terça-feira, 23 de julho de 2013

CAPÍTULO 17 MARATONA

Joseph estava amarrando os tênis, quando viu a patinha preta sob a porta e ouviu o miado. Endireitando-se, abriu a porta. A gatinha espiou, erguendo o olhar para vê-lo. Era impossível não sorrir. A gatinha esfregou-se nos tornozelos dele, ronronando, e Joseph abaixou-se, pegando-a no colo.
— Está invadindo meu quarto, garota.
Era tarde, a casa estava silenciosa. Kelly estava na cama, e ele imaginava que Demi estaria no quarto, ou no andar de baixo. Já fazia algum tempo que não ouvia qualquer ruído. A gatinha miou, e Joseph apertou-a contra o peito, decidido a levá-la de volta para a filha, antes de sair para a corrida noturna. Mas a gatinha deslizou para cima, lambendo-o no pescoço. Ele estremeceu, ansioso pelo contato com outra criatura viva, e enterrou o rosto no pêlo macio, enquanto descia as escadas. Serabi ronronou mais alto.
Joseph entrou silenciosamente no quarto de Kelly, iluminado apenas pela pequena lâmpada num dos cantos. Ele colocou a gatinha na cama e observou-a, enquanto ajeitava o cobertor. A mão da menina imediatamente pousou nas costas do animalzinho.
Ela pensa que você não a quer aqui, disse Demi. Desde aquela manhã, ele tentava pensar num modo de fazer a menina entender que era a melhor coisa que aconteceu em sua vida.
Que precisava muito dela. Cuidadosamente, sentou-se na beirada da cama, observando-a dormir. Serabi ergueu a cabeça, lançou-lhe um olhar sonolento e voltou a dormir.
Kelly espreguiçou-se e Joseph ficou tenso.
Os olhos dela se entreabriram e ele ficou imóvel, o coração disparado. Estava tão escuro que não podia ver mais do que a silhueta dele. Não queria que pensasse que havia algo estranho ali.
— Papai?
Ele ouviu a voz trêmula e rezou para que não estivesse com medo.
— Sim, princesa?
— Está zangado?
— Não, querida. Por que achou que estaria?
— Nunca vem me ver.
— Estou aqui agora, não estou?
Houve uma pausa, e então ela respondeu:
— Sim, acho que sim.
Joseph fez o que não deveria. Inclinando-se, tomou-a nos braços. A gatinha protestou, e ele colocou-a sobre o travesseiro. Os braços de Kelly rodearam-lhe o pescoço, e ela aninhou-se. A garganta de Joseph apertou-se, e ele sussurrou, junto ao ouvido da menina:
— Eu te amo, Kelly. Te amo demais. Estou tão feliz por estar comigo agora…
— De verdade?
— É claro, meu bem. Eu te amo muito. Gostaria de poder ir lá fora, brincar com você, mas é impossível.
— Por quê?
— Porque… não posso ficar no sol.
— Seus cortes ainda doem, papai? Mamãe disse que foram muito fundos.
Joseph fechou os olhos. Fundos? Eles tinham atingido até sua alma.
— Sim, querida. Às vezes doem muito.
De um modo que ele esperava que ela jamais sentisse.
— Oh! — Kelly suspirou, aninhando o corpo quente e macio contra o peito dele. — Uma vez eu caí e machuquei o joelho. Doeu muito tempo.
Joseph sentiu a garganta seca. Ela tentava demonstrar que compreendia, e o coração dele apertou-se.
— Eu estava tão sozinho até você chegar, Kelly!
— Eu também, papai. — A mão delicada tocou a cicatriz na garganta dele, sem parecer notá-la. — Eu te amo — sussurrou, bocejando em seguida.
Amor incondicional, disse Demi. E perdão? Ele acariciou-a e a ninou, sem vontade de deixar o presente tão precioso que a vida lhe deu. Os braços dela afrouxaram o aperto, e ele percebeu que adormeceu. Afastando a gatinha, delicadamente colocou Kelly na cama. Serabi ajeitou-se, e as duas bocejaram.
Joseph afastou-se.
— Não vá, papai.
Ele sorriu ternamente e sussurrou:
— Vou ficar aqui, meu bem. — E sentando-se na cadeira de balanço, pegou um livro de histórias. Os olhos de Kelly se abriram, e no escuro, ele começou, baixinho:
— Era uma vez, numa terra distante, uma linda garotinha…


