Demi se virou abruptamente.
- O que você disse?
- Quando chegar a hora, talvez nos tornemos mais envolvidos
- ele olhou para Virginia como se a desafiasse. - Você não espera que Demi
fique lamentando a morte do seu filho pelo resto da vida, espera? Ela só tem 20
anos!
- Agora ela tem um bebê com quem se preocupar - disse
Virginia, enfurecida.
- E o bebê precisará de um pai - disse Joe delicadamente.
- Então é esse o seu plano Demi? Correr para encontrar um
pai para o bebê de Zac?
- Não tenho plano algum a não ser ter um bebê saudável. No
que diz respeito a casar-me novamente, não tenho certeza. E isso também é
problema meu, não?
- Bem, acho que vou indo - Joe achou melhor ir embora, para
não causar mais embaraço.
- Espere, Joe - ordenou Demi. - Sou muito grata a você. Você
não precisa ir embora assim.
Joe não se mexeu.
-Virginia, eu pedi para que você não me importunasse!
Marcamos de nos encontrar no hospital na semana que vem. Até mais!
Demi passou por Joe e foi para seu quarto. E parou na porta
e se apoiou nela. Será que a morte de Zac não era problema demais com o que se
lidar? Será que também tinha de lidar com a mãe dele se intrometendo em sua
vida? E o que Joe pensou ao fazer aquele comentário que queria ficar mais
envolvido? Será que estava apenas provocando Virginia? Ou será que disse a
verdade?
O pensamento quase a deixou com náusea. Quanto mais ele
queria se envolver? Pelo menos, Joe foi
em defesa dela. Isso foi bom,o que ela não esperava. Será que ela conseguiria
que ele mudasse para um emprego mais seguro? Pouco provável. Ele amava o
trabalho.
Demi afastou-se da porta e foi deitar-se na cama, com o
pensamento confuso.
- Ele está certo - disse ela suavemente, passou a mão na
barriga. - Talvez um dia eu consiga a possibilidade de me casar de novo, com Joe...
Sentiria a empolgação por estar com o homem que ama. O
compromisso de compartilhar a vida. Ela sabia bem que não queria um homem com
uma profissão perigosa. E mesmo assim o seu coração pedia Joe.
-Não! - disse ela em voz alta. Era cedo demais para pensar em casamento. Mesmo
assim, ela não pôde deixar de ver o quanto Joe ficou extasiado ao sentir o bebê
se mexer. Quanta gentileza dele em ajudá-la com o quarto. Como ele se
interessava quando ela falava de seus planos e do que queria fazer para o bebê!
Ele tinha outros amigos. Mas preferia passar grande parte do
tempo com ela. E ela gostava muito disso.
Talvez, apenas talvez, ela estivesse se apaixonando por ele.
Ela gostava de ficar com ele. Esperava com ansiedade pelas horas que passavam
jun tos. Ele a fazia rir e, às vezes, também à deixava nervosa. Mas acima de
tudo, havia um desabrochar de felicidade no ar.
O pânico tomou conta dela. Não podia amar Joe, nem ninguém.
Precisava de estabilidade, segurança. Queria que a dor silenciosa do coração
desaparecesse por completo. Não queria sentir tanta falta de Zac. Queria chegar
ao estágio quando apenas se lembraria dos bons momentos.
Também construía memórias com Joe. Será que se lembraria
dele com candura com o passar dos anos? E se a vida dele fosse interrompida de
maneira abrupta? Como ela lidaria com isso?
Ela já sentia falta dele. Um telefonema o traria de volta de
imediato. Mas logo o braço de Joe estaria melhor e ele voltaria a trabalhar,
estando ocupado para estar com ela.
O apartamento ficou em silêncio. Suspirando ,
Demi se levantou. Estava faminta. O alimento lhe daria energia para encarar os
fatos. Desejava ter ido almoçar com ele como haviam planejado. Mas depois do
abrupto adeus, ela teria sorte se Joe voltasse a falar com ela.
