Treze
A partir do momento que a
primeira reportagem de Demi foi ao ar, tudo
mudou. Eles se tornaram o quarteto fantástico: Sel, Demi, Mutt e Nicholas.
Estavam sempre juntos, amontoados no escritório, trabalhando em reportagens,
indo de um lugar a outro feito ciganos. A segunda reportagem que Demi fez foi
sobre uma coruja-do-ártico que havia feito ninho num poste de luz na ladeira do
Capitólio. Depois ela acompanhou a campanha governamental de Booth Gardner e,
embora fosse uma das dezenas de repórteres que faziam essa cobertura, parecia
que Gardner sempre respondia às perguntas dela primeiro. Quando os primeiros
milionários da Microsoft começaram a andar pelas ruas do centro da cidade em
suas Ferraris novas em folha ouvindo música geek em headphones imensos, todos
na KCPO sabiam que Demi não duraria muito tempo no menor canal de TV local. Todos
sabiam, mas talvez Nicholas fosse o mais ciente disso. Assim, embora os três
não falassem sobre o futuro, eles sentiam sua presença sombria constantemente
e, de alguma forma, isso tornava o tempo que passavam juntos mais doce e mais intenso.
Nas raras noites em que não estavam trabalhando numa matéria, Nicholas, Demi e Sel
se encontravam no Goldie’s para jogar sinuca e tomar cerveja. No nal do segundo ano juntos,
todos sabiam tudo o que havia para saber uns sobre os outros. Pelo menos tudo o
que cada um estava disposto a compartilhar. Exceto as coisas que realmente
importavam. Sel achava irônico que três pessoas que reviravam o entulho da vida
em busca de pedaços de verdade pudessem ser tão teimosamente cegas sobre suas
próprias existências. Demi não fazia ideia de que Nicholas gostava dela, e ele
não tinha a menor noção de que Sel gostava dele. Assim, aquele triângulo
esquisito e silencioso continuou, dia após dia, noite após noite. Demi sempre
perguntava a Sel por que ela não saía com ninguém. Ela queria abrir o jogo,
contar a verdade a Demi, mas sempre que começava a confessar, dava para trás.
Como poderia contar a verdade sobre Nicholas, depois de tudo o que dissera a Demi
sobre Joe? Afinal, ficar com o chefe era pior do
que com o professor. Além disso, o que Demi sabia sobre amor não correspondido?
A amiga simplesmente começaria a forçar Sel a convidar Nicholas para sair. E aí
o que Sel diria? Não posso. Ele está apaixonado por você. No fundo, num lugar sombrio sobre o qual ela raramente tomava conhecimento,
havia outro medo, um que ela só reconhecia em seus sonhos e pesadelos. Sob a
fria luz do dia, não acreditava naquilo, mas, à noite, sozinha, ela se
preocupava que, se Demi descobrisse sobre o amor de Sel, isso pudesse tornar Nicholas
mais atraente aos olhos dela. Este era o problema de sua melhor amiga. Ela não
queria o que não podia ter. Ela queria tudo. E, cedo ou tarde, Demi conseguia o
que queria. Sel não podia correr esse risco. Podia viver sem ter Nicholas, mas
não suportaria perdê-lo para Demi. Assim, Sel manteve a cabeça abaixada, as
mãos ocupadas e os sonhos escondidos. Sorria com facilidade quando a mãe, o pai
ou Demi a provocavam por sua vida social, e brincava dizendo que seus padrões
de exigência eram mais altos do que o de certas pessoas, o que sempre garantia
boas risadas. Tentava não ficar muito tempo sozinha com Nicholas também, apenas por garantia.
Embora não casse
mais atrapalhada ou gaguejando quando estava perto dele, sempre tinha a
impressão de que ele era muito perspicaz e que, se tivesse muitas
oportunidades, poderia perceber o que ela se esforçava tanto para esconder. Seu
plano deu muito certo, levando tudo em consideração, até um dia frio de
novembro de 1984, quando Nicholas a chamou em sua sala. Naquele dia os dois
estavam a sós de novo. Demi e Mutt estavam atrás de um pé-grande nas matas de
um parque nacional. Sel passou a mão pelo suéter de lã e estampou no rosto um
sorriso
impessoal ao entrar na sala dele e encontrá-lo parado na frente da
janela imunda.
– O que houve, Nicholas?
Ele estava com uma aparência terrível. Arrasado.
– Lembra que eu lhe contei sobre El Salvador?
– Claro.
– Bom, ainda tenho amigos lá. Um deles, o padre Ramón, está
desaparecido.
A irmã dele acha que o levaram a algum lugar para torturá-lo ou
que irão mata-lo. Ela quer que eu vá até lá para tentar ajudar.
