Parte Três
Os anos 1990
“I’m Every Woman”
Está tudo dentro de mim
Dezenove
Faça eu apagar. É sério. Se
não me derem anestesia, bata em mim com um
taco de beisebol. Esta história de respiração é balela… aaaaargh! Sel
sentiu a dor a revirando por dentro, como se fosse rasgá-la.
Ao seu lado, Nicholas estava dizendo:
– Vamos lá… puxe o ar… você consegue. Inspira… expira… assim.
Lembra das aulas? Foco. Visualize. Quer aquela estátua que a gente… Ela o
agarrou pelo colarinho e o puxou para perto.
– Eu juro por Deus que se você falar em respirar de novo eu vou
bater em você. Eu quero anestesia…
E a dor voltou, apertando, rasgando, torcendo, até ela gritar.
Durante as primeiras seis horas, ela ficara muito bem. Mantivera o foco, respirava ritmadamente, beijava
o marido quando ele se aproximava e lhe agradecia quando ele punha uma
compressa úmida em sua testa. Durante o segundo período de seis horas, perdera
seu otimismo natural. A dor implacável e torturante era como uma criatura
terrível atacando-a, arrancando cada vez mais dela, deixando cada vez menos
para trás.
Ao fim da décima sétima hora,
ela havia se transformado na pessoa mais mal-humorada do mundo. Até a
enfermeira fugia do quarto às pressas.
– Vamos lá, querida, respire. É tarde demais para tomar anestesia.
Você ouviu o médico. Não falta muito.
Sel percebeu que mesmo enquanto tentava acalmá-la, Nicholas não
chegava muito perto. Estava parecendo um soldado apavorado num campo minado que
havia acabado de ver o melhor amigo explodir. Estava com medo até de se mexer.
– Onde está a mamãe?
– Acho que ela desceu para ligar para a Demi de novo.
Sel tentou se concentrar na respiração, mas isso não ajudou. A dor
estava aumentando de novo. Ela se agarrou às grades da cama com as mãos suadas.
– Me… dê… um… pouco… de… gelo!
Teria sido engraçado ver Nicholas sair correndo pela porta, se ela
não estivesse se sentindo aquela menina nadando sozinha em Tubarão. A porta do quarto
abriu-se com um estrondo.
– Ouvi dizer que tem uma megera fazendo escândalo aqui.
Sel tentou sorrir, mas outra contração estava vindo.
– Eu… não… quero… mais… fazer… isso.
– Mudou de ideia? Que timing perfeito.
Demi foi para o outro lado da cama.
A dor começou de novo.
– Grite – disse Demi, acariciando sua testa.
– Eu… preciso… respirar.
– Foda-se esse negócio de respirar. Grite.
Sel então gritou, e a sensação foi boa. Quando a dor diminuiu de
novo, ela
riu fraquinho.
– Imagino que seja contra Lamaze.
– Eu não diria que sou o tipo de garota que defende o parto
natural – explicou Demi, e olhou para a barriga inchada e o rosto pálido e
suado de Sel. – Naturalmente, este é o melhor comercial de controle de
natalidade que eu já vi. De agora em diante, vou começar a usar três camisinhas
por vez. Demi sorriu, mas havia preocupação em seus olhos. – Você está bem
mesmo? Devo chamar o médico?
Sel sacudiu ligeiramente a cabeça.
– Só converse comigo. Me distraia.
– Eu conheci um cara. Passamos a maior parte do último fim de semana juntos. O sexo
foi muito bom.
– Qual o nome dele?
– Claro que essa seria a sua pergunta. Sterling. E antes que você
comece a fazer um monte de perguntas da Cosmopolitan do tipo como-conhecer-bemseu-homem, vou dizer que eu não sei
absolutamente nada a respeito dele, exceto que ele beija como um deus e trepa
como um diabo. Mais uma contração. Sel arqueou as costas e gritou de novo. Ao
longe, podia ouvir a voz de Demi e sentir a amiga acariciando sua testa, mas a
dor foi tão forte que ela não conseguiu fazer nada além de arfar.
– Merda! – disse
ela quando passou. – A próxima vez que o Nicholas chegar
perto de mim, vou dar um soco nele.
– Era você quem queria um bebê.
– Vou arrumar outra melhor amiga. Preciso de alguém com uma
memória mais curta.
– Eu tenho memória curta. Ah… Saí com um cara que é perfeito para
mim.
– Por quê? – disse Sel, arfando.
– Ele mora em Londres. Só nos vemos de vez em quando, e para fazer
um
sexo arrasador, devo acrescentar…
– Foi por isso que não atendeu quando a mamãe ligou?
