Joseph
— Com
licença Sr. Jonas. — A recepcionista
do prédio onde trabalho me chama quando passo por ela logo no começo da manhã.
— Sim,
Marilu?
— Ann...Tem
uma mulher aqui que gostaria de falar com o senhor.
— Quem?
— Blanda
Thompson, senhor. Ela tentou subir no seu andar, mas foi impedida pelos
seguranças porque sua secretária disse que tinha ordens para não deixa-la
subir, porém, não podemos impedi-la de ficar lhe esperando no saguão. — Ela me
diz com um sorriso de desculpas.
— Entendi.
Obrigada, Marilu. — Dou lhe um sorriso desanimado, meu dia já azedou.
Viro-me na
direção do saguão onde vejo algumas pessoas em pé e algumas outras sentadas nos
sofás de couro. Não demora muito e eu reconheço os cabelos negros de Blanda, solto
um suspiro impaciente e vou em sua direção.
— O que você
está fazendo aqui? — Paro na sua frente e tento perguntar com uma voz contida,
mas é difícil disfarçar a raiva que sinto.
Ela levanta
o olhar e um sorriso venenoso se espalha por seus lábios, ela levanta-se do
sofá, deixando seu corpo muito próximo do meu. Dou um passo para trás, o que
parece diverti-la ainda mais.
— Vim falar
com você, docinho. — Deus, meu estômago embrulha toda vez que ela me chama
assim. É impressionante como as coisas mudam, no passado ela costumava me
excitar como nenhuma outra, agora ela me enoja como muitas outras.
— Você já se
esqueceu da conversa que tivemos aquele dia no meu escritório? Eu não quero te
ver nunca mais, Blanda.
— Como eu
poderia me esquecer daquele dia? Do nosso beijo... — Ela diz com um sorriso
dengoso, sua mão alisando meu terno.
— Não existe
isso de ‘nosso’ beijo. Você me beijou a força e foi horrível.
— Você
gostava tanto dos meus beijos antes. Principalmente quando eu te beijava aqui
embaixo... — Ela diz escorregando sua mão em direção à braguilha da minha
calça. Seguro sua mão com força e a afasto de mim. Olho para os lados para ver
se alguém percebeu seu movimento ousado.
— Pare com
isso, Blanda.
— Docinho,
não precisa fingir que você não gosta disso.
— É mais do
que não gostar, eu odeio isso, e eu te odeio. Você me lembra de um passado que
eu luto diariamente para esquecer. — Por um breve momento vejo magoa passar por
seus olhos, mas logo ela disfarça e aquele brilho impertinente retoma seu lugar.
— Muito bem,
você definitivamente quer isso do jeito difícil, não é? Eu te dei todas as
chances possíveis, Joseph, mas você
insiste em me recusar, em me humilhar, como naquele dia no seu escritório. É,
eu me lembro bem daquele dia, me lembro também que eu lhe fiz uma promessa, e
eu sempre cumpro com o que eu prometo.
— Você já
teve a sua vingança infantil, você prejudicou minha carreira, agora me deixe em
paz.
— Agora quem
parece que não se lembra daquele dia é você. Já se esqueceu do que eu te
disse? Isso apenas começou Joseph,
aquele contrato foi a primeira coisa que você perdeu.
— Você não
pode mais me prejudicar. — Digo confiante, mas é apenas uma fachada, a verdade
é que eu estou com medo. Medo porque Blanda está com aquele olhar determinado de
quando ela quer algo e não há ninguém que possa impedi-la.
— Vamos ver
o que eu posso fazer quanto a isso... — Ela diz remexendo em sua bolsa, olho
curioso para ver o que ela procura. Ela sorri parecendo empolgada quando retira
um celular da bolsa enorme que pende do seu antebraço.
Fico mais
curioso ainda, descanso as mãos na cintura e olho impacientemente para Blanda.
— Diga-me Joseph, o que você acha que a sua
namoradinha irá pensar quando ela ver... — Ela vira o celular na minha direção.
— Isso. — Ela parece se deliciar com as palavras.
Olho a tela
do celular, uma filmagem está passando. O ambiente é escuro e não consigo ver
muita coisa, mas consigo distinguir vários corpos nus. Uma musica, tão alta que
chega até meus ouvidos completamente distorcida, sai do aparelho que Blanda
segura na altura do meu peito.
Quem está
filmando está andando pelo que parece ser uma festa de swing, não sei
por que meu corpo todo se arrepia, sinto meu coração batendo rapidamente e um
nó em meu estômago se forma.
Algumas das
pessoas dançam e outras fazem sexo, no sofá, no chão, em todo lugar. Começo a
sentir um mal estar e sinto que estou suando frio.