Ela parou na entrada da sala, surpresa. Joe estava sentado
no sofá, folheando uma revista. Se a surpresa não tivesse sido tão grande, ela
teria começado a rir ao ver um homem lendo uma revista feminina, aparentando
interesse.
- Achei que tivesse ido embora - disse ela. Ele levantou a
cabeça.
- Eu não sou Virginia. Ela foi embora. Nós íamos almoçar,
esqueceu?
- Ainda assim, achei que tivesse ido embora. E.... se eu
quisesse investir mesmo em um relacionamento com você?
Ele riu, levantou-se e caminhou na direção dela.
- Ora, invista! Joe a pegou nos braços e a beijou. O tempo
pareceu parar. A sala começou a girar e Demi se segurou em único porto seguro.
- Joe.
Os braços dela o apertaram, enquanto ela o trazia para mais
perto, sentindo o desejo aumentar, e o êxtase tomando conta do seu ser.
As mãos dele à puxavam para mais perto de si, esfregando
suas costas, acendendo cada célula do corpo de Demi. Ela agarrou nos cabelos
dele, sentindo o calor, a textura, revelando a intimidade entre os dois.
Quando ele moveu a boca para beijar o rosto dela, o pescoço,
Demi se entregou aos prazeres que só Joe lhe proporcionava. Seus músculos eram
fortes ela podia senti-los mexendo-se ao movimento dos braços. O peito era
robusto e ela se perdia em sua força.
Momentos intermináveis de prazer tomaram conta dos dois.
Demi saboreava cada segundo, sentindo a alegria de estar viva e ser tocada por Joe,
enquanto o sangue que circulava por suas veias carregava vida e amor.
Naquele momento, ela soube... amava Joe como nunca amara
ninguém, nem mesmo Zac. Em choque, Demi se afastou e foi dominada pelo medo.
-Pare! Não posso fazer isso com você - Demi não podia estar
apaixonada por esse homem. Era perigoso demais, arriscado demais. Joe
simplesmente olhou para ela. - É cedo demais. É muita coisa. Não podemos nos
envolver. Não quero ficar envolvida.
- Querida, nós já estamos envolvidos...
- Mas você não gosta dessa situação – disse ela.
- Eu lhe disse sobre a minha mãe. Nunca esperei ser
responsável pela felicidade de alguém.
- Você não é responsável por ninguém, além de você mesmo -
retrucou Demi.
- Ao menos que eu arrume uma mulher que pensa que é o meu
dever fazê-la feliz.
- E você não espera que ela faça você feliz também? -
perguntou Demi.
Joe hesitou por um instante, pensou um pouco.
- Eu me faço feliz. Embora encontre felicidade em lugares
inesperados e com pessoas inesperadas.
- Talvez sua mãe fosse a pessoa mais carente do mundo. Ela
era feliz com seu pai?
-Não sei. Ela se lembrava feliz com ele. Mas não ficaram
juntos por muito tempo.
- Talvez ela se lembrasse de dias mais felizes. Mas ela teve
a capacidade de encontrar sua própria felicidade.
- E eu posso escolher o caminho que quiser? - perguntou ele.
-Você já escolheu.
- E se eu dissesse que sou feliz ao seu lado?
- E se eu dissesse que você é feliz ao lado de Trevor
também?
Ele quase sorriu ao ouvir aquilo.
- É, Trevor pode me fazer rir. Mas você traz alegria.
Demi ficou feliz em ouvir aquele elogio. Mas não era o que
queria. Queria que eles voltassem a ser amigos apenas, sem beijos e tudo mais.
-Apenas estar com você e fazer coisas simples isso já me
deixa feliz - disse ele.
- Você parece surpreso - comentou ela, sentido algo revirar
dentro de si. Ela não queria isso.
- É verdade. Por anos, eu pensei que a visão da minha mãe
era a certa. Agora, não tenho mais certeza. Pronta para o almoço?
