domingo, 2 de março de 2014

Amigas Para Sempre Capítulo 3

Três
Ainda estava escuro quando o despertador de Selena Gomez tocou. Ela resmungou e permaneceu deitada, olhando fixamente para o teto inclinado. Só de pensar em ir à escola, já se sentia mal. Para ela, a oitava série era um horror: 1974 havia se revelado um ano péssimo, um deserto social. Graças a Deus, faltava apenas um mês para as aulas terminarem. Não que o verão prometesse ser melhor. Na sexta série, ela tivera duas grandes amigas. Faziam tudo juntas – exibiam seus cavalos, frequentavam o grupo de jovens e andavam de bicicleta de casa em casa. No verão em que fizeram 12 anos, tudo acabou. As amigas piraram; não havia outra forma de descrever o que acontecera. Passaram a fumar maconha antes da escola, a matar aulas, e nunca perdiam uma festa. Como Selena não as acompanhava, elas a deixaram de lado. Ponto. E os meninos e meninas “bons”não se aproximavam dela porque ela fizera parte do clube das maconheiras. Agora, os livros eram seus únicos amigos. Havia lido O senhor dos anéis tantas vezes que era capaz de recitar cenas inteiras de cor. Não era o tipo de coisa que a ajudasse a se tornar popular. Suspirou e saiu da cama. No minúsculo closet do andar de cima que recentemente havia sido transformado em banheiro, ela tomou uma ducha rápida, fez uma trança nos cabelos louros lisos e pôs os óculos de aros grossos. Eles estavam absolutamente fora de moda – o que se usava agora eram óculos de lentes redondas sem aros, mas seu pai dissera que ainda não dava para comprar outra armação. No andar de baixo, ela foi até a porta dos fundos, dobrou as calças até as canelas e calçou as imensas botas pretas de borracha que ficavam nos degraus de concreto. Caminhando como Neil Armstrong, ela atravessou o lamaçal até o galpão que ficava na parte de trás do terreno. A velha égua da família veio mancando até a cerca e a cumprimentou relinchando.
– Oi, Sweetpea – disse Sel, atirando um maço de feno no chão e coçando a orelha aveludada do animal. – Também senti sua falta.
E era verdade. Dois anos antes, elas tinham sido inseparáveis. Selena montara aquela égua durante todo o verão e ganhara vários prêmios na feira de Snohomish. Mas as coisas mudavam rápido. Agora ela sabia disso. Um cavalo podia envelhecer da noite para o dia e 􀙼car manco. Um amigo podia se tornar um estranho com a mesma rapidez.
– Tchau.
Ela claudicou o caminho escuro e enlameado de volta e deixou as botas na varanda. Quando abriu a porta dos fundos, entrou num pandemônio. Sua mãe estava dentro da pequena cozinha, preparando o café da manhã e berrando uma resposta a alguma pergunta desconhecida. Como sempre, estava na frente do fogão usando seu vestido de flores desbotado e pantufas cor-de-rosa de pelo embolado, fumando um cigarro mentolado Eve e despejando massa sobre uma frigideira elétrica retangular de bordas arredondadas. Os cabelos na altura dos ombros estavam presos em marias-chiquinhas mirradas, amarradas com fita cor-de-rosa.
– Ponha a mesa, Selly – pediu ela, sem levantar o olhar. – Sean! Desça. Selena obedeceu. Pouco antes de terminar a tarefa, a mãe estava atrás dela, servindo leite nos copos.
– Sean… café – berrou a mãe de novo para o andar de cima. Desta vez, acrescentou as palavras mágicas: – Já servi o leite.
Em segundos, seu irmão de 8 anos desceu correndo a escada e se atirou na direção da mesa de fórmica bege, dando risada ao tropeçar no filhote de labrador que havia entrado recentemente para a família. Selena estava prestes a se sentar no lugar de sempre quando olhou para a sala do outro lado da cozinha. Pela janela grande que ficava acima do sofá, ela viu algo que a surpreendeu. Uma van de mudança virando na entrada de garagem da casa do outro lado da rua.
– Nossa.
Ela cruzou os dois cômodos carregando seu prato e ficou na janela, olhando através dos 12 mil metros quadrados de terreno da família e colina abaixo, para a casa do outro lado da rua, que estivera desocupada desde sempre. Ouviu os passos da mãe, ruidosos sobre o piso de linóleo da cozinha que imitava tijolos e silenciosos ao passar para o tapete verde-musgo da sala de estar.
– Alguém está se mudando para o outro lado da rua – disse Sel.
– É mesmo?