– A gente estava no meio da coisa, mas, assim que terminamos, eu
comecei
a fazer as malas.
– Bom saber que você tem… ah, merda… prioridades.
Sel estava no meio de mais uma contração quando a porta do quarto
se abriu de novo. A enfermeira entrou primeiro, seguida de Nicholas e da mãe de
Sel. Demi recuou, deixando os demais se aproximarem. A certa altura, a enfermeira
conferiu o colo do útero de Sel e chamou o médico. Ele invadiu o
quarto, sorrindo como se tivesse cruzado com ela no supermercado,
e vestiu
luvas para examiná-la. Então retirou o apoio que sustentava suas
pernas e disse que estava na hora.
– Faça força – mandou o médico, com uma voz completamente razoável
e sem dor, que deixou Sel com vontade de arrancar os olhos dele. Ela gritou e
fez força e chorou até que, com a rapidez com que havia começado, a agonia
terminou.
– Uma menininha perfeita – anunciou o médico. – Papai, quer cortar
o cordão umbilical?
Sel tentou se levantar, mas estava fraca demais. Instantes depois,
Nicholas
estava ao seu lado, dando a ela um embrulho minúsculo, enrolado em
um tecido cor-de-rosa. Pegou a filha nos braços e olhou para o rostinho em forma de coração. Ela
tinha um monte de cabelos pretos, a pele clarinha da mãe e a boca mais perfeita
que Sel já vira. O amor que explodiu dentro dela foi grande demais para
descrever.
– Oi, Marah Devonne – sussurrou, segurando o punho do tamanho de
uma uva
da filha. – Bem-vinda, filhinha.
Quando olhou para Nicholas, ele estava chorando. Então se abaixou
e lhe deu um beijo suave como o bater das asas de uma borboleta.
– Eu te amo, Selly.
Nunca tudo estivera tão perfeito em seu mundo. E ela sabia que, o
que quer que acontecesse, o que quer que a vida tivesse reservado para ela,
sempre se lembraria daquele único e brilhante instante como seu pedaço de céu.
Demi implorou por mais dois dias de folga do trabalho para que
pudesse ajudar Sel em casa. Quando fizera a ligação, parecera algo inquestionavelmente vital. Mas
agora, apenas algumas horas depois de Sel e Marah receberem alta, Demi via a
verdade. Ela era tão útil quanto um microfone desligado. A Sra. Gomez parecia
uma máquina. Alimentava Sel antes que a amiga sequer mencionasse estar com
fome. Trocava as fraldas minúsculas da bebê como num passe de mágica. E ensinou
Sel a amamentar a filha. Aparentemente, isso
não era algo instintivo, como Demi imaginara. E qual era a sua contribuição?
Quando tinha sorte, fazia Sel rir. Na maioria das vezes, porém, a melhor amiga
apenas suspirava, parecendo ao mesmo tempo impressionantemente apaixonada pela filha e profundamente cansada.
Naquele momento, Sel estava deitada na cama, com a bebê no colo.
– Ela não é linda?
Demi olhou para o embrulhinho cor-de-rosa.
– É mesmo.
Sel acariciou o rostinho minúsculo da filha, sorrindo para ela.
– É melhor você ir embora, Demi. De verdade. Volte quando eu
estiver animada.
Demi tentou não deixar o alívio transparecer.
– Estão mesmo precisando de mim por lá. As coisas devem estar um caos sem a
minha presença.
Sel sorriu de forma compreensiva.
– Eu não teria conseguido sem você, sabia?
– É mesmo?
– É mesmo. Agora dê um beijo na sua afilhada e volte ao trabalho.
– Eu voltarei para o batizado.
Demi se abaixou e beijou a bochecha aveludada de Marah, depois a
testa de
Sel. Quando sussurrou sua despedida e chegou à porta, Sel parecia
ter se esquecido completamente dela.
Lá embaixo, encontrou Nicholas atirado numa cadeira ao lado da
lareira, tomando uma cerveja. Estava muito descabelado, com a camiseta ao
contrário e meias de pares diferentes. Estava tomando cerveja às onze da manhã.
– Você está um horror – disse ela, sentando ao lado dele.
– Ela acordou de hora em hora esta noite. Eu dormia melhor em El
Salvador
– falou, e tomou um gole. – Mas ela é linda, não é?
– Maravilhosa.
– Selly quer se mudar para o subúrbio agora. Acabou de se dar
conta de que esta casa é cercada por água, então agora vamos nos mudar para
algum bairro onde vendam bolos e façam encontros de crianças. Você consegue me
imaginar em Bellevue ou Kirkland, com todos aqueles yuppies?
