por todo lado. Sorri feliz. Vovô teria gostado disso. A
Fundação Marcus Lovato estava prestes a ganhar vida. E, graças a ela, centenas
de crianças e jovens teriam a oportunidade de estudar e se aperfeiçoar em
alguma área – para o caso de, sei lá, algum dia precisarem fazer planilhas, por
exemplo, e não confundirem o código com o preço. Aquele era o meu melhor
projeto, e Joe me ajudara e apoiara em tudo, como eu sabia que faria.
Além disso, Mazé estaria no comando e era
impossível descrever seu entusiasmo ao cuidar daquelas crianças. Eu não podia
imaginar alguém melhor para o cargo.
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Agora quero muitos comentários pois é o penúltimo gente, e só voltarei em 45 minutos porque além de mim tem um bando de inúteis(meus melhores amigos) de ressaca aqui em casa que ainda estão dormindo e tenho que acordá-los, o pobre do meu namorado e uma das minhas amigas que estão aqui segurando as pontas porque eram os motoristas da rodada e estão limpos e eu estou aqui só o caco, comentem!
Meninaaa ou melhor, mulheeer! Jfjjdhs que isso eu to passada, que coisa mais perfeita é essa?????? Nfbsjdjsbd ai mds meu deusinho!!! Posta logndjs bjs lena
ResponderExcluirqueee discurso maais tocante!!!
ResponderExcluirPoosta logo eu to amando essa história, pena que vai acabar, a parte boa é que vai ter mais história certo?
Poosta loogo, beeijos
adorei o capítulo!!! posta logo o úúúltimo *____*
ResponderExcluirVc é incrível, e obrigada por gostar da gente. Porque uma pessoa de ressaca fazendo esse esforço imenso para postar para gente. É duro.
ResponderExcluirE eu tirei o domingo inteiro para ler tudo que eu perdi, a universidade impediu-me de vir aqui e olha quando arrumei um tempo chego no final da história. Chego quando meu Marido sumirá de vez na história é demasiado doloroso. Mas acho que não te vais importar que guarde a história no meu Word, porque realmente amei essa história que é uma comédia romântica que para mim além de gargalhadas e lágrimas de rir roubou-me também lagrimas de emoção, porque amor de família é tão puro mais o de Marcus e Demi vai além da pureza do amor normal é uma ligação incrível. Só quero que saibas qe não te abandonei apenas tem estado muito difícil pegar um minuto pra cá vir mas universidade não é tão mole, mas farei o possível para ser uma leitora assídua. Continua a escritora maravilhosa qe és e recompensando o nosso amor pelo teu talento SUCESSO MULHER
Perfeitooooooo.... Lindo ahhhh pota logo
ResponderExcluirai meu deus já está acabando ultimo capitulo, mais saiba que essa historia é uma das melhores que eu já li, ou então até a melhor, q pena que está acabando dá um aperto no coração.
ResponderExcluirAh e melhoras com essa ressaca é isso que dar beber demais, por esse motivo que não bebo nem um pouco,mas melhoras.
Ine
P
ResponderExcluirE
R
F
E
I
T
O
Acho que vou chorar pelo amor de santo deus posta logoooo!