Demi ficou confusa por essa mudança brusca de assunto. Mas
ela ficou aliviada de deixar de lado o assunto pessoal e voltar aos assuntos
gerais. Não podia se apaixonar por ele. Era apenas desejo, hormônios. Sim, era
isso. Hormônios, assim como Virginia dissera. Eles sairiam para almoçar,
passariam algumas horas juntos e diriam adeus um ao outro.
Joe não tocou no assunto do relacionamento durante o almoço,
mantendo a conversa em um nível seguro. Demi teve mais dificuldades em se
desligar dos pensamentos.
Quando ele a convidou para sair na noite seguinte, ela
recusou, apesar de sentir muita vontade de aceitar. Sentia pânico ao perceber
que o sentimento por ele continuava a vir à tona. Precisava se afastar antes de
se machucar de novo. A diversão não valia a dor da perda.
Telefonou para a mãe quando chegou em casa.
- Oi, docinho, o que houve? - perguntou Diana no reconhecer
a voz da filha.
- Venha ver os móveis do meu bebê. Joe montou tudo hoje.
Está ótimo!
- Estarei aí logo. Joe ainda está aí?
- Não. Almoçamos juntos e depois ele foi embora. Virginia
esteve aqui hoje cedo.
-Aposto que tudo saiu uma maravilha com Joe aí.
- Ela me perguntou o que as pessoas iam pensar.
- Sobre?
- Sobre eu sair com alguém depois da morte de Zac, é claro. Selena
acha que eu não deveria agir como uma freira a vida toda. Miley quer vê-lo para
saber se ele é bom o suficiente para mim. O que você acha?
- Esse Joe é importante para você?
Demi fechou os olhos,
desejando poder dizer "não", mas ela temia estar em uma situação onde
qualquer decisão que tomasse trouxesse dor ao seu peito. - Eu não quero que ele
seja - disse ela. Por quê?
- Ele é bombeiro. Ele se machucou no
último Incêndio do qual participou, pode morrer no próximo.
-E?
- Não quero passar por isso de novo. Dói demais.
Diana ficou em silêncio por um instante.
- Nem sempre podemos escolher - disse ela, finalmente. - E
para quem pensou ter a vida arranjada com 18 anos, e foi pega em uma
reviravolta sem o menor aviso, eu diria para você pensar bem antes de tomar
qualquer decisão. Lembre-se que nem todo mundo tem a chance de se apaixonar por
um homem maravilhoso que compartilhará uma vida a dois. Não jogue fora algo
precioso.
- Não posso fazer isso de novo, mãe. Não posso arriscar.
Você me viu quando fiquei sabendo da morte de Zac. Fiquei destruída. Não posso
me arriscar a sentir aquela dor novamente. Mas meus sentimentos por Joe são
fortes, maduros.
- Então você tem a sua resposta. Ainda quer que eu vá até
aí?
- Sim. Traga Eddie.
- Claro. Onde eu vou, ele vai - disse Diana. - E, logo, logo
onde ele vai, o bebê e eu vamos. Vejo você em alguns minutos.
Demi desligou. Já tinha a resposta. Telefonaria para Joe
essa noite e diria a ele que não queria mais vê-lo.
Não, ele merecia que ela lhe falasse cara a cara. Não se
esconderia por detrás de um telefone que podia ser facilmente desligado.
A ideia era muito triste. Mas era melhor ser triste agora do
que devastadora depois. Ele nem chegou a ser uma parte tão grande de sua vida.
Demi apenas o conhecia há poucas semanas. Não levaria muito tempo para superar
esse affair.
A faculdade começaria em breve. Isso cuidaria
do futuro imediato. Se ela se mantivesse focada no que era importante, as
coisas aconteceriam naturalmente. Ela se manteria equilibrada e encontraria paz
com o trabalho e com a filha.
Com medo de arrepender-se se ligasse de antemão, Demi foi na
manhã seguinte até o apartamento de Joe sem saber se ele estava lá. Respirando
fundo em frente à porta do apartamento dele, ela tentou controlar suas emoções
que começavam a se revirar. Demi estava fazendo o que era certo para ela. Ela
repetia aquelas palavras como se fosse um mantra.