Não. Estou mentindo.
– Talvez tenham uma menina da sua idade. Seria legal você ter uma amiga.
Selena conteve uma resposta irritada. Só as mães achavam que era fácil fazer amizades na escola.
– Tanto faz.
Ela se virou abruptamente, levando o prato para o corredor, onde terminou o café da manhã em paz embaixo do quadro de Jesus.
Como era de esperar, sua mãe a seguiu. Ficou parada ao lado do quadro de tapeçaria da santa ceia sem dizer nada.
– O que foi? – disparou Selena quando não conseguiu mais aguentar.
O suspiro da mãe foi tão baixinho que mal deu para escutar.
– Por que estamos sempre discutindo ultimamente?
– É você quem começa.
– Dizendo olá e perguntando como você está? É, eu sou uma bruxa.
– É você quem está dizendo.
– Não é minha culpa, sabe?
– O que não é sua culpa?
– Que você não tenha nenhum amigo. Se você…
Selena saiu de perto. Em nome de São Judas, se ouvisse mais um sermão na linha de que ela precisava se esforçar mais, iria vomitar. Felizmente – para variar –, a mãe não a seguiu. Em vez disso, voltou à cozinha, chamando:
– Rápido, Sean. O ônibus escolar dos Gomez sai em dez minutos.
O irmão dela riu. Selena revirou os olhos. Era tão idiota. Como podia rir da mesma piada idiota todos os dias?
A resposta veio tão rápido quanto a pergunta: era porque ele tinha amigos. A vida com amigos tornava tudo mais fácil. Ela se escondeu no quarto até ouvir a partida do motor da velha perua Ford. A última coisa que queria era que a mãe a levasse para a escola, para ficar gritando tchau e acenando feito uma participante de programa de TV quando Selena saísse do carro. Todo mundo sabia que era suicídio social ser levado à escola pelos pais. Quando ouviu o barulho dos pneus passando lentamente pelo cascalho da entrada da garagem, desceu novamente, lavou a louça, juntou suas coisas e saiu da casa. Do lado de fora, o sol estava brilhando, mas a chuva da noite anterior havia salpicado a entrada de carros com buracos de lama do tamanho de pneus. Sem dúvida, os veteranos da loja de ferragens já estavam começando a comentar sobre a enchente. A lama colava nas solas de seus sapatos, fazendo-a diminuir a velocidade. Estava tão preocupada em não estragar suas únicas meias coloridas que já estava no final da entrada de carros quando percebeu a menina parada do outro lado da rua. Ela era maravilhosa. Alta e com peitos grandes, tinha cabelos castanho avermelhados compridos e ondulado e o rosto da princesa Caroline de Mônaco, além de pele clara, lábios carnudos e cílios longos. E as roupas: ela estava usando uma calça jeans de cintura baixa com três botões muito bacana, com enormes retalhos de tecido em tie-die na bainha formando bocas de sino. Seus sapatos plataforma de solado de cortiça tinham saltos de dez centímetros e a bata cor-de-rosa com mangas morcego exibiam pelo menos cinco centímetros de barriga. Selena abraçou seus livros desejando que não tivesse espremido suas espinhas na noite anterior. Ou que não estivesse usando jeans masculinos da Sears.
– O-oi – disse ela, ao parar no seu lado da rua. – A parada do ônibus é do lado de cá – avisou.
Os olhos cor de chocolate com muito rímel preto e uma sombra azul brilhante a encararam sem revelar nada. Naquele momento, o ônibus da escola chegou. Chiando e rangendo, parou na rua. Um menino por quem ela tinha uma queda enfiou a cabeça pela janela e gritou:
– Ei, Selena, a enchente já baixou – e deu risada.
Selena baixou a cabeça e entrou no ônibus. Depois de se sentar no costumeiro assento da frente – sozinha –, ela manteve a cabeça abaixada, esperando que a menina nova passasse por ela, mas ninguém mais embarcou. Quando as portas fecharam e o ônibus arrancou, ousou olhar de volta para a rua.
A menina com o jeito mais bacana do mundo não estava lá. Demi já não havia se encaixado. Levara duas horas escolhendo suas roupas naquela manhã – uma composição vinda diretamente das páginas da revista Seventeen – e tudo o que vestira estava inadequado. Quando o ônibus escolar chegou, ela tomara uma decisão rápida. Não iria à escola naquele lugar cheio de caipiras. Snohomish devia ficar a menos de uma hora do centro de Seattle, mas, para ela, parecia estar na lua. Eis quanto aquele lugar era esquisito.
Não.
