Parte Dois
Os anos 1980
“Love Is a Battlefield”
Mágoa após mágoa, nós aguentamos
Nove
No final do segundo ano, Demi não tinha dúvida de que Joseph Jonas
sabia quem ela era. Ela havia feito duas de suas disciplinas: jornalismo
televisivo I e II. Qualquer que fosse a disciplina que ele desse, ela se
inscrevia. O que quer que ele pedisse, ela fazia. Qualquer coisa. Sem
pestanejar. O problema era o seguinte: ele não parecia reconhecer o talento
dela. Os alunos haviam passado toda a semana anterior lendo notícias num teleprompter.
Toda vez que ela terminava, olhava imediatamente para ele, que mal erguia o
olhar das anotações. Pelo contrário, ele desfiava uma
crítica como se estivesse passando uma receita a um vizinho aborrecido e então
chamava:
– Próximo.
Dia após dia, semana após
semana, aula após aula, Demi esperava que ele reagisse a seu evidente talento
dizendo que ela estava pronta para a KVTS. Agora era a primeira semana de maio.
Faltando apenas seis semanas para o fim do ano
letivo, ela ainda esperava. Muitas coisas haviam mudado em sua vida nos últimos
dois anos. Ela cortara os cabelos na altura dos ombros e estava de franja. Seu
ícone de moda deixara de ser Farrah Fawcett-Majors e passara a ser Jessica
Savitch. Os anos 1980 foram feitos para Demi: cabelos grandes, maquiagem
colorida, tecidos brilhantes e ombreiras. Nada de cores suaves e estilo de
menina de república para ela. Quando Demi chegava, as pessoas notavam. Exceto,
é claro, Joseph Jonas. Mas isso estava prestes a mudar. Desta vez, Demi tinha
certeza. Na semana anterior, finalmente acumulara créditos suficientes para se candidatar a um estágio na KVTS, a emissora de
programação pública local instalada no campus. Havia se levantado às seis da
manhã para que seu nome aparecesse em primeiro lugar na folha de inscrições.
Quando recebeu o texto para o teste, foi para casa e o praticou
incansavelmente, experimentando pelo menos uma dúzia de formas diferentes até
encontrar o tom de voz que combinava de modo perfeito com a história. Fizera o
teste no dia anterior. Tinha certeza de que fora aprovada. Agora, finalmente, havia chegado a hora de descobrir que vaga conseguira.
– Como estou?
Selena não levantou os
olhos de Pássaros feridos.
– Incrível.
Demi sentiu uma pontada de
irritação que já se tornara habitual. Às vezes bastava olhar para Selena para
sentir o sangue subir à cabeça. Mal conseguia não gritar. O problema era o
amor. Selena havia passado todo o primeiro ano sonhando com o tal Brandt de
cabelos mal cortados. Quando os dois enfim saíram, foi uma decepção que
terminou rápido. Mesmo assim, Selena pareceu não se importar. Durante a maior
parte do segundo ano, ela saiu com Ted, que supostamente a amava, e depois com
Eric, que certamente não. Selena ia de uma festa de república a outra e, embora
nunca tivesse se apaixonado por nenhum dos panacas com quem saía – e com quem
não fazia sexo –, falava sobre eles o
tempo todo. Nos últimos
tempos, cada frase parecia começar com o nome de algum cara. Pior ainda, ela
quase não falava em telejornalismo. Parecia bastante contente de ter aulas em
outros departamentos. Sempre que uma das colegas da república ficava noiva, Selena
corria para integrar o grupo de meninas que se derretiam diante do anel de
noivado. Na realidade, Demi estava cansada. Continuava escrevendo reportagens
que
o jornal da escola não
publicava e rodando o edifício do canal de TV do campus, onde ninguém lhe dava
uma chance, e, em meio a todo esse fracasso, quando ela precisava tanto do
apoio da melhor amiga, Selena não parava de falar sobre o último cara com quem
havia saído.
– Você nem olhou.
– Eu não preciso olhar.
– Você não sabe quanto isto
é importante para mim.
Sel, por fim, olhou para
ela.
– Você está ensaiando a
mesma notícia há duas semanas. Até quando me levanto para fazer xixi no meio da
noite, escuto você ensaiando. Acredite, já entendi o seu nível de fissura.
– Então por que está sendo
tão indiferente em relação a isso?