Bateu na porta.
Ele abriu momentos depois e ela quase se esqueceu da razão
de ter ido lá. Ele estava maravilhoso. Sua camisa estava desabotoada, suas
mangas dobradas; o gesso continuava em um dos braços. A calça jeans caía-lhe
bem e era levemente desbotada, modelando as pernas longas. Os cabelos
precisavam de um corte, mas ainda assim estava muito charmoso. O coração de
Demi bateu acelerado.
- Demi, não esperava vê-la por aqui - disse ele ao abrir a
porta. - Entre!
- Espero que eu tenha vindo numa boa hora -disse ela.
- Mudou de ideia sobre o encontro hoje à noite? - perguntou
ele enquanto ela entrava na sala, nervosa. Muito agitada, ela levantou a cabeça
e se virou para encará-lo.
-Não, eu não mudei de ideia sobre isso. Na verdade, achei
melhor vir em pessoa para dizer a você que não quero mais que nos vejamos.
Ele ficou imóvel, apenas olhando para ela enquanto o tempo
passava.
- Você se importa em me dizer o porquê? - finalmente ele
perguntou.
Demi olhou para ele por um instante, torcendo para encontrar
as palavras certas. Ele parecia mais fabuloso do que qualquer homem tinha o
direito de ser. Ela não tinha certeza se tinha a coragem para levar a conversa
adiante. Mas para seu próprio bem, tinha de fazer isso. Não queria ficar
paralisada com a dor de se apaixonar por alguém apenas para perdê-lo em uma
morte estúpida de novo.
- Somos diferentes demais.
-A maioria dos homens e mulheres é - respondeu ele,
calmamente, ou quase isso.
- Então, tudo bem. Na verdade, estar com você me assusta.
- Eu assusto você? - perguntou Joe, atônito.
- Estar com você me
assusta - esclareceu ela.
- Há uma diferença. É claro que você não me assusta. Você é
bom, honesto e divertido. Isso é parte do que me assusta.
-Eu não entendo.
- Eu posso me apaixonar por você - desabafou Demi. Ela se
recusava a admitir que já havia se apaixonado. Mas cortaria essa paixão pela
raiz. estava lutando para manter o coração intacto.
Pela primeira vez desde que ela começou a falar ele começou a relaxar. - Bem...
-Não, não brinque com isso, Joe. Estou falando sério. Não
estou a fim de que isso aconteça.
- É por causa do Corpo de Bombeiros, não é?
- Em parte. Mas apenas em parte. Não quero ficar presa a
ninguém. É mais seguro assim.
- Mais seguro do que o quê?
- Do que ficar destruída com a morte de alguém querido. É
como me senti na primavera, antes de você me conhecer. Por várias semanas, eu
não sabia se seria capaz de sair da cama de manhã.
- Isso é um processo natural da dor de se perder alguém. Mas
você se levantou e seguiu em frente. Sei que foi difícil perder Zac, mas você
sobreviveu. Tem a vida toda pela frente.
- E agora estou me sentindo segura. A pior parte da dor já
passou. Agora tenho meu bebê, minha faculdade para terminar e um trabalho de
professora esperando por mim no futuro. Sinto-me no controle da situação, e eu
gosto disso. Quero que isso continue assim. Não quero ficar à mercê do destino.
Então não quero me apaixonar de novo. Não quero passar o tempo com você e ficar
tentando não me apaixonar. É melhor terminarmos tudo agora.
Ela queria sair correndo naquele instante. Acabara de dizer
o que queria e agora precisava ficar sozinha.
Mas Joe não sabia disso. E ele tinha seus próprios
interesses.
- Você não está falando sério Demi. Não pode. Temos algo
especial acontecendo aqui. Algo inesperado o qual nunca buscamos, mas que nos
encontrou assim mesmo. Não quero que isso acabe. Quero passar mais tempo com
você, quero ver se esses sentimentos podem crescer, fortalecer e nos aproximar
mais.