O curioso era que ela conseguia.
– E o trabalho?
– Vou voltar a trabalhar na KILO. Vou produzir reportagens
internacionais
e de política.
– Isso não combina com você.
Nicholas pareceu surpreso com a resposta. Quando ele olhou para Demi,
ela
viu um relance de lembrança: ela o fizera lembrar do passado
deles.
– Eu tenho 35 anos, Dem. Tenho mulher e filha. Vou ter que ser feliz
com
coisas diferentes.
Demi não pôde deixar de notar que ele disse “vou”.
– Mas você adora campos de batalha, tiros de morteiro e pessoas
atirando em você. Nós dois sabemos que você não pode abrir mão disso para
sempre.
– Você só acha que me conhece, Demi. Não somos o que se chamaria
de
confidentes.
Ela lembrou de repente, enfaticamente, o que deveria esquecer.
– Você tentou.
– Tentei – concordou ele.
– Selly iria querer que você fosse feliz. Você mataria a pau na
CNN.
– Em Atlanta? – riu ele. – Um dia você vai entender.
– Quer dizer quando eu me casar e tiver filhos?
– Quero dizer quando se apaixonar. Isso muda a gente.
– Como mudou você? Um dia eu vou ter um filho e querer escrever para
o
Queen Anne Bee de novo, é isso?
– Você precisaria se apaixonar antes, não?
Nicholas olhou para ela de uma maneira tão compreensiva, tão
inteligente, que Demi se sentiu incomodada. Não era a única pessoa que estava
se lembrando do passado.
Demi se levantou.
– Preciso voltar para Manhattan. Sabe como são as notícias. Nunca
param.
Nicholas largou a cerveja e se levantou, indo na direção dela.
– Faça isso por mim, Demi. Cubra o mundo.
Pareceu triste, a forma como ele disse aquilo. Demi não entendeu
se o que havia escutado em sua voz era arrependimento por si mesmo ou tristeza
por ela.
Ela se obrigou a sorrir.
– Pode deixar.
Duas semanas depois de Demi voltar de Seattle, uma tempestade
cobriu Manhattan de neve e paralisou a cidade frenética. Ao menos por algumas
horas.
Os carros desapareceram quase que imediatamente. A neve
branquíssima
cobriu as ruas e calçadas, transformando o Central Park num
paraíso de inverno.
Ainda assim, Demi chegou ao trabalho às quatro da manhã. Em seu apartamento
gelado sem elevador, com o radiador da calefação fazendo barulho e gelo
cobrindo as antigas janelas de vidro no, ela vestiu meia-calça, jeans, botas de neve e dois suéteres.
Cobriu tudo com um casaco de lã azul-marinho e complementou com luvas cinza.
Então saiu para enfrentar a intempérie. Inclinava o corpo contra o vento
enquanto caminhava pela rua. A neve prejudicava sua visão e lhe queimava o rosto.
Ela não se importou. Gostava tanto do trabalho que faria de tudo para chegar lá
cedo.
No saguão do prédio, bateu a neve das botas, apresentou-se na
recepção e subiu. Quase imediatamente percebeu que a maior parte da equipe não
chegara.
Apenas um grupo mínimo estava lá.
Em sua mesa, começou logo a trabalhar na pauta que havia recebido
no dia anterior. Estava fazendo pesquisa sobre a controvérsia em torno da
coruja pintada no Noroeste. Determinada a incluir um ponto de vista diferente
na
matéria, estava lendo tudo o que podia encontrar – relatórios de
subcomissões do Senado, descobertas ambientais, estatísticas econômicas sobre
madeireiras, a fecundidade de florestas de mata nativa.
– Você está trabalhando pesado.
Demi ergueu o olhar de repente. Estava tão absorta na leitura que
não havia
escutado ninguém se aproximando da sua mesa.
E não era qualquer um.
Edna Guber, usando um terninho de gabardine preto feito por algum estilista
famoso, estava parada ao seu lado, fumando um cigarro. Olhos cinza atentos a
encaravam de debaixo de uma franja preta reta estilo Anna Wintour. Edna era
famosa no jornalismo, uma daquelas mulheres que percorreram ferozmente o
caminho até o topo numa época em que outras pessoas do mesmo sexo não conseguiam
entrar pela porta da frente a menos que fossem boas secretárias. Edna – apenas
o primeiro nome era usado ou necessário – era conhecida por ter uma agenda com
os telefones residenciais de todo mundo, de Fidel Castro a Clint Eastwood. Supostamente,
não havia entrevista que ela não pudesse conseguir e lugar no mundo aonde ela
não iria para encontrar o que quisesse.