A pessoa que
filma anda, parece seguir por um caminho restrito, ela para em frente a uma
porta e a abre, entra em um ambiente claro o suficiente para que eu veja que é
um quarto. Com o barulho da musica alta abafada no quarto, os gemidos são
audíveis. Uma sinfonia de gemidos sai do celular, estou tão horrorizado que não
me importo se as pessoas mais próximas de nós também estão escutando o que
parece o áudio de um filme porno. Ao se aproximar de uma cama, a filmagem
mostra claramente dois homens e três mulheres. Quando reconheço o homem de
joelhos na cama, comendo uma das mulheres que está de quatro com a cabeça enfiada
no meio das pernas de uma segunda mulher, levo à mão a boca como se isso
pudesse impelir a bile de subir. Sou eu nessa filmagem. Sou eu fodendo aquela
mulher de quatro. De repente sinto um medo terrível, o que mesmo que Blanda
disse, mostrar isso para Demetria?
Oh Deus não,
ela não pode ver isso.
As coisas no
vídeo começam a ficar mais ‘pesadas’, mas não consigo desviar o olhar, é como
em um acidente de carro. Quando eu começo a fazer algo que eu não tenho coragem
nem ao menos de falar, arranco o celular da mão de Blanda e pauso o vídeo. Olho
para os lados e vejo algumas pessoas nos olhando com vergonha, curiosidade ou
choque. É, acho que elas escutaram os gemidos obscenos. Pela expressão
triunfante de Blanda, a minha reação era a que ela estava esperando.
— Como você
conseguiu isso? — Minha voz não sai tão irritada quanto eu queria porque ainda
estou muito abalado com a ideia de Demetria
ver esse vídeo.
— Uma das
festinhas que frequentávamos. Eu sabia que filmar você me serviria para alguma
coisa algum dia.
Raiva,
vergonha e medo começam a queimar dentro de mim, provocando uma chama muito
perigosa. Aperto no botão de deletar, nunca mais quero ver essa filmagem na
minha vida.
— Pode
deletar, é claro que eu tenho outras copias. — Ela diz pegando o seu celular de
volta.
— O que você
quer? — Pergunto com os dentes cerrados, tenho medo de abrir a boca e acabar
gritando com todas as minhas forças.
— Você ainda
precisa perguntar? — Ela ri. — Eu quero você.
— Não
acredito que você guardou durante todos esses anos esse vídeo, você é uma vadia
louca, sabia?
— Eu sabia que me seria útil em algum momento. E esse é o
momento perfeito.
— Porque
agora? Se você tinha isso com você todo esse tempo, porque me chantagear só
agora?
— Porque
antes não teria adiantado nada. Diga-me, se eu tivesse aparecido com esse vídeo
alguns anos atrás, e tivesse ameaçado de mostrar para a sua família ou colocar
na internet se você não ficasse comigo, o que você teria feito?
— Teria rido
da sua cara. — Respondo sem pensar.
—
Exatamente. Porque você não se importava com que os outros pensavam de você.
Mas agora, você se importa, não é? Agora você está apaixonado e não quer que
sua namoradinha veja com seus próprios olhos como você é pervertido, não quer
que os pais dela vejam, estou certa ou não, Joseph?
— Juro por Deus que o que eu mais quero no momento é tirar seu sorriso de
vitória aos socos. Mas calma, Joseph,
você não bate em mulheres, mesmo nas vadias como Blanda. E você está no seu emprego,
se acalme. Fecho os olhos e respiro fundo, tentando controlar esse mar de
diferentes emoções que se agita dentro de mim.
— Eu não sei
o que você quer que eu diga. — Digo sentindo aquele sentimento horrível de
impotência. Ela está certa, não posso conceber a ideia de Demetria ver esse vídeo. Uma coisa é falarem para ela o que eu
fazia, outra bem diferente é ela ver com seus próprios olhos.
Eu não
suportaria se ela desistisse de mim, se decidisse que eu não valho a pena, se
ela percebesse que o meu passado é um fardo pesado demais para se carregar.
— Eu
quero... — Ela guarda o celular e pega um pedaço de papel. — Que você me
encontre nesse endereço, sexta às 21 horas.
Ela me
entrega o papel, que vejo se tratar de um dos seus cartões de visita, com um
endereço rabiscado em sua letra.
— Se você
não estiver lá às 21 horas em ponto, eu vou fazer com que Demetria e toda a sua família vejam aquele filmagem. A decisão é
sua. Até logo, docinho. — Ela se inclina e beija meu rosto. Estou tão aturdido
que não reajo a sua aproximação, encaro-a fixamente enquanto se afasta e vai
embora. Quando ela está fora do meu campo de visão sinto como se uma tonelada
estivesse sobre meus ombros, me empurrando para baixo, sento-me no sofá e
esfrego meu rosto com força onde ela me beijou. Sinto tanto nojo, como eu nunca
senti antes em toda a minha vida.
“Deus, como
eu pude me envolver com alguém como ela? Onde eu estava com a cabeça?”
Observo com
pesar o cartão em minha mão. Não posso ceder e ir encontrar com Blanda, mas também
não posso deixar Demetria ver aquelas
cenas nojentas.
Ela é tão
inocente, tão pura, tão delicada, não posso a expor a esse tipo de coisa. Ah
meu Deus, o que eu faço?
Descanso a
cabeça no sofá, encarando o teto decorado a cima de mim e tentando controlar o
embrulho em meu estômago.