De jeito nenhum.
Ela marchou pela entrada de carros feita de cascalho e empurrou a porta da frente com tanta força que a bateu contra a parede.
Havia aprendido que uma boa dramatização enfatizava as suas intenções.
– Você deve estar chapada – disse ela em voz alta, percebendo um pouco tarde demais que as únicas pessoas na sala eram os homens da mudança. Um deles fez uma pausa e olhou sem ânimo para ela.
– Ahn?
Ela passou por eles, dando um encontrão tão forte no armário que eles praguejaram baixinho. Não que ela se importasse. Detestava ficar daquele jeito, bufando de raiva. Não permitiria que sua suposta mãe a fizesse se sentir toda errada, não depois de todas as vezes que aquela mulher a abandonara. Na suíte, sua mãe estava sentada no chão, recortando fotos da revista Cosmopolitan. Como sempre, seus cabelos compridos e ondulados estavam desgrenhados, com uma faixa antiquada de couro e contas. Sem olhar para cima, ela virou para a página seguinte, onde um sorridente Burt Reynolds nu cobria o pênis com uma das mãos.
– Eu não vou estudar nessa escola provinciana. Eles são um bando de caipiras.
– Ah – fez a mãe, que virou a página novamente, pegou a tesoura e começou a recortar um ramo de flores de um anúncio. – Tudo bem.
Demi quis gritar.
– Tudo bem? Tudo bem? Eu tenho 14 anos.
– Minha função é amar e apoiar você, não dar bronca.
Demi fechou os olhos, contou até dez e disse de novo:
– Eu não tenho nenhum amigo aqui.
– Faça novos amigos. Ouvi dizer que você era a Miss Popularidade na sua antiga escola.
– Qual é, mamãe, eu…
– Nuvem.
– Não vou chamá-la de Nuvem.
– Está bem, Demetria.
A mãe ergueu o olhar para se certificar de que ela havia sido clara. E havia.
– Meu lugar não é aqui.
– Você sabe muito bem que as coisas não são assim, Demi. Você é uma filha da terra e do céu, seu lugar é em todos os lugares. O Bhagavad Gita diz que…
– Chega.
Demi virou as costas e se afastou, deixando a mãe falando sozinha. A última coisa que queria ouvir era algum conselho sem sentido vindo de uma hippie drogada. Na saída de casa, tirou um maço de cigarros Virginia Slims da bolsa da mãe e seguiu para a rua. Durante a semana seguinte, Selly ficou observando a distância a menina nova. Demi Lovato era diferente, de um jeito ousado e bacana: tinha uma espécie de brilho que ofuscava todas as outras pessoas que passavam pelos corredores verdes desbotados da escola. Ela não tinha hora para voltar para casa e não se importava de ser flagrada fumando no bosque atrás da escola. Todo mundo estava falando sobre isso. Selly podia perceber o espanto nas vozes ao sussurrarem coisas sobre ela. Para os adolescentes que haviam crescido nas fazendas de gado leiteiro e nas casas de operários da fábrica de papel do vale Snohomish, Demi Lovato era exótica. Todos queriam ser amigos dela. A popularidade instantânea da vizinha tornou a exclusão de Selena ainda mais insuportável. Ela não sabia ao certo por que isso a feria tanto. Tudo o que sabia era que, todas as manhãs, quando as duas ficavam paradas no ponto de ônibus uma ao lado da outra e, no entanto, com um mundo de distância, separadas por um silêncio absoluto, Selena sentia um desejo desesperado de ser reconhecida por Demi. Não que isso algum dia fosse acontecer.
–… antes de o programa de Carol Burnett começar. Está pronto. Sel?
Selly?
Selena levantou a cabeça. Havia caído no sono em cima do livro de estudos sociais na mesa da cozinha.
– Ahn? O que você disse? – perguntou ela, pondo de volta os óculos pesados.
– Preparei macarrão com carne para as nossas novas vizinhas. Quero que você leve.
– Mas… – Selena tentou pensar numa desculpa, qualquer coisa que a tirasse daquela situação. – Elas já se mudaram há uma semana.
– Então eu estou atrasada. As coisas andam meio complicadas ultimamente.
– Eu tenho muito dever de casa. Mande o Sean.
– Acho que Sean não vai conseguir fazer amizades lá, não é?
– Eu também não – respondeu Selena com certa melancolia.
A mãe a encarou. Os cabelos castanhos que ela enrolara e penteara com tanto cuidado naquela manhã haviam despencado durante o dia, e a maquiagem desbotara. Agora, seu rosto redondo de maçãs salientes parecia pálido e abatido. Seu colete roxo e amarelo – presente de Natal do ano anterior – estava abotoado de maneira errada. Encarando Sel, atravessou a cozinha e sentou à mesa.