Ela balançou a cabeça. Não queria ouvir nada daquilo. Ele
tinha de concordar em terminar tudo imediatamente!
- Ouça-me - disse ele, aproximando-se dela e tocando seus
ombros. Ela tentava não notar as sensações que o toque dele lhe causava. Ela
estava à flor da pele.
- Passei toda a minha vida tentando fazer tudo da maneira
mais segura possível, não me envolvendo. Jurei nunca ser responsável por
alguém. Eu também queria segurança. Mas você mudou isso. Conhecer você me
mostrou o que faltava em minha vida.
- Não. Não tem nada faltando em sua vida. Isso é apenas
atração sexual. Você não quer um relacionamento sério - disse ela.
- Quero sim. Quero um com você. Eu amo você, Demi.
Ela ouviu aquelas palavras e o pânico tomou tonta de seu
corpo mais uma vez. Demi se soltou dele e virou-se, como se estivesse acuada,
procurando por uma saída. Joe bloqueou o caminho para a porta.
- Não, eu não quero ouvir isso.
- Talvez você precise ouvir isso, querida. Isso muda tudo.
Eu amo você. Quero que você se apaixone por mim, quero que nos casemos.
Criaremos seu bebê e faremos outros. É meio piegas para um bombeiro dizer isso,
mas você incendeia a minha vida!
- Não! Não quero mais ver você - ela respirou, tentou
acalmar a voz para disfarçar toda a agitação que sentia. Isso não ocorreu como
ela esperava. Ela esperou e desejou que ele concordasse prontamente. Por um
instante, ela sentiu a tentação. Mas se ariscar não era nada bom.
- Preciso ir, Joe. Por favor, respeite meu desejo. Não me
telefone, não venha no meu apartamento. Vamos acabar com isso.
- Não quero que isso acabe - disse ele, frustrado.
- Por favor, não torne as coisas ainda mais difíceis.
- Se é difícil, então para que fazer isso? - perguntou ele.
- Eu preciso. Preciso muito.
Ele não disse nada. Depois de um instante, ele se afastou e
Demi correu para porta. Em questão de segundos, ela estava na calçada,
caminhando em direção do ponto de ônibus. Ela nem ao menos notou aquela
vizinhança que um dia lhe foi tão familiar. Via apenas a dor nos olhos dele e
sentiu a dor em seu coração.
Estava fazendo a coisa certa. Sabia que estava. Mas a dor
era grande.
- É melhor isso agora do que depois. Vai passar logo - disse
ela a si mesma.
Joe ouviu a porta se abrir, mas se recusou a vê-la ir
embora. Ele não podia acreditar. Ele mostrou a ela seus sentimentos, disse que
a amava, a pediu em casamento. E ela disse não.
Será que foi isso o que Demi sentiu quando soube da morte de
Zac? Será que era isso o que ela temia? Esse vazio? Esse sentimento de
impotência, incapaz de aceitar os fatos? Ele quis correi atrás dela e fazê-la
ouvir o que tinha a dizer. Ele a amava! Ele nunca amara outra mulher. Será que
ela ouviu o que ele disse?
Claro que sim. E aquilo foi a última coisa que ela queria
ouvir. Ela foi até ele para lhe dizer adeus pessoalmente. Ela não queria que
ele a amasse, Ela não queria compromisso.
Sinceramente, Joe também não tinha certeza se queria amar.
Não agora. Não quando ela o rejeitara sem lhe dar ao menos uma chance. Mas
sentimentos não tinham muito a ver com vontades.
Ele se jogou no sofá, olhando para o nada. A vida era uma
droga. Ele foi um tolo ao abaixar a guarda e começar a gostar da lourinha de
sorriso encantador. Ele a queria tanto, mais do que qualquer coisa em sua vida.
Mas ela não o queria. Era tudo tão irônico! Ele combatera o amor por tanto
tempo - até mesmo a ideia. Agora caiu na armadilha. Ele jamais deveria ter se
apresentado a ela. Deus, como ele a queria!