Além da colina, além do muro de pedra que cercava a casa, Demi estava parada à beira-mar, os dedos dos pés enterrando-se na areia, as mãos enterradas nos bolsos da jaqueta. Sentia-se mal por pressionar Joseph, mas nunca conheceu um homem tão teimoso quanto o senhor do Castelo. O vento levantava os cabelos macios e atravessava a calça de algodão, fazendo-a estremecer. Mais chuva, mais trovões, pensou, dizendo a si mesma que seria bom checar se havia previsão de furacões. Olhando para a casa, viu a figura que descia correndo o caminho às escuras.
Era Joseph. Ele desapareceu junto ao portão para ressurgir em seguida, correndo na direção dela, num passo firme. Imediatamente Demi recuou. Ele usava um capuz e um abrigo escuro, que o deixavam quase invisível na noite iluminada apenas pelas luzes de segurança que vinham da casa.
Ao vê-la, ele parou.
Por um instante, ela hesitou, mas logo se virou, andando na direção da casa.
— Demi — disse ele, ao vê-la passar, sem fitá-lo.
— Não quero que Kelly fique na casa sozinha.
— Os alarmes estão ligados.
— Isso não faz diferença se ela acordar e começar a me procurar. Por ela, não por ele, pensou Joseph, sentindo a frustração o dominar. Mas era por isso que Demi estava ali. Para cuidar de Kelly e amá-la. Para fazer tudo que ele não podia.
— Demi, espere.
— O quê? Outra discussão? Já sabe o que sinto.
— Sei? Uma noite se entrega nos meus braços, e na outra fica furiosa.
— Com razão, nas duas situações — disparou ela. — O beijo não tem nada a ver com a sua filha e com o quanto ela deseja estar com você.
— Eu sei — disse Joseph, se aproximando. — Só queria ter certeza se você sabia.
Demi deu um passo para trás.
— Não vamos falar sobre isso — disse, lutando contra o impulso de atirar-se nos braços dele e beijá-lo de novo. Como ele sempre conseguia arranjar um jeito de ficar na sombra?
— Isso não fará com que desapareça — retrucou ele. Um silêncio pesado pairou no ar, e Demi podia ouvir a respiração, o vento contra as roupas dele, até que falou novamente:
— Nem eu quero isso.
Ela também não queria esquecer, mas precisava dizer o que sentia.
— Não gosto que me usem.
— Não sou aquele canalha que fez você sofrer, Demi.
— Isso não importa. O beijo apenas mostrou como podemos perder a cabeça facilmente. — E como poderia ser maravilhoso, acrescentou, em silêncio. — Eu estava disponível, e quem eu era não fazia muita diferença.
— Por que diz isso?
— Gosto da verdade. É mais fácil encará-la.
— Então está vivendo uma mentira. — De repente, ele aproximou-se, e dessa vez, Demi não recuou. — Nunca usei uma mulher. E amei apenas uma vez na vida. — Ele respirou fundo.
— E nada se compara ao que sinto quando você está perto. Demi sentiu os joelhos fraquejarem, o coração disparar.
— É apenas atração.
— Atração eu conheço. É algo apenas temporário.
— E eu sou apenas temporária em sua vida, Joseph — disse Demi, tentando manter a voz firme.
— Meu Deus, o que esse homem fez com você? — perguntou ele, detestando aquela frieza, e querendo saber o que a causou.
Ela ergueu o queixo, num gesto de desafio.
— Ele me pediu em casamento, e cometi o erro de aceitar, acreditando que me amava. Dois dias antes do casamento, soube que iria casar-se comigo por causa de meus títulos de beleza, para me exibir para a sociedade.
Joseph murmurou, demonstrando compaixão, mas ela não queria piedade. Já bastavam as irmãs e os amigos, tentando confortá-la.
— Wilmer pretendia continuar com a amante, e eu seria um troféu para mostrar aos amigos, receber visitas e gerar um lindo casal de filhos. — Ela sacudiu a cabeça, fitando o mar. — E eu não queria nada — disse, virando-se para Joseph —, além de amor.
— Ele foi um tolo, egoísta e arrogante. — Aquela mulher maravilhosa o amava e o idiota não reconheceu seu valor, pensou Joseph.
— Também prefiro pensar assim.
Ele segurou-a pelo braço, e Demi estremeceu de expectativa. Mesmo assim, reagiu.
— Não, Joseph. Não posso me envolver com você.
— Acho que não tem mais jeito. Está na minha casa, cuidando da minha filha… e me deixando louco. — Ele baixou a cabeça.
O perfume dele a envolvia, e o calor do corpo forte aquecia a pele, protegendo-a do vento. Demi não podia mentir para si mesma. Apesar de saber que era arriscado, que poderia magoar-se outra vez, já que ele não sairia para a luz, nem por ela, nem pela filha, não pôde resistir. Queria que ele a beijasse novamente, precisava saber se o que havia sentido na escada era verdadeiro, se o toque dele realmente podia fazê-la arder. Ou seria apenas o mistério do rosto e do corpo que não podia ver, a dor que escondia nas sombras? Ou seria apenas o erotismo daquela voz sedutora, que vinha das sombras e parecia enfeitiçá-la?



Se comentarem muito, muito posto mais um ainda hoje! 

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