– Mas é perigoso…
Ele sorriu, mas seu sorriso parecia um reflexo na água, distorcido
e irreal.
– Perigo é o meu sobrenome.
– Isso não é brincadeira. Você pode morrer. Ou desaparecer como
aquele
jornalista no Chile durante o golpe. Ele nunca mais foi visto.
– Acredite – disse ele –, não estou brincando. Eu estive lá,
lembra? Sei como
é estar vendado e ser alvo de tiros.
Ele virou a cabeça. Seus olhos ganharam uma expressão vaga e fora
de foco, e ela se perguntou do que ele estava se lembrando.
– Não posso virar as costas para as pessoas que me protegeram lá.
Você
poderia virar as costas para Demi se ela implorasse por sua ajuda?
– Eu jamais viraria as costas para ela, como você bem sabe. Porém,
eu não espero vê-la numa zona de conflitos, a menos que você considere a liquidação de aniversário da
Nordstrom.
– Eu sabia que você era a minha garota. Então posso contar que vai
manter
isso aqui funcionando enquanto eu estiver fora?
– Eu?
– Como eu disse uma vez, você é uma garota responsável.
Ela não conseguiu evitar; aproximou-se dele e olhou para cima. Ele
ia viajar,
corria o risco de se ferir, ou coisa pior.
– Mulher – corrigiu ela.
Ele a encarou, sério. Sel sentiu os poucos centímetros que havia
entre os
dois. Não precisaria de muita coisa, um movimento mínimo, para se
tocarem.
– Mulher – repetiu ele.
Então ele a deixou lá parada, sozinha, cercada pelos fantasmas de
palavras,
as coisas que ela poderia ter dito. Enquanto Nicholas esteve fora,
Sel descobriu como o tempo era elástico, como podia se estender a ponto de
minutos parecerem horas. Bastaria um telefonema, porém, de alguma autoridade
dizendo que sentia muito, para que tudo ruísse. Toda vez que o telefone tocava,
ela cava tensa. Ao final do primeiro dia, Sel
estava com uma dor de cabeça terrível. Aprendeu outra lição naquela primeira
semana. A vida continuava. Os chefões de Tacoma continuavam ligando, e um
produtor foi enviado para supervisionar as pautas que eles recebiam, mas, na
verdade, da forma como as coisas funcionaram, Sel começou a assumir algumas das
responsabilidades da produção.
Mutt e Demi confiavam nela, e Sel sabia como manter as coisas nos eixos
com o orçamento miserável que tinham. Todo aquele desejo dela
havia compensado. Aparentemente, Sel observara Nicholas o suficiente para aprender o
trabalho dele. Era uma costureira do ateliê dele, é claro, mas, mesmo assim,
era boa o bastante. Na quinta-feira da primeira semana, o produtor externo se
enfureceu, disse que tinha coisa melhor para fazer do que ficar correndo atrás
de gente maluca o dia todo e voltou para Tacoma Na sexta-feira, Sel produziu
seu primeiro segmento. Era um material leve e sem grande importância – sobre
Brakeman Bill, um antigo astro infantil da TV –, mas era dela e foi ao ar. Foi
um barato de adrenalina ver seu trabalho na tela, mesmo que todos lembrassem
apenas do rosto e da voz de Demi. Sel ligou para os pais e eles dirigiram até a
cidade para assistir ao programa junto com ela e Demi. Depois, todos brindaram
ao “sonho” e concordaram que ele estava perto de se tornar realidade.
– Sempre achei que a Katie e eu iríamos ao ar juntas, uma dupla de
âncoras,
mas acho que me enganei – disse Demi. – Em vez disso, ela vai ser
a produtora do meu programa. E quando Barbara Walters me entrevistar, vou dizer
que não conseguiria ter feito nada sem ela.
Sel ficou sentada, brindando
quando era o que se esperava dela, sorrindo e revivendo cada momento por meio
da conversa de Demi. Ela estava orgulhosa de si mesma, de verdade, e havia adorado
preparar aquele material e comemorar com os pais. Foi especialmente emocionante
quando sua mãe a levou para um canto e disse: “Estou orgulhosa de você, Katie.
Você está no seu caminho agora. Não está feliz por não ter desistido?”
Mas, o tempo todo, uma parte dela estava olhando para o relógio,
pensando em como o tempo andava devagar.
– Você está com uma aparência terrível – disse Demi no dia
seguinte, largando uma pilha de fitas em cima da mesa de Sel. O barulho a
assustou. Ela se deu conta de que estava olhando fixamente para o relógio de novo.
– É, bom, você canta muito mal.
Demi riu.
– Todo mundo tem alguma coisa que não sabe fazer.