As próximas duas semanas foram as mais difíceis da vida de Demi.
Ela sentia tanta falta de Joe que era difícil de acreditar. A situação ficou
ainda pior por saber que ele a amava e ela terminara tudo. E por saber que ela
poderia mudar tudo apenas pegando o telefone.
A noite, quando tentava dormir, Demi lembrava das palavras
de amor dele, do pedido de casamento e sentia-se tentada a ligar para dizer que
tudo havia sido um erro. Mas, então, ela se lembrava de Zac. A dor de sua perda
havia diminuído, porém, às vezes, ela ainda se sentia muito mal. Tinha medo de
encarar os sentimentos que a dominavam por tanto tempo. E então ela pensava em Joe
e no tempo que passaram juntos, revivendo cada palavra, cada gesto, cada beijo.
Rolando de um lado para o outro, ela tentava dormir, mas o desejo por outro
beijo aumentava cada vez mais. Apenas um. Ou apenas caminhar de mãos dadas com
ele. O brilho dos olhos dele à provocavam nos sonhos. E ainda assim, o sonho
sempre acabava com ele indo embora triste.
Ela quase sempre acordava durante a noite. O arrependimento
tomava conta, mas a certeza de sua postura evitava que ela ligasse para ele,
evitava que o visse de novo.
Jill telefonou para convidá-la para um almoço. Demi recusou,
dizendo que estava ocupada aprontando-se para o próximo semestre na faculdade.
Se Jill achou estranho Demi não poder tirar um tempinho para se divertir, pelo
menos não disse nada. Entretanto:
- Você sabe, Joe foi liberado pelo médico. Voltou ao
trabalho. Acho que ele está temporariamente com o esquadrão de resgate, mas sei
que ele está feliz por estar em atividade de novo.
- Não falo com ele já há algum tempo. Fico feliz por ele
estar bem - Demi apertou o telefone, desejando perguntar mais, descobrir se o
braço dele havia cicatrizado bem.
- Ligue para mim a qualquer hora, para almoçamos juntas -
sugeriu Jill.
Demi ficou tentada, mas era melhor manter as coisas como
estavam.
- Logo que tiver o meu calendário, poderemos ver - isso não
aconteceria, é claro, mas não havia por que dar uma desculpa agora. Jill
descobriria ao ver que Demi jamais ligaria.
- Então, tudo bem. Falo com você em breve. Desligando o
telefone, Demi sentiu cortar o último elo. Deveria estar se sentido bem. Mas
não sentiu.
Começou a chorar. Sentia saudades de Joe, ao ponto de sentir
dor. Era quase como se ele tivesse morrido. Exceto pelo fato de Joe estar vivo
e fazendo o que gostava. Ela teria de lidar com isso e seguir em frente. Talvez
ela não tivesse a emoção que tinha quando estava com Joe, mas pelo menos não
ficaria devastada se algo acontecesse com eles.
Na segunda quarta-feira de setembro, Demi e Virgínia foram
ao hospital para a palestra de orientação aos novos pais, a qual Demi havia
adiado, incapaz de lidar com Virgínia. Diana e Eddie tinham já assistido à
palestra, e Demi não conhecia ninguém no pequeno grupo. Uma das mulheres
parecia já ter passado da hora de dar à luz. Demi ficou de olho nela durante a
sessão, pensando no quanto ficaria volumosa no final da gravidez.
- Eu não tive nada desse tipo - sussurrou Virgínia quando
viram a sala de parto. Era decorada como um quarto de dormir, com cortinas e
uma cadeira de balanço.
- Mamãe me disse que foi bem diferente quando ela me teve.
Ela disse que parece ser a primeira gravidez dela, pois nada foi feito dessa
forma.
Quando foram ao berçário, puderam ver pelas janelas vários
bebês em seus berços, enrolados em cobertores cor-de-rosa e azuis. No canto,
uma mulher segurava uma criancinha.