– Eu não estou sendo
indiferente. Apenas sei que você vai conseguir a vaga.
Demi sorriu.
– Eu vou conseguir, não
vou?
– Claro que vai. Você é boa
demais. Você será a primeira aluna de
penúltimo ano a ir ao ar.
– Desta vez o professor
Jonas vai ter de admitir meu talento – falou Demi, jogando a mochila no ombro.
– Quer ir comigo?
– Não posso. Vou me
encontrar com o Josh para um grupo de estudos na biblioteca Suzzallo.
– Isso sem dúvida se
encaixa na categoria de encontro chato, mas cada um sabe de si.
Demi pegou os óculos de sol
em cima da cômoda e saiu do quarto.
O campus estava banhado
pela luz suave do sol naquele dia de maio. Todas as plantas estavam florescendo e o gramado estava tão espesso e viçoso que parecia
pedaços de veludo verde presos cuidadosamente embaixo de faixas de cimento. Ela
caminhou com confiança até o prédio que
abrigava a KVTS. Lá, fez uma pequena pausa apenas para ajeitar os cabelos
cheios de spray e entrou no saguão silencioso de aparência utilitária. À
esquerda havia um mural de recados repleto de avisos. Procura-se colega de quarto que goste de erva foi o primeiro que chamou
sua atenção. Ela notou que todos os canhotos com o número de telefone haviam
sido destacados, enquanto que o anúncio exatamente ao lado (Procura-se colega de quarto: preferência por cristão renascido) permanecia tristemente
intacto. A sala 214 estava fechada. Nem sinal de luz embaixo da porta. Ao lado,
havia um pedaço de papel preso ao mural. Vagas de estágio de verão /Departamento
Âncora-Notícias.............................Steve
Landis
Previsão do
tempo........................ Jane Turner
Marketing
& Notícias locais ...... Gretchen Lauber
Esportes........................................Dan
Bluto
Planejamento da
tarde............... Eileen Hutton
Pesquisa/Checagem de
informações.... Demi Lovato
Demi sentiu uma pontada de
decepção, depois fúria. Abriu a porta com força e entrou no auditório escuro,
onde ninguém podia vê-la, resmungando.
– Joseph Jonas, seu bundão
fracassado. Você seria incapaz de reconhecer um talento mesmo se ele agarrasse
o seu pinto minúsculo e apertasse…
– Imagino que esteja
falando sobre mim.
Ela deu um salto com o som
da voz dele.
Joseph Jonas estava a pouco
mais de cinco metros dela, parado na escuridão. Os cabelos escuros estavam mais
desalinhados do que de costume, com os fios caindo sobre os ombros. Ele se
aproximou, passando os dedos pelas costas da cadeira à sua direita.
– Pergunte por que você não
é estagiária do noticiário da noite, que eu respondo.
– Eu não dou a mínima.
– É mesmo?
Ele olhou para ela por mais
um longo minuto, sem sorrir, então se afastou, desceu o corredor e subiu no
palco. Ela podia manter o orgulho ou arriscar seu futuro. Quando tomou a
decisão e saiu correndo, ele estava nos bastidores.
– Está bem… – falou, com a
sensação de que a pergunta estava presa na garganta. – Por quê?
Ele deu um passo na direção
de Demi. Pela primeira vez, ela notou as rugas no rosto do professor, as marcas
de expressão nas bochechas. A luz fraca acentuava cada falha, cada buraco, cada
marca na pele.
– Sempre que vem à aula, eu
percebo que você escolheu as roupas com cuidado e dedicou muito tempo ao cabelo
e à maquiagem. Agora ele a estava olhando, enxergando. E ela
podia vê-lo também. Além dos cabelos desalinhados. Percebia a estrutura óssea
que um dia fizera dele um homem tão
bonito. Mas foram os olhos que a prenderam: castanhos e tristes, falaram às
áreas vazias dentro dela.
– Ok. E daí?
– Você sabe que é bonita –
disse ele.
Ele não gaguejou, falou sem
desespero. Estava tranquilo e firme. Ao contrário dos
meninos que ela conhecia em festas de república ou no campus ou nos bares,
jogando bilhar, ele não estava embriagado nem desesperado por um amasso.
– Eu sou talentosa também.
– Um dia, talvez.