– Posso dizer uma coisa sem que você fique furiosa comigo?
– Provavelmente não.
– Eu sinto muito em relação a você e Joannie.
De todas as coisas que Selena poderia esperar ouvir, aquela nem apareceria na lista.
– Não tem importância.
– Tem importância, sim. Ouvi falar que ela tem andado com um pessoal muito suspeito ultimamente.
Selena queria dizer que ela não se importava nem um pouco, mas, para seu horror, sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Foi tomada pelas lembranças – de Joannie e ela andando na roda gigante na última feira, das duas sentadas do lado de fora dos estábulos, conversando sobre como o próximo ano na escola seria legal. Ela deu de ombros.
– É.
– A vida é dura às vezes. Principalmente aos 14 anos.
Selena revirou os olhos. Se havia uma coisa de que tinha certeza era que a mãe não sabia nada sobre como a vida podia ser dura para uma adolescente.
– É uma merda mesmo.
– Vou fingir que não ouvi você dizer essa palavra. Vai ser fácil, porque nunca mais vou voltar a ouvir. Certo?
Selena desejou ser como Demi. Ela jamais recuaria com facilidade. Ela provavelmente acenderia um cigarro naquele momento e desafiaria a mãe a dizer alguma coisa.
A mãe revirou o bolso da saia e encontrou seus cigarros. Depois de acender um, analisou Sel.
– Sabe, eu amo você, eu a apoio e eu nunca deixaria ninguém magoá-la. Mas, Selly, eu preciso perguntar: o que é que você está esperando?
– O que você quer dizer?
– Você passa todo o seu tempo lendo e fazendo dever de casa. Como as pessoas vão conhecê-la se age dessa maneira?
– As pessoas não querem me conhecer.
A mãe tocou sua mão de forma gentil.
– Nunca é bom ficar sentada esperando que alguém ou alguma coisa mude a nossa vida. É por isso que mulheres como Gloria Steinem estão queimando sutiãs e fazendo protestos em Washington.
– Para que eu possa fazer amizades?
– Para que você saiba que pode ser o que quiser. A sua geração tem muita sorte. Vocês podem ser o que quiserem. Mas você precisa se arriscar às vezes. Se abrir para o mundo. Uma coisa que eu posso lhe dizer com certeza é o seguinte: na vida, a gente só se arrepende do que não faz. Selena ouviu algo estranho na voz de sua mãe, uma tristeza que marcou a palavra “arrepende”. Mas o que sua mãe poderia saber sobre o campo de batalha da popularidade do mundo escolar? Fazia décadas que ela havia sido
adolescente.
– É, tá certo.
– É verdade, Selena. Um dia você vai ver como eu sou inteligente – garantiu a mãe, sorrindo e lhe dando um tapinha na mão. – Se você for como todos nós, isso vai acontecer mais ou menos quando você quiser que eu fique de babá para você pela primeira vez.
– Do que você está falando?
Sua mãe riu de alguma piada que Selena nem sequer entendeu.
– Estou feliz por termos conversado. Agora, vá. Vá fazer amizade com a nova vizinha.
É. Isso certamente ia acontecer.
– Use as luvas térmicas. Ainda está quente – avisou a mãe.
Perfeito. As luvas de cozinha. Selena foi até o balcão e ficou olhando para a massa com molho marrom avermelhado. Desanimada, pôs um pedaço de papel-alumínio em cima, dobrou as pontas para baixo e então vestiu as luvas fofas de patchwork azul que sua tia Georgia havia feito. Na porta dos fundos, encaixou seus pés com meias nos sapatos que estavam na varanda e seguiu pela lama da entrada de carros. A casa do outro lado da rua era comprida e baixa, uma construção em forma de L que ficava de costas para a rua. O teto estava coberto de limo. As
laterais cor de marfim precisavam de pintura e as calhas estavam cheias de folhas e galhos. Arbustos gigantes de rododendros escondiam a maioria das janelas e zimbros criavam uma barreira verde e cheia de espinhos que percorria todo o comprimento da casa. Ninguém cuidava do quintal fazia anos. Na porta da frente, Selena fez uma pausa e respirou fundo. Então, equilibrando a caçarola com a massa em uma das mãos, tirou uma luva e bateu.