- É aqui onde os bebês ficam à mostra para a família e os
amigos. Mantemos os bebês aqui por algumas horas durante o dia e no restante os
deixamos com as mães. E, é claro, a maioria fica aqui por um dia ou um pouco
mais, para em seguida serem mandados para casa.
- A maioria, mas não todos? - perguntou alguém.
- Se houver complicações, eles ficam por mais um tempo - ela
apontou para a mulher segurando o bebê. - Temos voluntários para ajudar no que
for necessário. Às vezes, temos nascimentos múltiplos, ou a mãe tem algum
problema que a impeça de estar com o bebê. Para isso, temos voluntários para
providenciar cuidados especiais. Para ser sincera, sempre precisamos de ajuda
e, se algum de vocês tiver tempo sobrando, juntem-se a nós.
Uma onda de riso passou pelo grupo. Nenhuma das futuras mães
podia se imaginar tendo tempo livre.
Mas Demi olhou para Virginia. A velha olhava para os bebês
com um doce brilho nos olhos.
- Você deveria se voluntariar - disse Demi.
-Eu? Não sei muito sobre bebês. Só tive o Zac. E ele cresceu
rápido.
- Você sabe, sim. Pense sobre isso. Você tem tempo e essa
atividade seria interessante.
Virginia pareceu pensativa.
- Terei muito o que fazer com minha netinha - disse ela.
- Não, não terá. Você pode ir visitá-la e ela visitará você,
mas, Virginia, esse bebê não é seu. Você precisa de algo na vida para lhe dar
mais propósito do que mimar minha filha. Pense sobre isso - disse Demi
firmemente.
- É, vou pensar - respondeu a ex-sogra, olhando para os
bebês mais uma vez.
Virginia levou Demi de volta ao apartamento quando a
palestra terminou.
- Você ainda está saindo com aquele homem? perguntou
Virginia no caminho.
- Se está falando sobre Joe, não o vejo desde o dia em que
ele montou os móveis do meu bebê.
Virgínia ficou em silêncio por um instante.
- Estou pensando em desmontar o quarto de Zac - contou ela.
- James acha que devemos transformá-lo em um quarto de hospedes onde você e o
bebê possam ficar de vez em quando. Sei que moramos perto, mas talvez você
queira que olhemos o bebê à noite se precisar sair e queira passar a noite por
lá, em vez de acordá-la.
- Tem certeza? - perguntou Demi. Ela pôde sentir a tristeza
na voz de Virgínia.
- Não vou jogar nada fora. Algumas de suas coisas manteremos
à mostra. Mas a maioria dos objetos não tem significado algum, exceto para mim
e Zac. Guardarei as caixas. Talvez o bebê gostasse de vê-las quando crescer.
- Claro que sim. E temos de ter certeza de que ela saberá
tudo sobre o pai. Como ele era bom nos esportes, como gostava de fazer bagunça
e o quanto nos amava.
- É tão difícil, Demi!
Demi segurou na mão de Virgínia, que segurava o volante.
- Quero dar a ela o nome de Jamie Marie, em homenagem a Zac.
Virgínia sorriu.
- Que nome adorável!
Dirigiram em silêncio até que Virgínia parou em frente ao
prédio de Demi.
-Aquele homem estava certo, sabe. Um dia você vai se
apaixonar de novo e se casar. Mas não deixe que Jamie Marie se esqueça de seus
avós.
Virgínia, se eu me casar de novo, isso não mudará os avós de
Jamie. Ela passará bastante tempo com vocês dois, não importa o que aconteça.
Nunca privaria a minha filha da oportunidade de conhecer e amar seus avós.
- Seu novo marido pode não gostar disso - disse ela.
-Então ele não seria o tipo de homem com quem eu me casaria.
Mas não tenho planos de me casar, então não se preocupe.
-E Joe?
- Não estamos mais saindo - disse Demi. -Se eu me apaixonar
de novo, quero alguém com um trabalho seguro, não quero arriscar perdê-lo por
conta de seu trabalho.