Demi pôs as mãos espalmadas em cima da mesa de Sel e se inclinou
para a
frente.
– Joe e eu vamos ao Backstage hoje à noite. O Junior Cadillac vai
tocar.
Quer ir conosco?
– Hoje, não.
Demi olhou para a amiga.
– Qual é o problema com você? Faz mais de uma semana que anda para
baixo. Eu sei que não tem dormido, pois escuto você caminhando pela casa no meio
da noite, e você não vai a lugar nenhum. Parece que estou morando com um
elefante, de tão trombuda. Sel não conseguiu deixar de olhar para a porta da
sala de Nicholas e então para a amiga. A saudade estava se acumulando dentro
dela, com força. Se ao menos pudesse contar a verdade a Demi: que havia se
apaixonado por Nicholas sem querer e agora estava preocupada com ele… Tiraria
um peso imenso de suas costas. Em dez anos, era a primeira coisa que escondia
de Demi, e era algo que lhe causava dor física.
Mas seus sentimentos por Nicholas eram muito frágeis. Ela sabia
que a
Tempestade Tropical Demi cairia sobre eles, destruindo-os.
– Só estou cansada – disse ela. – Esse trabalho de produção é
difícil. Só isso.
– Mas você adora o trabalho, não?
– Claro. É ótimo. Agora vá embora, vá se encontrar com o Joe. Eu
fecho tudo.
Depois que Demi saiu, Sel cou um pouco no escritório escuro e silencioso. O estranho era que
ela gostava de estar ali, sentia-se próxima dele.
– Você é uma idiota – disse ela em voz alta.
Na realidade, vinha repetindo isso a si mesma pelo menos duas
vezes por dia ultimamente. Estava agindo e se sentindo como uma amante
abandonada, mas era tudo imaginação dela. Pelo menos não estava tão fora de si
que se
esquecesse disso. Foi para casa sozinha. O ônibus a deixou na esquina
da Pike com a Pine. Em meio à multidão de turistas, esquisitões e hippies,
comprou algo para comer. No apartamento, enroscou-se no sofá, jantou direto das
caixas de papelão branco e assistiu ao noticiário da noite. Depois, anotou
algumas ideias de pauta, telefonou para a mãe e ligou na NBC para assistir a
seriados. Na metade do segundo, a campainha tocou. Franzindo a testa, ela foi
até a porta.
– Quem é?
– Nicholas Ryan.
O susto que Sel levou quase a derrubou. Alívio. Alegria. Medo.
Sentiu as
três emoções num único instante. Deu uma olhada no espelho da
parede ao seu lado e arfou. Parecia um retrato de “antes” de revista de moda,
com os cabelos escorridos, sem maquiagem e as sobrancelhas por fazer.
Ele bateu à porta.
Ela abriu.
Ele estava apoiado no batente da porta usando uma calça Levi’s
suja e uma
camiseta rasgada da turnê “Born in the USA”. Estava com os cabelos
desalinhados e, embora estivesse bronzeado, parecia cansado, mais velho. Ela sentiu
cheiro de álcool também.
– Ei – disse ele, afastando os dedos da porta, numa saudação.
Com o movimento, perdeu o equilíbrio e quase caiu.
Sel amparou-o e fez com que ele entrasse, fechou a porta com um
chute e
o levou até o sofá, onde ele se sentou cambaleante.
– Eu estava no Athenian – disse ele – tentando tomar coragem para
vir até
aqui – explicou, e olhou lentamente ao redor. – Onde está a Demi?
– Saiu – disse Sel, sentindo um aperto no coração.
– Ah.
Ela se sentou ao lado dele.
– Como foi em El Salvador?
Quando ele se virou para ela, a expressão em seus olhos era tão
devastadora que ela estendeu a mão, passou o braço ao redor dele e o puxou para
perto de si.
– Ele estava morto – disse Nicholas depois de um longo silêncio. –
Antes
mesmo de eu chegar lá, ele estava morto. Mas eu precisava
encontrá-lo.
Tirou uma garrafinha do bolso de trás e tomou um longo gole.
– Quer um pouco?
Sel tomou um gole e sentiu a bebida queimando-lhe a garganta e
indo
parar feito brasa quente na boca do estômago.
– É arrasador o que está acontecendo. E quase nada está sendo transmitido.
Ninguém se importa.
– Você poderia ir como correspondente – disse ela, embora
detestasse a
ideia.
– Bem que eu gostaria… – a voz dele desapareceu, depois voltou firme. –
Notícia velha.
Tomou mais um gole.
– Talvez você devesse ir com calma.