A forma como ele disse isso
a irritou. Ela estava se preparando para dar uma resposta mordaz quando ele
diminuiu a distância entre os dois. Tudo o que ela teve tempo de dizer foi um
espantado “O que você…” antes de ele beijá-la.
Ao toque dos lábios dele,
gentil, mas firme, Demi sentiu algo
delicioso e suave desabrochar dentro dela. Sem nenhum motivo, começou a chorar.
Ele deve ter sentido o gosto das lágrimas, porque recuou e franziu a testa.
– Você é uma mulher, Demi
Lovato, ou uma menina?
Ela sabia o que ele estava
perguntando. Por mais que tentasse esconder sua inocência, ele a havia
percebido, sentido.
– Mulher – mentiu ela, com
a voz ligeiramente trêmula no “m”.
E então ela entendeu,
depois de apenas um beijo, que o que quer que houvesse para saber sobre sexo,
seu patético estupro no meio do bosque não lhe ensinara. Embora não fosse
virgem, de alguma maneira ela era algo pior, um reservatório de lembranças
ruins e dolorosas. No entanto, com Joseph, pela primeira vez ela soube como era
querer mais. Era assim que ela havia se sentido com Pat naquela noite também. Não.
Aquilo era diferente. Ela estava muito longe de ser aquela menina desesperada e
solitária capaz de entrar em qualquer bosque escuro para ser amada.
Ele a beijou de novo,
murmurando “Que bom”. Desta vez, o beijo continuou e continuou, aprofundando-se
até se tornar algo que a remexeu por dentro e fez com que ela se contorcesse de
desejo. Quando ele começou a pressionar o quadril contra ela, acendendo um fogo
no meio de suas pernas, ela havia se esquecido completamente de como era sentir
medo.
– Você quer mais? –
sussurrou ele.
– Quero.
Ele a pegou nos braços e a
levou até um sofá quebrado encostado contra uma parede escura. Lá, ele a deitou
sobre as almofadas ásperas e empelotadas e, gentilmente, começou a despi-la. Demi
sentiu o sutiã se abrindo e a calcinha saindo como se estivesse longe dali. E o
beijo dele continuava e continuava, alimentando o fogo dentro dela. Quando os
dois estavam nus, ele se abaixou até o sofá e a abraçou. As molas cederam ao
peso deles, rangendo em protesto.
– Ninguém nunca dedicou
tempo a você, não é, Demi?
Ela viu o próprio desejo refletido nos olhos dele e, pela primeira vez, não sentiu medo nos
braços de um homem.
– É isso que você vai
fazer… dedicar seu tempo a mim?
Ele afastou os cabelos
úmidos do rosto dela.
– Eu vou lhe ensinar
coisas, Demi. Não era o que você queria de mim?
Demi levou quase duas horas
para encontrar Sel. Ela começou a busca pelas mesas de estudo no porão da
república. Em seguida, passou pela sala de TV e pelo quarto delas. Chegou até a
conferir a varanda onde havia camas, que, no entanto, estava compreensivelmente
vazia às quatro horas de uma tarde ensolarada de maio. Tentou a biblioteca da graduação
e a seção preferida de Sel, depois a sala de leitura da pós-graduação, onde
vários estudantes mais velhos com jeito de hippies pediram silêncio por ela
apenas caminhar. Estava prestes a desistir quando se lembrou do Anexo. É claro.
Correu pelo imenso campus até a casinha de dois andares com telhado pontudo que
chamavam de Anexo. Dezesseis meninas ricas e sortudas conseguiam sair da casa
principal e se mudar para lá a cada trimestre. Era uma central de festas. Não
havia monitoras, ninguém controlando as portas. Era o mais próximo do mundo
real a que qualquer uma delas conseguiria chegar até deixar a república. Ela abriu a porta da frente e
chamou o nome de Sel. Alguém respondeu de outro cômodo.
– Acho que ela está na
laje.
Demi pegou dois
refrigerantes na geladeira e subiu. Num quarto dos fundos, a janela estava
aberta. Ela se inclinou através da abertura e olhou para a cobertura da
garagem. Lá estava Sel, sozinha, num biquíni de crochê branco mínimo, deitada numa
toalha de praia, lendo um romance qualquer. Demi subiu na beirada da janela e
cruzou a laje, que todos chamavam de praia preta.
– Oi – disse ela,
oferecendo um refrigerante a Sel. – Deixe eu adivinhar: está lendo um romance.