- Quando você estiver pronta, peço para James lhe apresentar
a uns ótimos vendedores de seguro de vida - disse Virgínia.
Demi riu.
- Negócio fechado.
Será que ela ficaria pronta para alguém depois de Joe?
- Acho que você está louca - disse Selena ao caminhar com
Demi pelo campus. Era um dia ensolarado de outono, com uma brisa vinda do Oeste
mantendo a temperatura agradável. O campus estava repleto de estudantes andando
de prédio em prédio, checando seus horários e marcando reuniões com os amigos.
- Você diz isso toda vez que conversamos ultimamente - disse
Demi. - Sua opinião é muito previsível.
- Mas muito ignorada - disse a amiga, em tom de brincadeira.
- O que mais posso fazer?
- Nada. Se já se passaram três semanas e você não sente
saudades dele. Você estava certa, ele não é para você.
- Sinto saudades sim - disse ela. - Mas é cedo demais para
pensar em me envolver com alguém. Talvez eu mude de ideia depois. Mas agora a
sensação de perda é enorme. Você não entende. Eu vivo com isso todos os dias. E
se alguma coisa acontecer com minha mãe? Ou com Eddie? Ele voa pelo mundo todo.
E se o avião cair?
- Ei, voar é mais seguro do que dirigir. Estatisticamente
falando, mais pessoas vivem até a velhice do que morrem jovens, já pensou
nisso?
-Não no Exército.
- Sim, até mesmo lá. Ou no corpo de bombeiros. Ou nas tropas
de paz, ou domadores...
- Domadores? - disse Demi.
- Bem, essa é outra profissão perigosa. Demi riu.
- Vou manter isso em mente se eu esbarrar com um. Vamos
mudar de assunto.
- Para que assunto?
- Você acha que vamos gostar do Sr. Scrubs?
- Nem um pouco. Muito cheio de pompa. Mas ele é o único
dando essa matéria nesse semestre, estamos empacadas. E sua ex-sogra? Continua
.chata?
- Ela está melhorando - Demi a defendeu.
-Impossível!
- É verdade, está sim. Começou a trabalhar no hospital, como
voluntária na ala de recém nascidos e está adorando. Ela vai lá todos os dias
agora para ajudar as enfermeiras no que for preciso. É o novo hobby dela.
- Você disse que ela precisava de um.
Elas chegaram na esquina da movimentada 19a Avenida. Demi
foi em direção do ponto de ônibus do outro lado da rua, enquanto Selena
retornaria para a biblioteca para pesquisar. Por um instante, Demi sentiu a dor
de não estar retornando para o apartamento no mesmo prédio de Joe. Se ela não
tivesse se mudado, encontraria com ele agora, embora ela soubesse que não era
forte o suficiente para aguentar um relacionamento com ele nesse momento, ela
seria capaz de vê-lo de tempos em temos.
Será que isso teria sido pior ou melhor?
Selena esperou com ela no sinal de trânsito.
- Telefono para você mais tarde para lhe dizer se aquele
enfoque vai funcionar.
- Você vai conseguir - disse Demi. - Eu não faço ideia do
que quero escrever para minha monografia. Espero que algo me venha à mente em
breve.
Quando o sinal abriu, ela se despediu rapidamente.
- Eu telefono - disse Selena enquanto Demi começava a
atravessar a rua.
Do nada, um carro acelerou em direção da faixa de pedestres,
furando o sinal vermelho. Demi se virou ao ouvir o grito de Selena e viu o
rosto repleto de horror do motorista, com o freio do carro rangendo. Tudo
parecia acontecer em câmera lenta. Antes que pudesse reagir, o pára-choque
colidiu com ela, jogando-a para o alto. Instintivamente, ela jogou os livros no
chão para proteger o bebê, rolando feito uma bola no chão. Ela se sentiu
nadando em um líquido viscoso. Os sons se misturavam: Selena gritando seu nome,
o som de carros freando, uma buzina soando em algum lugar. A confusão era
geral.
Até que ela bateu com a cabeça no asfalto e tudo ficou
preto.
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