– O gato comeu sua língua? – disse ela, exalando fumaça.
Demi ficou de pé num salto.
– Sinto muito, Edna. Sra. Guber. Senhora.
– Detesto quando as pessoas me chamam de senhora. Fico me sentindo
velha. Você me acha velha?
– Não, s…
– Ótimo. Como você chegou aqui? Os táxis e ônibus estão uma merda
hoje.
– Eu vim a pé.
– Nome?
– Demi Lovato. Demetria.
Edna estreitou os olhos. Olhou Demi firmemente de cima a baixo.
– Me siga.
Deu meia-volta no salto da bota preta e marchou pelo corredor, a
caminho da sala no canto do prédio.
Caramba.
O coração de Demi disparou. Ela nunca havia sido convidada para
aquela sala, nunca sequer havia conhecido Maury Stein, o mandachuva do programa
matinal.
A sala era imensa, com duas paredes de janelas, através das quais
a neve caindo tornava tudo cinza, branco e sombrio. Era mais ou menos como
estar
dentro de um globo de neve, olhando para fora.
– Esta aqui vai servir – falou Edna, fazendo sinal para Demi com a
cabeça.
Maury ergueu o olhar do que estava fazendo. Mal viu Demi, mas
assentiu.
– Ótimo.
Edna saiu da sala.
Demi ficou lá parada, confusa. Então ouviu Edna dizer:
– Está tendo um ataque epilético ou entrou em coma?
Demi a seguiu até o corredor.
– Tem papel e caneta?
– Tenho.
– Não precisa responder, só faça o que eu pedir, e rápido.
Demi pegou uma caneta do bolso e um pedaço de papel de cima de uma
mesa próxima.
– Pronto.
– Em primeiro lugar, quero um relatório detalhado da eleição na
Nicarágua.
Você sabe o que está acontecendo por lá?
– Claro – mentiu Demi.
– Quero que saiba tudo sobre os sandinistas, a política de Bush
para a Nicarágua, o bloqueio, as pessoas que moram lá. Quero saber quando
Violeta Chamorro perdeu a virgindade. E você tem doze dias para isso.
– Sim…
Demi evitou dizer “senhora” bem a tempo. Edna parou em frente à
mesa de
Demi.
– Você tem passaporte?
– Tenho. Precisei fazer um quando me contrataram.
– É claro. Nós vamos viajar no dia 16. Antes de irmos…
– Nós?
– Por que diabos você acha que estou falando com você? Tem algum problema
com isso?
– Não. Nenhum problema. Obrigada. Eu realmente…
– Vamos precisar tomar vacinas. Chame um médico aqui para cuidar
de nós
e da equipe. Então pode começar a marcar entrevistas. Entendeu? –
falou, e
olhou para o relógio de pulso. – O fuso horário de lá tem uma hora
a menos.
Fale comigo na sexta-feira, digamos, às cinco da manhã?
– Vou começar agora mesmo. E obrigada, Edna.
– Não me agradeça, Lovato. Apenas faça o seu trabalho… e faça
melhor do
que qualquer outra pessoa faria.
– Pode deixar.
Demi voltou para a mesa e tirou o telefone do gancho. Antes de
terminar de
discar o número, Edna não estava mais por perto.
– Alô? – disse Sel, com a voz grogue.
Demi olhou para o relógio. Eram nove horas. O que significava que eram
seis da manhã em Seattle.
– Oops. Errei de novo. Desculpe.
– A sua afilhada não dorme. O sono dela é uma anomalia. Posso ligar de
volta em algumas horas?
– Na verdade, estou ligando para falar com o Nicholas.
– O Nicholas?
No silêncio que antecedera a pergunta, Demi ouvira um bebê começar
a
chorar.
– Edna Guber está me mandando para a Nicarágua. Quero fazer
algumas
perguntas a ele.
– Só um instante.
Sel passou o telefone. Houve um barulho como papel sendo amassado,
uma porção de sussurros, e então Nicholas atendeu.
– Oi, Demi, que bom para você. A Edna é uma lenda.
– É a minha grande chance, Nicholas, e eu não quero estragar.
Pensei em
começar pegando informações com você.
– Eu não durmo há um mês, então não sei quanto ainda restou da
minha mente, mas vou fazer o possível – falou Nicholas, e parou um instante
para pensar. – Você sabe que é perigoso lá, né? Um verdadeiro barril de
pólvora.
Tem gente morrendo.
– Você parece preocupado comigo.
– Claro que estou preocupado. Agora, vamos começar com a história importante.