Sel tentou tirar a garrafa da mão de Nicholas, mas ele agarrou seu
pulso e a
pôs no colo. Tocou seu rosto com a outra mão, acariciando sua
bochecha como se fosse cego e estivesse tentando imaginar como ela era.
– Você é linda – sussurrou.
– Você está bêbado.
– Você continua sendo linda.
Ele deslizou uma mão pelo braço dela e a outra pelo pescoço, até
abraçá-la.
Sel sabia que ele ia beijá-la, sentia isso em cada terminação nervosa
de seu
corpo, da mesma maneira que estava ciente de que devia impedi-lo. Ele
a puxou na sua direção, e todas as boas intenções de Sel desapareceram. Ela
cedeu à pressão das mãos dele e se deixou ser guiada até sua boca. O beijo foi
diferente de tudo o que ela já havia experimentado: suave e doce no começo,
depois intenso e ansioso. Ela se entregou a tudo, rendendo-se a ele como
sonhara tanto em fazer. A língua dele a deixou elétrica, provocando um desejo
novo e doloroso. Ela se sentiu ávida por ele, desesperada. Sem pensar, enou as mãos por baixo da camiseta,
sentindo o calor da pele masculina, precisando ficar mais próxima…
Estava com as mãos nos ombros dele, puxando o tecido de algodão
para
cima, quando se deu conta de que Nicholas estava imóvel. Ficou tão
confusa que levou um instante para entender a situação. Com a respiração
ofegante, ansiando com aquela nova vontade, recuou o suficiente para olhar para ele.
Nicholas estava recostado no sofá, com os olhos semicerrados.
Levantou a
mão lenta e desajeitadamente, quase como se não controlasse os
próprios
movimentos, e tocou nos lábios dela, traçando o contorno com a
ponta dos
dedos.
– Demi – sussurrou. – Eu sabia que seu gosto seria bom.
E, com esse golpe no coração de Sel, caiu no sono. Sel não soube
ao certo quanto tempo ficou sentada no colo dele, olhando fixamente para seu rosto enquanto ele dormia. Mais uma vez, o tempo
parecia elástico entre eles. Ela sentiu estar sangrando – mas não era sangue
que escorriam dela, eram seus sonhos que sangravam. A fantasia de amor que havia
construído sozinha e da qual cuidava com tanto carinho.
Saiu de cima dele e o ajeitou no sofá, tirando seus sapatos e
cobrindo-o com
uma manta. Na cama, com uma porta fechada entre os dois, Sel ficou acordada por um longo
tempo, tentando não repassar centenas de vezes o que havia acontecido, mas era
impossível. Ela não parava de sentir o sabor dos lábios dele, de sentir a língua
dele na dela e de ouvi-lo sussurrar Demi.
Quando finalmente caiu no sono, já passava bastante da meia-noite, e o amanhecer
chegou rápido demais. Ela bateu com força no botão para desligar o despertador,
escovou os dentes e os cabelos, vestiu um roupão e foi correndo até a sala. Nicholas
estava acordado, sentado à mesa da cozinha, tomando café numa xícara de chá.
Quando ela entrou, ele largou a xícara e se levantou.
– Oi – disse ele, passando os dedos pelos cabelos.
– Oi.
Os dois se encararam. Ela apertou o cinto do roupão atoalhado.
Ele olhou para a porta de Demi.
– Ela não está aqui – disse Sel. – Passou a noite com Joe.
– Então você me deitou no sofá e me cobriu.
– Foi.
Ele se aproximou dela.
– Eu estava muito bêbado ontem à noite. Sinto muito. Não deveria
ter
vindo.
Ela não sabia ao certo o que dizer.
– Gomez – disse ele, afinal. – Eu sei que eu estava fora do ar…
– É, estava.
– Aconteceu… aconteceu alguma coisa? Quero dizer, eu detestaria
pensar…
– Entre nós? Como poderia ter acontecido alguma coisa? – disse ela
antes
que ele pudesse terminar de dizer quanto lamentaria alguma ligação
entre eles. – Não se preocupe. Não aconteceu nada.
O sorriso dele foi de tanto alívio que ela teve vontade de chorar.
– Então acho que vejo você no trabalho hoje, né? E obrigado por
cuidar de
mim.
– Claro – falou Sel, cruzando os braços. – Para que servem os
amigos?
Larga do pé da Demi nick , po a selena ai louca por vc , quero ver maiiis jemi e quero nelena tambem ><
ResponderExcluirLindo posta mais
ResponderExcluirTenho estado ausente e peço milhões de desculpa. Estou ficando muito cansada com a volta as aulas
ResponderExcluirposta! selinho pra você http://togetheragainstory.blogspot.com.br/2014/03/primeiro-selinho-uuh-como-diz-o-blog.html. Pode divulgar meu blog
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