Por favor, que não tenha ninguém em casa. Quase que instantaneamente, ela ouviu passos lá dentro. A porta se abriu, revelando uma mulher alta com uma túnica esvoaçante. Usava uma tiara indiana de contas em volta da testa e brincos que não combinavam. Os olhos dela tinham um embotamento estranho, como se precisasse de óculos, mas não os estivesse usando. Mesmo assim, era bonita, de um jeito elegante e delicado.
– Sim?
Uma música pulsante e esquisita parecia vir de vários lugares ao mesmo tempo. Embora as luzes estivessem desligadas, várias lâmpadas de lava estavam acesas e borbulhando em estranhas caixas verde e vermelhas.
– O-olá – gaguejou Sel. – Minha mãe preparou este macarrão para vocês.
– Falou – disse a mulher, tropeçando para trás e quase caindo.
De repente, Demi estava passando pela porta; deslizando, na verdade, movimentando-se com a graça e a confiança que lembrava mais uma estrela de cinema do que uma adolescente. Usando um minivestido de um azul forte e botas de cano alto brancas, ela parecia ter idade suficiente para dirigir. Sem dizer nada, agarrou o braço de Selena e a puxou através da sala até uma cozinha em que tudo era rosa-choque: as paredes, os armários, as cortinas, os azulejos, a mesa. Quando Demi olhou para ela, Selena acreditou ter visto algo que parecia vergonha naqueles olhos escuros.
– Aquela é a sua mãe? – perguntou Sel, sem saber o que dizer.
– Ela tem câncer.
– Ah. – Selena não soube o que dizer, exceto: – Sinto muito.
O ambiente ficou em silêncio. Em vez de olhar nos olhos de Demi, Sel analisou a mesa. Nunca na vida tinha visto tanta besteira num único lugar: biscoitos recheados, cereais açucarados, bolinhos, pacotes de salgadinhos.
– Nossa. Queria que a minha mãe me deixasse comer todas essas coisas.
Selena imediatamente desejou que não tivesse dito nada. Agora ela estava muito sem graça. Para ter alguma coisa a fazer e algo para que olhar além do rosto indecifrável de Demi, ela pôs a travessa em cima do balcão.
– Ainda está quente – disse, de um jeito meio estúpido, considerando que estava usando luvas de forno parecidas com orcas.
Demi acendeu um cigarro e se encostou na parede cor-de-rosa, olhando para ela.
Selena olhou para a porta que dava para a sala.
– Ela não se importa que você fume?
– Ela está doente demais para se importar.
– Ah.
– Quer um trago?
– Ahn… não. Obrigada.
– É. Eu imaginei.
Na parede, o relógio em forma de gato bateu o rabo.
– Bem, você provavelmente precisa voltar para casa para o jantar – disse Demi.
– Ah – fez Selena de novo, parecendo ainda mais nerd do que antes. – Certo.
Demi a guiou de volta até a sala, onde sua mãe agora estava atirada no sofá.
– Tchau, menina do outro lado da rua que faz coisas bacanas de vizinhos.
Demi abriu a porta. Do outro lado, a noite que caía era um retângulo roxo indistinto que parecia vívido demais para ser real.
– Obrigada pela comida – disse ela baixinho. – Eu não sei cozinhar e o cérebro da Nuvem está frito, se entende o que eu quero dizer.
– Nuvem?
– É o nome atual da minha mãe.
– Ah.
– Seria legal se eu soubesse cozinhar. Ou se tivéssemos uma cozinheira ou  coisa parecida. Como a Mamãe está com câncer, e tal – disse Demi, e olhou para ela.
Diga que você pode ensiná-la. Arrisque-se.
Mas ela não conseguiu dizer. O potencial de humilhação era grande demais.
– Bem… tchau.
– Até mais tarde.
Selena passou por ela e saiu para ganhar a noite.
Estava no meio do caminho quando Demi a chamou:
– Ei, espere.
Selena se virou lentamente.
– Qual é o seu nome?
Ela sentiu um lampejo de esperança.
– Sel. Selena Gomez.
Demi riu.
– Gomez? Que nome esquisito.
Já não era mais engraçado esse tipo de comentário a respeito do sobrenome dela. Selena suspirou e se virou novamente.
– Eu não tive intenção de rir – disse Demi, mas não parou.
– Ok. Que seja.
– Ótimo. Aja como uma vaca, por que não?

Selena continuou caminhando.

Um comentário:

  1. Interessante essa história. Tadinha a Sel é muito tímida, quero ver ela se soltar u.u Considerando que ela vai virar amiga da Demi isso não vai ser muito difícil kkkkkkkkkkkkkkkkk
    posta logo! bjss ;)

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