Selena entortou a cabeça e
apertou os olhos contra o sol, sorrindo.
– O segredo de uma promessa, de Danielle Steel. É
muito triste.
– Quer ouvir uma história
real de romance?
– Como se você soubesse
alguma coisa a respeito. Você não saiu com ninguém desde que chegamos aqui.
– Não é preciso sair com
alguém para fazer sexo.
– A maioria das pessoas
precisa.
– Eu não sou a maioria das
pessoas. Você sabe disso.
– Ok – disse Sel. – Estou
super acreditando que você transou.
Demi estendeu uma das
toalhas que haviam sido deixadas ali fora e se deitou. Tentando não sorrir, ela
olhou para o céu azul e disse:
– Três vezes, para ser
exata.
– Mas você tinha ido saber
sobre o estágio de verão… – falou Sel, depois arfou e se sentou. – Você não fez isso.
– Você vai dizer que a
gente não deve fazer sexo com os professores. Eu acho que na realidade é mais
uma recomendação. Uma diretriz. Ainda assim, você não pode contar para ninguém.
– Você transou com o Joseph
Jonas.
Demi suspirou com o som da
frase.
– Foi o máximo, Selly.
Estou falando sério.
– Nossa. O que você fez? O
que ele fez? Doeu? Você ficou com medo?
– Eu fiquei com medo – disse Demi baixinho. – No começo, eu só conseguia pensar
sobre… você sabe… aquela noite com o Pat. Achei que ia vomitar, ou correr, mas
daí ele me beijou.
– E?
– E… eu simplesmente meio
que derreti. Ele tirou as minhas roupas antes que eu me desse conta.
– Doeu?
– Doeu, mas não como da
outra vez.
Demi ficou surpresa com a facilidade com que de repente falou sobre a
noite em que foi estuprada. Pela primeira vez, aquela noite era apenas uma lembrança
distante, uma coisa ruim que acontecera quando ela era menina. A gentileza de Joseph
havia mostrado a ela que sexo não precisava doer, que podia ser bonito.
– Depois de um tempo, ficou incrivelmente bom. Agora eu sei do que tratam todas aquelas
matérias da Cosmopolitan.
– E ele disse que amava
você?
Demi riu, mas, no fundo,
não tinha tanta graça quanto ela gostaria.
– Não.
– Isso é bom.
Demi não esperava por isso.
– Por quê? Eu não sou boa o
bastante para alguém se apaixonar? Isso é só para meninas católicas boazinhas
como você?
– Ele é seu professor, Demi.
– Ah, por isso. Eu não me
importo com esse tipo de coisa – argumentou, e olhou para a amiga. – Pensei que
você fosse vir com romance para cima de mim e me dizer que era uma espécie de
conto de fadas.
– Eu preciso conhecê-lo –
disse Selena com firmeza.
– Nós não vamos poder sair
em casais.
– Então acho que vou
segurar vela. Ei, talvez ele ganhe desconto de terceira idade se sairmos para
jantar.
Demi riu.
– Vaca.
– Pode ser, mas eu sou uma
vaca que quer mais detalhes. Quero saber de tudo.
Importa-se se eu tomar notas?
Selena desceu do ônibus e ficou parada na calçada, olhando para o endereço na mão.
Era ali.
As pessoas tinham de
desviar dela para passar. Várias esbarraram nela. Ela endireitou os ombros e
foi até a porta. Não havia motivo para se preocupar com aquele encontro – com o
qual ela vinha se preocupando havia mais de um mês, período em que ela também
estava sendo bastante chata. Não havia sido fácil
fazer Demi concordar com
aquela noite. Mas, no fim, Selena dissera as
palavras mágicas, lançara os dados: Você não confia em mim? Depois disso, faltara apenas marcar a data. Assim, naquela noite
quente de primavera, ela estava indo na direção de um prédio que parecia um
bar, numa missão para salvar a melhor amiga de cometer o maior erro da vida. Dormir com um professor. Sinceramente, o que de bom
poderia sair disso?
Dentro do Last Exit on
Brooklyn, Selena se viu num mundo diferente de qualquer outro que vira antes.