Em 1960 ou 1961, a Frente Sandinista de Libertação Nacional, ou FSLN, foi
fundada…
Demi foi anotando o mais rápido que podia.
Por pouco menos de duas semanas, Demi trabalhou como nunca.
Durante dezoito, vinte horas por dia, lia, escrevia, fazia telefonemas, marcava
entrevistas. Nas poucas e raras horas em que não estava trabalhando ou tentando
dormir, ia ao tipo de lojas a que jamais fora – lojas de camping, de
suprimentos militares e coisas do gênero. Comprou canivetes,
chapéus de safari e botas de caminhada. Tudo e qualquer coisa em que podia
pensar. Se estivesse no meio da selva e Edna quisesse um maldito mata-moscas, Demi
teria um. Quando efetivamente partiram, ela estava nervosa. No aeroporto,
bastou que olhasse para a roupa cáqui cheia de bolsos de Demi para Edna cair na
gargalhada. Ela estava usando uma calça de linho com friso e uma blusa branca de
algodão.
Durante as intermináveis horas de voo, passando por Dallas e pela
Cidade do México e finalmente, num avião pequeno, até Manágua, Edna encheu Demi de
perguntas.
O avião aterrissou no que Demi achou parecido com um quintal.
Homens –
meninos, na verdade – usando roupas camufladas estavam postados no perímetro
da pista, empunhando rifles. Crianças saíram do meio da selva para brincar diante do vento
dos motores. A dicotomia da imagem era algo que Demi sabia que jamais iria
esquecer, mas, do instante em que saiu do avião até reembarcar para casa, cinco
dias depois, teve muito pouco tempo para pensar em imagens.
Edna estava sempre em movimento.
Elas caminharam através de selvas repletas de guerrilheiros,
ouvindo os gritos dos macacos e matando mosquitos, e navegaram rios cheios de
jacarés.
Às vezes, eram vendadas, às vezes, podiam ver. Nas profundezas da
selva, enquanto Edna gravava sua entrevista com El Jefe, o general no comando, Demi
conversava com as tropas.
A viagem abriu seus olhos para um mundo que ela nunca vira antes.
Mais do que isso, a viagem lhe mostrou quem ela era. O medo e o barato da adrenalina
a estimularam mais do que qualquer outra coisa. Mais tarde, quando a reportagem
estava pronta, e ela e Edna estavam de volta ao hotel na Cidade do México,
sentadas na varanda do quarto de Edna e tomando tequila, Demi disse:
– Não tenho como agradecer a você, Edna.
Edna tomou mais uma dose e se recostou na cadeira. A noite estava silenciosa.
Era a primeira vez em dias que elas não ouviam tiros.
– Você se saiu bem, garota.
O orgulho de Demi atingiu proporções quase dolorosas.
– Obrigada. Eu aprendi mais com você nas últimas semanas do que em
quatro anos de faculdade.
– Então talvez queira ir comigo na minha próxima reportagem.
– Para qualquer lugar, a qualquer hora.
– Vou entrevistar Nelson Mandela.
– Conte comigo.
Edna se virou para ela. A luz laranja da lâmpada do outdoor
ressaltou suas
rugas, deixando-a com olheiras. Com essa iluminação, ela parecia
dez anos
mais velha, e cansada. Talvez um pouco bêbada.
– Você tem namorado?
– Do jeito que eu trabalho? – rebateu Demi sorrindo, e se serviu
de mais
uma dose. – Difícil.
– É – falou Edna. – A história da minha vida.
– Você se arrepende? – perguntou Demi.
Se as duas não estivessem bebendo, jamais teria feito uma pergunta
tão
pessoal, mas a tequila havia esmaecido os limites entre elas por
apenas aquele instante. Demi podia fingir que as duas eram colegas em vez de
ícone/novata.
– De ter feito disso a sua vida, quero dizer.
– É um preço que se paga, isso é certo. Para a minha geração, pelo
menos, não se podia trabalhar nisso e ser casada. Era possível se casar, e eu
me casei, três vezes, mas não era possível continuar casada. E pode esquecer de
ter filhos.
Quando alguma coisa acontecia, eu precisava estar lá, ponto.
Poderia ser no dia do casamento do meu filho, que eu teria ido. Então, eu vivi
sozinha.
Ela olhou para Demi.
– E adorei. Cada segundo. Se acabar morrendo numa casa de repouso sozinha,
quem se importa? Eu estive onde queria estar cada instante da minha vida e fiz
algo que importava.
Demi sentiu como se estivesse sendo batizada na religião em que
sempre acreditara.
– Amém.
– E então, o que você sabe sobre a África do Sul?
posta logo, o joe podia aparecer mais!!!!!!!
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