Para começar, o lugar era imenso. Devia haver mais de setenta mesas – de
mármore ao longo das paredes e outras grandes, de madeira rústica, no centro do
salão. Um piano e um pequeno palco pareciam ser o ponto focal de tudo. Na
parede ao lado do piano, um pôster envelhecido e ondulado do poema Desiderata chamava a atenção. Siga placidamente,
por entre o ruído e a pressa, e lembre-se da paz que pode haver no silêncio. Não que houvesse paz ou
silêncio ali. Ou ar respirável. Havia uma fumaça espessa cinza-azulada pairando
no ar, acumulada no pé direito alto. Quase todo mundo estava fumando. Cigarros
subiam e desciam por todo o salão, presos entre dedos que gesticulavam a cada
palavra. Inicialmente, ela não viu mesas vazias; todas estavam cheias de gente
jogando xadrez, lendo cartas de tarô ou discutindo política. Havia várias
pessoas sentadas em cadeiras ao redor do microfone, dedilhando seus violões. Ela
passou por entre as mesas a caminho do fundo do salão. Por uma porta aberta,
pôde ver outra área lá atrás cheia de mesas de piquenique, onde havia mais
gente sentada, conversando e fumando. Demi estava numa mesa bem ao fundo, enfiada no canto escuro. Quando viu Sel, ela se levantou e acenou. Selena
passou por uma mulher que fumava um cigarro de cravo e contornou uma coluna. Foi
quando o viu. Joseph Jonas. Ele estava longe de ser o que ela esperava. Estava
atirado na cadeira, com uma das pernas estendidas. Mesmo com toda aquela fumaça
e à sombra, ela pôde ver quanto era bonito. E não parecia velho. Cansado, talvez, mas num sentido de cansado da vida. Como
um atirador ou astro de rock envelhecido. Deu um sorriso que começou lentamente,
franzindo os olhos, e, naqueles olhos, ela viu uma compreensão que a surpreendeu,
que fez com que ela se desequilibrasse. Ele sabia por que ela estava ali: a
melhor amiga indo evitar que a outra cometesse um grande erro saindo com o
homem errado.
– Você deve ser Joseph –
disse ela.
– E você deve ser Selly.
Ela hesitou com o uso
inesperado de seu apelido. Foi uma forma de fazê-la lembrar que Joseph também
conhecia Demi.
– Sente-se – convidou Demi.
– Vou chamar uma garçonete.
Ela se levantou e saiu
antes que Selena pudesse impedi-la.
Selena olhou para Joseph;
ele olhou para ela sorrindo, como se os dois compartilhassem um segredo.
– Lugar interessante –
falou, para puxar conversa.
– É tipo um bar sem cerveja
– disse ele. – O tipo de lugar em que podemos mudar quem somos.
– Eu achei que a mudança
começasse de dentro.
– Às vezes. Às vezes somos
forçados a ela.
Aquelas palavras o deixaram
com uma expressão sombria, com algum tipo de emoção. De repente, ela se lembrou
da história dele, da carreira incrível que havia perdido.
– Você seria demitido da
universidade se descobrissem sobre Demi, não seria?
Ele dobrou a perna e se
endireitou na cadeira.
– Então é assim que você
quer jogar. Tudo bem. Eu gosto das coisas diretas. Sim. Seria o fim desta
carreira também.
– Você é algum tipo de
viciado em perigo?
– Não.
– Já dormiu com alunas
antes?
Ele riu.
– De jeito nenhum.
– Então por quê?
Ele olhou para os lados,
para Demi, que estava no bar lotado, tentando fazer um pedido.
– Você, entre todas as
pessoas do mundo, não deveria precisar perguntar isso. Por que ela é a sua
melhor amiga?
A resposta a deixou sem
fôlego.
– Ela é especial.
– Exatamente.
– Mas e a carreira dela?
Ela estaria acabada se soubessem que está com você. Diriam que ela só se formou
por dormir com o professor.
– Muito bem, Selly. Você
deve mesmo cuidar dela. Ela precisa disso. Ela é… frágil, a nossa Demi.
Selena não sabia o que a
incomodava mais – ele descrever Demi como frágil ou a forma como disse nossa Demi.
– Ela é um rolo compressor.
Eu não a chamo de Tempestade Tropical Demi por acaso.
– Isso é por fora. Para se
exibir.
Selena se atirou para trás,
surpresa.
– Você se importa com ela.
– O que é péssimo, imagino.
O que você vai dizer a ela?
– Sobre o quê?
– Você veio aqui para
encontrar uma forma de convencê-la a não sair mais comigo, não foi? Você
certamente pode dizer que eu sou velho demais. Ou o principal: sou o professor
dela. É bom que saiba que eu bebo demais também.
– Você quer que eu diga
tudo isso a ela?
Ele olhou para Sel.
– Não, eu não quero que
você diga tudo isso a ela.
Atrás deles, um jovem com
cabelos desalinhados e calças amarfanhadas foi para a frente do microfone. Ele
se apresentou como Kenny Gorelick e começou a tocar um saxofone. A canção era
extremamente romântica e cheia de vida. Por alguns instantes, o volume das
conversas diminuiu. Selena se sentiu envolvida pela música, transportada por
ela. Aos poucos, porém, a música virou ruído de fundo, e ela olhou para Joseph.
Ele a estava examinando atentamente. Ela entendeu quanto aquela conversa e Demi
significavam para ele. Isso virava
a mesa. Ela se surpreendeu pela rapidez dessa virada. Agora, sentada ali,
estava
preocupada que Demi
arruinasse aquele homem, que, francamente, parecia não ter forças para suportar
outro golpe assim. Antes que ela pudesse responder à pergunta que ele havia
feito, Demi estava de volta, arrastando uma garçonete de cabelos roxos com ela.
– E então – disse ela,
franzindo a testa e um pouco sem fôlego –, já ficaram amigos?
Joseph foi o primeiro a
olhar para ela.
– Ficamos.
– Excelente – disse Demi,
sentando no colo dele. – Agora, quem quer uma torta de maçã?
Joseph as deixou a duas
quadras da república, numa rua escura cheia de velhas casas de pensão habitadas
por estudantes que não prestavam atenção ao que jovens de repúblicas faziam ou
deixavam de fazer.
– Foi bom conhecer você –
disse Sel, pegando a bolsa e saindo do carro.
Ficou parada na calçada
esperando que Demi terminasse de beijá-lo. Afinal, Demi
saiu do carro e acenou enquanto o Ford Mustang preto de Joseph se afastava.
– E então? – perguntou ela
de repente, virando-se para Sel. – Ele é lindo, não é?
Selena assentiu com a
cabeça.
– E como é.
– E bacana, né?
– Definitivamente bacana.
Ela começou a caminhar, mas
Demi a segurou pela manga, fazendo-a parar e dar meia-volta.
– Você gostou dele?
– É claro que gostei. Ele
tem um ótimo senso de humor.
– Mas…?
Selena mordeu o lábio,
tentando ganhar tempo. Ela não queria magoar Demi nem irritá-la, mas que tipo de
amiga ela seria se mentisse? A verdade era que havia gostado
de Joseph e acreditava que ele realmente gostava de Demi. Era também verdade
que ela tivera um mau pressentimento sobre aquele relacionamento e conhecê-lo
só havia piorado as coisas.
– Qual é, Selly, você está
me assustando.
– Eu não ia dizer nada, Demi,
mas como você está me obrigando… Eu não acho que você deva sair com ele.
Depois que sua opinião
derrubou a barreira, ela não conseguiu mais parar. – Quero dizer, ele está com
31 anos. Tem ex-mulher e uma filha de 4 anos que nunca vê.
Você não pode ser vista em público com ele, senão ele é demitido. Que tipo de
relacionamento é esse? Você está perdendo os seus anos de faculdade.
Demi deu um passo para
trás.
– Perdendo meus anos de
faculdade? Você se refere a ir a festas com fantasias taitianas para virar
cerveja? Ou sair com caras como os nerds que você parece escolher, quase todos
só um pouco mais inteligentes do que uma porta?
– Talvez a gente deva
concordar em discordar.
– Você acha que eu estou
com ele por causa da minha carreira, não é? Para tirar notas mais altas ou
conseguir uma vaga na emissora de TV?
– E não está? Nem um
pouquinho?
Selena soube imediatamente
que não devia ter dito isso.
– Eu sinto muito – disse
ela, estendendo a mão para a amiga. – Eu não quis dizer isso.
Demi se afastou.
– É claro que quis. A Srta.
Perfeitinha com a melhor família e as notas máximas. Eu nem sei por que você
anda comigo, uma vadia carreirista.
– Espere! – gritou Sel.
Mas Demi já saíra correndo
pela rua escura.
Ai Selena...
ResponderExcluirAmei !
Te amo ! Milena...!